Lúcia Helena

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Opinião

Esqueça a tireoide: os hormônios que de fato ajudam a tratar a obesidade

Nem faz tanto tempo assim, havia gente com sobrepeso ou obesidade que saía logo contando sobre seus supostos problemas de tireoide — ou porque acreditava nisso ou porque queria simplesmente evitar a impressão de falta de força de vontade para malhar e fechar a boca, preferindo jogar toda a culpa pelos quilos a mais na glândula situada na altura do pescoço. Hoje já não é assim.

Ainda bem, há maior clareza de que ninguém é culpado por ter uma doença complexa como a obesidade para ter de correr atrás de um álibi. Sem contar que esse álibi, especificamente, poderia ser fajuto.

"De fato, os hormônios tireoidianos fazem o nosso corpo gastar energia. Tanto que o indivíduo com hipertireoidismo, um excesso de função nessa glândula, acaba emagrecendo", nota o endocrinologista Mário Saad, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), no interior paulista. "No entanto, só uma pequeníssima parcela dos que estão acima do peso tem realmente o oposto disso, que seria o hipotireoidismo."

Também não seria o caso de dar hormônios tireoidianos feito remédio para qualquer um que quisesse ver o ponteiro da balança baixar, como se preconizou no passado. Isso fazia a pessoa perder peso às custas da diminuição da massa muscular, o que não era nada bom. "Mais grave ainda: o uso desses hormônios sem necessidade poderia aumentar demais a frequência cardíaca e causar lesão no coração", acrescenta o professor Saad.

Não que os hormônios da tireoide sejam página virada na busca da Medicina por medicamentos contra a obesidade. Nada disso! Existem estudos bem iniciais com versões de suas moléculas incapazes de se ligarem a receptores no coração. Seria como se pudessem se desviar dele.

Mas, enquanto essa ideia não avança, os nomes que mais vêm à boca dos cientistas na hora de falar de tratamento da obesidade são outros. "Há alguns hormônios, velhos conhecidos, que revelam ter uma ação bem diferente daquela que a gente imaginava", diz o endocrinologista, que coordenou uma sessão sobre esse tema no recente ICO 2024, o Congresso Internacional de Obesidade, realizado no final do mês passado em São Paulo. Por exemplo: você já ouviu falar em amilina?

Amilina: o hormônio que ressurge das cinzas

Foi assim que o endocrinologista Rodrigo de Oliveira Moreira descreveu a substância, ao apresentá-la na tal sessão do ICO 2024. Segundo o professor do Centro Universitário de Valença e médico do IEDE (Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia do Rio de Janeiro), ela é produzida pela mesma célula beta do pâncreas que faz a insulina, só que em uma proporção muito, mas muito menor.

A questão é que, com seu formato de "U", a amilina às vezes se enrosca nela mesma e forma uns aglomerados que podem se depositar pelo pâncreas. "Encontramos vários desses depósitos em quem tem diabetes tipo 2", explica o professor Mario Saad. "Por isso, durante anos e anos entendemos que a amilina era simplesmente um produto que lesionava o pâncreas e pronto. Mas é aquela história: não é por encontrar alguém no local do crime que essa pessoa é a criminosa. E a amilina vem sendo mais compreendida."

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Secretada pelo organismo sempre que você faz uma refeição, assim como a insulina, ela retarda o esvaziamento do estômago, ajudando naquela percepção de que a barriga já está cheia. Para completar, vai agir lá no cérebro. O endereço exato é o hipotálamo, onde reduz sinais que geram o apetite hedônico, aquele não está relacionado à sensação de fome pra valer, mas ao puro desejo de prazer, que faz uma caixa de bombom parecer irresistível mesmo que você tenha acabado de devorar uma feijoada.

"O curioso é que o próprio hipotálamo produz amilina, indicando que ela é um neurotransmissor também", conta o professor Rodrigo Moreira. "Falta entender direito por que o cérebro faria isso."

Mas, quando o endocrinologista definiu a substância como uma fênix, foi porque, há quase vinte anos, criaram um análogo dela tratar o diabetes, o pramlitide. Um análogo é uma molécula muito parecida, talvez com uma pequena mudança na estrutura apenas. Mas os estudos mostraram que esse remédio, injetável, levava a uma perda de peso de 2 quilos depois 26 semanas, o que não deixou ninguém muito entusiasmado. Então, como tratamento para a obesidade, a amilina parecia morrer ali.

