Lúcia Helena

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Reportagem

Efeito sanfona ameaça a saúde na era dos novos remédios contra a obesidade

Para a saúde, é melhor estar com sobrepeso ou obesidade do que viver engordando e emagrecendo, engordando e emagrecendo. O ioiô na balança é uma brincadeira sem graça até para o coração.

"Essa é uma percepção absolutamente correta", me diz o endocrinologista Fábio Moura, confirmando que entendi direito a sua aula sobre o perigo da flutuação do peso no ICO 2024, o International Congress on Obesity, que terminou no último sábado (29), reunindo mais de 130 palestrantes de todos os continentes em São Paulo.

"A obesidade parece ruim, mas, se estiver estável e controlada, ela será melhor que o efeito sanfona", reafirma o médico de Recife, Pernambuco. E, atenção, você que só está um pouco acima do peso e que pretende iniciar um "projeto verão": quanto mais baixo o IMC de base, isto é, o índice de massa corporal no início, mais terrível é o efeito sanfona para o seu organismo. Emagrecer alguns quilos para entrar em um vestido de casamento e engordar tudo de novo depois da festa é o pior dos cenários até onde se sabe.

A questão no ar é se, na era das das canetinhas de liraglutida, semaglutida e tirzepatida, esse alerta não deveria se estender. Ora, ao provocarem perdas de 8% a 15% do peso corporal inicial — na verdade, hoje já falamos em fármacos que promovem perdas de 20% ou mais — , essas novas drogas contra a obesidade podem fazer o velho ioiô virar uma montanha-russa radical.

Por isso mesmo, há quem diga que, se não for para continuar com esses remédios, melhor nem sequer começar a usá-los. "Ainda faltam estudos provando que interromper o tratamento seria mais preocupante por causa da flutuação de peso. Mas a lógica diz que sim", opina Moura, que foi um dos representantes da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologista e Metabologia) em discussões para que essas medicações passassem ser vendidas só com prescrição. É uma boa batalha.

Caso contrário, as novas drogas viram — aliás, como já têm virado — estratégia de gente desavisada das consequências do efeito sanfona, querendo perder alguns poucos quilos ou, até mais grave, tratar a obesidade com remédio sem ir ao endocrinologista. Dados dos Estados Unidos mostram que apenas um em cada dez americanos com essa doença complexa procuram ajuda médica. No Brasil, não há informação, mas, no mínimo, deve ser igual.

O coração na gangorra

"A obesidade leva cerca de 20 anos até causar uma manifestação cardiovascular séria", conta o cardiologista Andrei Spósito, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), que também deu palestra na sessão sobre efeito sanfona do ICO 2024. "É o caso, então, de você se perguntar: será que, fazendo um tratamento temporário e, com isso, tirando uns dois ou três anos de convivência com a obesidade de uma pessoa, já não seria positivo? Do ponto de vista cardiológico, infelizmente já sabemos que a resposta é não."

Imagine o excesso de gordura corporal como uma longa estrada levando à insuficiência cardíaca e a outros problemas que dilaceram o peito. Estudos mostram que, se você tinha sobrepeso ou obesidade, deve manter por seis anos um peso mais magro para começar a desacelerar o passo na direção desse destino que ninguém quer para si. "Antes disso, o coração nem se abala", comenta Spósito. "Aliás, só depois de dez anos sustentando o novo peso é que vemos uma diferença realmente significativa."

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O problema é segurar o ponteiro da balança é sempre um desafio para o sistema nervoso central, que já nasce com a missão de nos fazer reter energia. "Se perdemos gordura, por pouco que seja, ele entende isso como uma ameaça de desnutrição e, daí, como sua missão é nos manter vivos, entra em cena uma série de hormônios para aumentar a fome e diminuir a saciedade", explica Spósito.

A questão, porém, não fica só nisso. O coração sofre à beça quando o ponteiro da balança vive oscilando. Para isso, aliás, nem precisa de muito. Uma pesquisa mostra que, entre pessoas com fatores de risco cardiovascular que perdem e voltam ganhar 3,8 quilos, essa flutuação pequena já leva a um aumento de 7% na incidência de eventos como o infarto. "A flutuação do peso é, sem sombra de dúvida, uma entidade à parte", sentencia o professor Spósito. "Devemos alertar as pessoas sobre ela."

