Lúcia Helena

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Diabetes: nova maneira de diagnosticar flagra a doença mais cedo

Como saber se alguém tem diabetes? A resposta, da última sexta (12) para cá, está diferente. É que a SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes) acaba de atualizar suas diretrizes e foi mexer justamente no capítulo dedicado ao diagnóstico.

A mudança, que afeta todos nós, faz o Brasil ser o primeiro país do mundo a incorporar nas orientações aos médicos algo que já tinha sido sugerido pela IDF, a Internacional Diabetes Federation, em março deste ano. No caso, a sugestão seria realizar um teste de tolerância uma hora depois de a pessoa ter engolido uma solução com uma sobrecarga de 75 gramas de glicose — e não, duas horas depois, como sempre se pedia.

"Não que fazer o teste de duas horas esteja errado. A gente continua aceitando-o como um dos cinco critérios para detectar a doença", explica a endocrinologista Melanie Rodacki, professora do curso de Medicina da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e membro do Comitê de Diretrizes da SBD, coordenado por seu colega, o médico gaúcho Marcello Bertoluci.

Por que esperar só uma hora em vez de duas

Testar após somente uma horinha para descobrir como o organismo lida com essa espécie de pirraça — a ingestão de glicose além da conta — apresenta benefícios evidentes. Um deles é a praticidade.

"Esse exame, para quem vai fazer, é realmente chato", reconhece a professora Melanie. "Afinal, a pessoa colhe o sangue em jejum e não pode sair ligeiro para tocar a vida. Bebe a solução e precisa ficar o tempo todo ali, no laboratório." Sem dúvida, cortar pela metade o período de espera para a segunda e última coleta é bom.

O laboratório, com isso, também não precisará ter tantos funcionários à disposição. "Provavelmente, embora faltem análises para confirmar essa hipótese, há uma redução de custos", observa, ainda, a endocrinologista.

Porém, o mais importante de tudo é que, feito desse jeito, apenas uma hora após a ingestão da glicose, o teste de tolerância é superior para entregar quem tem pré-diabetes ou até mesmo diabetes em fase muito inicial. "Ele é capaz de acusar a doença mais cedo", garante a professora. "É que, no começo de um quadro de diabetes tipo 2, existem pessoas que não apresentam nada que chame a atenção na dosagem feita em jejum. E, quando fazemos o exame duas horas após terem ingerido a solução de glicose, o resultado continua absolutamente normal. No entanto, há um aumento considerável da glicemia na primeira hora após a ingestão que, antes, passava despercebido." Essa gente escapava. Perdia-se a chance de diagnóstico bem mais precoce.

Sem terrorismo

Atenção: a ideia não é assustar, dizendo que todo mundo, agora, tem diabetes. "Na verdade, o objetivo de tudo isso é detectar quem tem risco elevado de desenvolver complicações sérias dessa doença", garante Melanie Rodacki. "Queremos deixar no passado aquela velha história de pacientes com diabetes tendo de amputar uma perna ou ficando cego", exemplifica.

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Estudos parrudos mostram que flagrar o diabetes enquanto ele ainda engatinha para, então, não perder nem sequer um dia para agir é um dos maiores segredos para evitar esses desfechos dramáticos — incluindo, o de ter uma doença cardiovascular adiante, desencadeada ou agravada pela glicemia nas alturas.

"Também não pretendemos sair dando remédio para todo mundo que seja diagnosticado precocemente", esclarece a a professora. "Na fase inicial, mudanças no estilo de vida, com ajustes na dieta e rotina de exercícios físicos, são o mais fundamental."

Os cinco critérios para fechar o diagnóstico

Um deles é apresentar uma glicemia ao acaso — isto é, dosada em qualquer momento — igual ou maior que 200 miligramas de glicose por decilitro de sangue. Se um resultado desses está acompanhado de sintomas, aí não tem muito o que discutir: é diabetes. E ponto.

E os sintomas são, principalmente, aqueles clássicos: a vontade de fazer xixi a toda hora, em uma tentativa do organismo de eliminar o excesso de açúcar. Como há perda de líquido pela urina, o rebote é a sede excessiva e, eventualmente, a desidratação. A pessoa também vive com fome, porque a glicose está circulando sem conseguir entrar nas células para abastecer de energia os diversos órgãos e tecidos. E, lógico, pelo mesmo motivo pode haver perda de peso.

