Testosterona: o que os homens que precisam de reposição deveriam saber
Quem repete a ladainha de que as mulheres são difíceis não conhece nada da fisiologia masculina. A testosterona produzida pelos testículos é um hormônio dos mais desafiadores. Não, a testosterona não é para qualquer um.
Quero dizer, não é para qualquer médico, muito menos quem não é diplomado em Medicina, sair dizendo ao paciente se está faltando ou não, nem para qualquer homem usar. Aliás, mesmo entre os que precisam de reposição, não dá para fazê-la de qualquer jeito.
E não pense que o assunto, aqui, é aquela bomba dos que buscam por caminhos tortos um músculo trincado, castigando órgãos vitais, como coração, fígado e rins, com doses da substância muito superiores às que o organismo produziria combinadas com sabe-Deus-o-quê em "chips", pellets e outras picaretagens. Não é só isso. Tem mais.
O fato é que existem, sim, homens que precisam de testosterona. A crueldade é que muitos deles não recebem a reposição ou até fogem da ideia, apavorados com o cenário criado por quem, no outro extremo, faz uso indevido, sem indicação correta. Ou, pior, por quem adere ao uso abusivo, em doses cavalares, e só se dá conta da roubada quando surgem sequelas, muitas vezes permanentes.
Recentemente, especialistas oriundos das principais universidades do país realizaram em São Paulo um evento, o Testo 2024, para debater o tema e tentar colocar um pouco de ordem no caos atual. Dali, saiu um comunicado à sociedade cheio de referências de estudos, assinado por dez respeitáveis nomes da Urologia e da Medicina Sexual. Procurei dois deles para desfazer alguns nós cegos de tanta confusão. Vamos lá, rapazes.
Idade ou balança?
Há uma crença de que, com o passar do tempo, todo homem acabará precisando de testosterona. Por causa disso, pacientes beirando a maturidade ouvem que deveriam fazer uma reposição para manter o vigor físico e mental de sempre.
Alguns falam que, a partir de certo ponto, esse hormônio cai uns 4% ao ano. Embora esse número mágico viva sendo citado, muita calma nessa hora! "Não é isso o que vemos na prática", assegura o urologista José de Bessa Junior, professor da UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana), na Bahia, que talvez tenha o maior grupo de pacientes acompanhados no país para checar essa história."A prevalência de testosterona baixa é exatamente a mesma entre homens de 40, 50, 60, 70 anos", ele garante. "A idade parece ter um papel secundário no surgimento do problema."
"Se você compara homens saudáveis de faixas etárias diferentes, percebe que a queda com a idade, se existe, é muito suave", confirma o urologista Bruno Chiesa Nascimento, do Grupo de Medicina Sexual e Andrologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).
O que faz o hormônio masculino descer ladeira abaixo são as doenças crônicas, isso sim. A obesidade principalmente, além de outros males que andam junto com o excesso de gordura corporal, como o diabetes e a hipertensão. Provavelmente por causarem um estado inflamatório que termina afetando a linha de produção hormonal.
"A obesidade é tão importante que jovens de 20 e poucos anos que estão muito acima do peso costumam ter níveis de testosterona bem inferiores aos de homens mais velhos e saudáveis", conta o professor Bessa. Portando, é a presença de doenças crônicas ou não, muito mais do que a idade do homem, que conta para começar uma conversa sobre falta de testosterona nos consultórios.
Cansaço, desinteresse por sexo, depressão, dificuldade para dormir
Os sintomas de falta de testosterona costumam ser vagos. Mas, claro, se o paciente vem com uma queixa dessas, o médico deve pedir a dosagem do hormônio. "Frequentemente, porém, ela vai dar normal", observa o doutor Bruno Nascimento.
Isso porque a falta de testosterona não costuma ser a causa mais comum desses sintomas. "Nem a reposição seria a solução mais necessária. No fundo, a dosagem termina sendo inútil para a maior parte dos pacientes." No entanto, ela é muito útil para gente de má fé. Ora, eu pergunto: quem não anda cansado, indisposto e se sente diferente de quando era jovem? Se um homem reclamar por aí que já não é mais o mesmo de quando tinha seus 16, ele se arriscará a ganhar uma prescrição de testosterona como promessa de solução.
"Por outro lado, já vi pacientes que, repondo esse hormônio, deixaram de usar antidepressivos", reconhece Bruno Nascimento. "Isso porque tinham uma deficiência hormonal não diagnosticada que foi erroneamente tida como depressão". Ele também já viu o inverso: homens deprimidos tratados com hormônio quando deveriam procurar um psiquiatra para cuidar desse transtorno com remédios adequados. A saída para saber se é um caso ou se é outro termina sendo uma só: dosar a testosterona.