Por que esse vai e volta faz tão mal

A cada episódio de perder e, em seguida, reganhar o peso perdido, o organismo vai acumulando mais e mais gordura. Sendo assim, um sujeito com IMC 35 que emagreceu e ficou com um IMC 30 e que, depois, voltou a ter um IMC 35 já não será o mesmo de antes. Ele terá uma obesidade mais grave, com uma proporção maior de gordura no corpo do que no passado.

"Esse é o aspecto quantitativo. Mas há o qualitativo também", lembra o endocrinologista Fábio Moura. "Esse tecido adiposo acumulado nos ciclos de efeito sanfona têm um perfil muito mais inflamado. Em estudos com animais, notamos uma ativação dos macrógafos. Ativadas, essas células de defesa liberam citocinas, que são moléculas inflamatórias. Em última instância, é essa inflamação baixinha, mas constante, que está por trás de todos os problemas que o excesso de adiposidade provoca."

A velocidade do emagrecimento conta?

A velocidade com a qual uma pessoa perde peso, por si, não aumenta o risco do efeito sanfona e de suas consequências. Mas o emagrecimento rápido associado à diminuição da musculatura, sim. "E aí é que está: dificilmente quem perde peso muito depressa consegue manter a massa muscular", nota o doutor Fábio Moura.

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Isso ressalta uma velha lição: a de que é preciso emagrecer de uma maneira saudável. E só podemos dizer que é assim quando a alimentação está equilibrada e o exercício físico faz parte da rotina.

"Dietas muito restritivas complicam a situação", aponta o endocrinologista. "E outro risco dos novos remédios vem da maneira como as pessoas os encaram. Elas acham que basta usá-los e pronto. Na realidade, a perda de peso expressiva que eles ajudam o indivíduo a obter — e, não menos importante, a manter — exige um cuidado extraordinário com a alimentação e com a prática de exercícios. O acompanhamento do nutricionista e o do profissional de educação física, ao lado do endócrino, se tornam ainda mais fundamentais quando alguém usa esses medicamentos", pensa o médico.

Ou, fatalmente, a massa muscular despencará. Essa perda favorecerá a recuperação do peso, com todos os prejuízos à saúde ampliados. Diga-se: o segundo episódio de reganho tende a ser pior que o primeiro. O terceiro costuma ser pior que o segundo... Por aí vai.

Para entender a condição de saúde dos pacientes, o número desses ciclos de flutuação deve ser considerado tanto quanto o peso atual — seja ele mais alto ou mais baixo.

O que acontece quando você para de usar essas drogas?

"Essa é a questão que se impõe no momento atual", acredita Fábio Moura, que deverá levá-la, também, ao CBEM 2024, o Congresso Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia, que acontecerá em outubro, em Recife, e do qual ele é o presidente.

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Surgem pistas. O estudo STEP 1 com a semaglutida — princípio ativo do Ozempic — mostrou que, entre os participantes que interromperam o tratamento, houve reganho de peso, aumento de circunferência abdominal — indicando, no caso, um maior acúmulo de gordura visceral, aquela que faz mal ao coração — e aumento da pressão arterial sistólica. "De acordo com outros trabalhos, a mesma coisa aconteceria com quem para de usar a tirzepatida."

O que ninguém sabe é se a situação — por serem perdas de peso mais intensas — será mais preocupante do que já é a de quem vê a balança flutuar aqueles 3 ou 4 quilos apenas. Uma outra dúvida é justamente essa: quando a flutuação de peso passa a ser tão ameaçadora? A gente deve olhar para a quantidade de quilos ou para a derrocada da massa muscular? Talvez, para as duas coisas.

E o que não sai da cabeça de ninguém: será, então, que quem usar esses medicamentos deverá seguir com eles para o resto da vida? "Ah, essa é a pergunta de 1 milhão de dólares", devolve o doutor Moura. "Minha impressão é que, para boa parte dos pacientes, a resposta será sim."

De todo modo, obesidade é uma doença crônica. E toda doença crônica exige tratamento a longo prazo ou para sempre. Os riscos do efeito sanfona e a probabilidade de eles serem maiores entre quem interrompe esses novos remédios — seja por efeito colateral ou por falta de dinheiro mesmo — devem ser discutidos na consulta. Aliás, fique claro que consultar o médico para usá-los pode não ser obrigatório, mas é mais que recomendável.

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