Agora, porém, a ciência investiga um outro análogo, a cagrilintida, que vem se mostrando capaz de levar à diminuição 8% do peso inicial. E, como age em receptores diferentes da semaglutida — princípio ativo do do Ozempic e do Wegovy —, uma possibilidade é somar forças. A associação das duas moléculas em um mesmo remédio, apontam os estudos, proporciona a perda de até 15% do peso.

Um detalhe nada desprezível é que amilina também mexe positivamente com outro hormônio que anda cada vez mais envolvido no tratamento da obesidade: o glucagon.

Glucagon: a substância que mudou de lado

"Nos últimos cinquenta anos, todo aluno de Medicina aprendeu que o glucagon estava envolvido com o aparecimento do diabetes tipo 2: faltava insulina, enquanto ele aumentava", conta o professor Mário Saad.

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Também produzido pelo pâncreas, só que pelas células alfa, o glucagon é por natureza um hormônio do jejum, que comunica ao fígado quando é preciso liberar sua reserva de glicose para esse açúcar não despencar no sangue entre o almoço e o jantar, por exemplo. Acontece que, logo depois da refeição, o normal seria ele desaparecer, já que não teria mais a menor serventia.

No entanto, não é isso o que se vê em pessoas com diabetes tipo 2: nelas, após o indivíduo esvaziar um prato de comida, o glucagon não cai ou cai muito pouco, deixando a glicose ainda mais alta no sangue. Daí que, no contexto dessa doença — e da obesidade, que costuma andar de mãos dadas com ela —, o glucagon era visto como uma molécula que atrapalhava as coisas de vez.

"Só que ele tem outras ações e elas não eram tão destacadas", diz o professor Saad, que lista: "O glucagon é capaz de frear a ingestão alimentar, dando até um pouco de náusea. Também favorece a quebra do tecido adiposo e aumenta um pouco o gasto energético do organismo ao agir no sistema nervoso central."

Mas qual a lógica de tratar a obesidade com uma substância que, afinal de contas, é capaz de elevar a glicemia? "Esse aumento não é tão marcante", assegura o professor. "Por essa razão, há quem esteja testando um agonista do glucagon e também sua combinação com agonistas de outros hormônios para tratar o ganho excessivo de peso."

GLP-1: a ponte entre obesidade e problemas no coração

Basta a comida alcançar o íleo, isto é, a parte final do intestino delgado, que ele já começa a secretar esse hormônio. "Só que sua molécula sumia tão depressa da circulação que ninguém botava fé que pudesse ter maior importância", relembra o professor Mário Saad. "Achávamos que seu único papel era avisar o pâncreas para liberar insulina, já que logo mais haveria a glicose da refeição no sangue para ele botar para dentro das células."

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A surpresa dos últimos anos foi descobrir que o GLP-1 diminui a velocidade com que o estômago se esvazia, provocando uma baita saciedade. Aliás, surpresa maior ainda — e mais recente — foi saber que ele também protege o coração.

Não pense que o GLP-1 reduz o risco de infarto e AVC só por causa da perda de peso."Tudo indica que, paralelamente, há uma ação independente no cérebro", diz o professor Saad. "O GLP-1 se encaixa em receptores das terminações dos neurônios e, com isso, desce uma mensagem pelos nervos até o baço e outros órgãos, modulando as células de defesa envolvidas em inflamações."

O endocrinologista lembra que a temida aterosclerose — popularmente, a placa nas artérias — é antes de mais nada uma doença inflamatória. "E não se trata de uma inflamação simples", observa. "Tanto que já foram testadas diversas drogas anti-inflamatórias para evitar problemas nos vasos e o resultado delas não foi brilhante." Já o GLP-1 reduziu problemas cardíacos graves e morte por doença cardiovascular em 20%. Para algumas pessoas, isso seria uma vantagem até maior que ver o ponteiro da balança descer.

GIP: um coadjuvante capaz de fazer diferença

Trata-se de mais um hormônio produzido pelo intestino, só que na porção conhecida por duodeno, que também sinaliza ao pâncreas que é hora de liberar insulina. "Não sabemos exatamente como ele age na perda de peso", disse o médico italiano Franco Folli, professor da Universidade de Milão, durante sua aula no ICO 2024. "Notamos que diminui a ingestão de alimentos, mas ainda não compreendemos por quais mecanismos."

A aposta, por enquanto, é combinar o agonista do GIP com o do GLP-1, como na tirzepatida. Isso, já é notório, promoveria perdas de peso ainda maiores em relação a quando o GLP-1 é injetado sozinho. Mas não se tem notícia se a dobradinha teria as mesmas vantagens para o coração que as do GLP-1 em voo solo.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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