Fazer dosagens no sangue é essencial
Dosagens, assim no plural. Devem ser duas antes de alguém iniciar uma reposição. Não há sociedade médica, estudo, nem profissional de saúde sério que sugira dar testosterona pulando essa etapa. "As consequências da reposição hormonal são tão importantes que não dá para começar o tratamento restando com a menor sombra de dúvida", justifica o professor Bessa.
A maneira ideal de aferir a quantidade do hormônio total na corrente sanguínea seria por meio de uma tecnologista chamada espectrografia de massa. Mas, além de cara, ela é praticamente indisponível no Brasil. Aqui, os exames costumam ser realizados com outro método, o da quimioluminescência, em que uma reação química com as moléculas do hormônio provocam emissão de luz. O problema é que o resultado pode variar um pouco para mais, um pouco mais menos.
Para complicar, diversas situações — de infecções como a covid-19 a cirurgias — provocam uma flutuação temporária da testosterona. Por tudo isso, se o laudo informa que sua dosagem está baixa, vale repetir o exame de sangue para confirmar se é isso mesmo. Até porque a reposição, uma vez iniciada, deverá ser feita pela vida inteira. Testosterona não é shot para, de vez em quando, dar aquele gás. O sujeito desavisado e sem deficiência real cai no meio de uma bola de neve.
Os testículos atrofiam
O organismo humano não gosta de trabalhar à toa. Quando a testosterona já chega prontinha, ele deixa de enviar o sinal que estimularia os testículos, guardados no saco escrotal. E, então, é como se eles se desligassem. Acabam encolhendo por falta de função.
"Em pacientes que usam testosterona sem indicação por poucos meses, às vezes os testículos até voltam a funcionar, mas não nos níveis de antes", observa o doutor Nascimento. "Em outros, eles nunca religam." De um jeito de outro, a reposição que antes era desnecessária tende a se tornar necessária. Para sempre.
Em homens com uma deficiência hormonal comprovada acontece a mesma coisa. Mas a aposentadoria de testículos que, afinal de contas, já deixavam a desejar não será obstáculo perto do ganho de saúde e qualidade de vida. A não ser que a paternidade faça parte dos planos.
Quando há vontade de ter filhos
Além de produzir a testosterona, lembre-se que o testículo é responsável pelo esperma. Daí que, mesmo quando o homem apresenta de fato uma deficiência hormonal, se ele pretende ter filhos, a reposição não é uma boa pedida.
Sobram, então, duas alternativas. Uma delas é o hormônio HCG. Agindo diretamente no testículo, ele se liga ao receptor de outro hormônio, o LH, que seria aquele sinal para a testosterona ser produzida. Espera-se que, ao mimetizá-lo, o HCG sirva de incentivo para o próprio testículo liberar doses complementares da substância.
Outra estratégia é um medicamento que torna o organismo ligeiramente insensível à presença do hormônio na circulação e, com isso, ele continua enviando sinais para os testículos produzi-lo. Mas, claro, nada disso funciona se eles já estão falidos.
Dar um jeito para preservar a função testicular ou, ainda, a eventual ideia de congelar esperma, tudo isso deve ficar bem explicado — inclusive para os homens mais velhos e para os homossexuais que, hoje, muitas vezes querem filhos biológicos de barriga de aluguel.
Câncer de próstata
"A reposição não gera esse tumor. Mas é fundamental pedir exames para excluir sua existência antes de iniciá-la", avisa o doutor Nascimento. Digamos que o hormônio masculino é feito um alimento, servindo de combustível para um câncer de próstata que já existia crescer. E isso é algo que ninguém quer.
Ajustes na dose
A reposição sempre pode precisar de ajustes para não ficar aquém, nem exagerar, o que só — de novo! — exames de sangue podem mostrar. O intervalo para refazê-los vai depender do método — se é gel, injeção intramuscular cujo efeito dura duas semanas ou se é a versão com ação prolongada de até três meses.
"O gel não pode ser prescrito se há uma bebê em casa, porque há o risco de transferência para o pequeno", aproveita para alertar o doutor Nascimento.
Homens e amebas
Certa vez, o urologista ouviu o seguinte: "Se você der testosterona em doses maiores que a fisiológica para uma ameba, até ela vai se sentir bem".
Quem usa testosterona além da conta sente a musculatura crescer, a libido ficar a mil, a disposição no dia a dia ir para as alturas também. Mas nem é necessário interromper o tratamento para essa alegria toda acabar. "Se não havia falta de testosterona antes, esse efeito some durante a vigência do tratamento, depois de poucos meses", diz o professor Bessa.
O que parecia tão bom dura pouco. Ou melhor, quanto mais alto, maior o tombo — para os testículos e para a saúde como um todo. Reposição sem indicação ou mal feita condena qualquer homem a virar um bagaço.
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