Mas, no princípio, o indivíduo pode não sentir nada disso. Vale bater na tecla: o diabetes evolui na surdina. Por isso, os outros critérios são, do ponto de vista de prevenir encrencas, bem mais importantes.

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A glicemia em jejum — um deles — não deve ser igual ou maior que 126 miligramas por decilitro. Já o exame da hemoglobina glicada aponta para o diabetes se o resultado é igual ou superior a 6,5%. Só para lembrar, a hemoglobina é uma proteína encontrada nos glóbulos vermelhos do sangue. Se há muita glicose por perto, ela pode se ligar a essa molécula, recebendo então o apelido de "glicada". Naturalmente, quanto mais desse açúcar na corrente sanguínea, maior será sua porcentagem.

"E, finalmente, os dois últimos critérios são os testes de sobrecarga, o de uma e o de duas horas, um ou outro. Seja como for, nenhum dos dois deve ser feito de cara por toda a população", avisa a professora Melanie. Se é o de duas horas, a glicose não pode ficar em 200 miligramas por decilitro, muito menos ultrapassar esse valor. E, se é o teste de uma hora, ele diz que é diabetes quando o resultado é igual ou maior que 209 miligramas por decilitro.

Quando fazer o teste de tolerância?

Segundo as diretrizes da SBD, que estabelecem uma ordem, os primeiros exames são a dosagem da glicose em jejum e a da hemoglobina glicada. "Se ambas estão alteradas, não há a necessidade de pedirmos mais nada: sabemos que é diabetes", explica a endocrinologista.

Mas, se apenas um dos exames der um valor aumentado, você precisará refazê-lo ou se submeter a outro da lista— aí, sim, chegará a vez do teste de tolerância à glicose por via oral.

"Existem, ainda, situações em que os dois primeiros exames dão resultado normal e, mesmo assim, pedimos esse teste", conta a professora. "É quando a pessoa apresenta três ou mais fatores de risco", diz ela, referindo-se ao sedentarismo, ao sobrepeso ou à obesidade, à hipertensão, a níveis de colesterol ou de triglicérides elevados e, claro, ao histórico de diabetes na família.

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O teste de tolerância à glicose também é feito naqueles casos que a IDF chama de hiperglicemia intermediária, isto é, uma glicemia alta, mas não tanto. Aqui, as diretrizes brasileiras preferem continuar falando de pré-diabetes, uma expressão mais fácil para qualquer um entender.

Será mesmo pré-diabetes?

Encaixa-se nessa condição quem tem uma glicemia de jejum entre 100 e 125 miligramas por decilitro. Ou quem, ainda, apresenta de 5,7 a 6,4% de hemoglobina glicada.

O tal do teste de tolerância à glicose de uma hora, presente nas novas diretrizes, eventualmente acusa aquele indivíduo que, apesar da aparência que está tudo bem pelos outros exames, já tem diabetes de fato.

O exame também mostra quem, nesse grupo intermediário, corre maior risco de desenvolver a doença pra valer no futuro. "É o caso das pessoas com resultado entre 155 e 208 miligramas de glicose por decilitro", informa a médica. "Aí, precisamos ser ainda mais firmes nas mudanças de estilo de vida. Nessa faixa, perder 7% do peso, se ele está alto, e fazer 150 minutos de exercício físico por semana já reduz a ameaça de desenvolver diabetes em 58%."

Outra novidade importante: rastrear o diabetes mais jovem

Isso também mudou nas novas diretrizes da SBD. "Antigamente, a recomendação para a população geral era você fazer exames para saber se tinha diabetes a partir dos 45 anos", explica a professora Melanie. "Com menos idade, só se tivesse fatores de risco."

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Agora é mais cedo: todo mundo deve ficar de olho no diabetes a partir dos 35 anos, repetindo os exames de glicemia de jejum e de hemoglobina glicada a cada ano. Isso está longe de ser exagero.

No Brasil, de acordo com o Vigitel, pelo menos cinco em cada 100 pessoas entre 35 e 44 anos têm diabetes, um porcentagem alta para descobrir essa doença apenas lá adiante. Aliás, o rastreamento também é recomendado a partir da puberdade, se há fatores de risco. Mas ninguém, de qualquer idade, deveria esperar o resultado dos exames para adotar uma alimentação caseira e equilibrada e calçar o par de tênis para se exercitar. No início, não há, talvez, melhor remédio.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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