Lúcia Helena

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Reportagem

Fisioterapia pélvica evita incontinência e disfunção sexual após o câncer

O assoalho pélvico é peça-chave na anatomia humana. Basta lembrar tudo o que o seu tronco guarda: bexiga, intestino, estômago, o útero das mulheres ou a próstata dos homens e outros tantos órgãos, nada disso veio com pregos. Se não despencam cedendo à implacável lei da gravidade é, em boa parte, porque existe essa rede de segurança entre os ossos da bacia, formada por três camadas de músculos discretos, mas que mereceriam a atenção que a gente dá ao bíceps na academia.

Ora, a musculatura pélvica, de quebra, ajuda a estabilizar a coluna e é acionada sempre que você vai ao banheiro, seja para fazer o "número 1" ou o "número 2". Participa, ainda, da função sexual e, no organismo feminino, suporta um bebê que não para de crescer e a trabalheira do parto.

Por isso mesmo, de largada a mulherada tende a ter mais problemas nesse pedaço. Além da eventual carga extra de uma gravidez sobre a pelve, há a diminuição do colágeno acirrada pela menopausa, deixando essa musculatura frouxa, o que favorece um escape de urina na hora do espirro, da ginástica ou de uma bela gargalhada.

Mas, na opinião da fisioterapeuta Dalila Duarte, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, na capital paulista, os homens também deveriam se preocupar em reforçar essa musculatura desde sempre — "desde a juventude ou do início da vida sexual, por que não?".

Segundo ela, que se especializou em reabilitar músculos pélvicos na Santa Casa de São Paulo, é aquela velha história de a gente nunca saber do dia de amanhã. Um assoalho pélvico que já não andava tão fortalecido pode render complicações se, por infortúnio, a pessoa enfrenta um câncer. "Isso vale especialmente quando falamos em tumores de próstata ou de intestino", afirma. O risco, aí, é de incontinência urinária e fecal, respectivamente.

Fisioterapia pélvica no câncer

O tratamento de qualquer tumor exige uma boa equipe multidisciplinar. "Mas ainda é raro lembrarem do fisioterapeuta pélvico", admite Dalila Duarte, que, com sua equipe do Oswaldo Cruz, muitas vezes é chamada para avaliar o paciente no leito, quando ele mal voltou do centro cirúrgico. No Brasil, porém, não há tantos fisioterapeutas pélvicos. "E o desconhecimento de que existe essa área e de sua importância para o paciente oncológico é enorme", lamenta.

Há muitas razões para alguém que tenha passado pelo tratamento do câncer buscar a avaliação de um fisioterapeuta pélvico. Alguns quimioterápicos, por exemplo, afetam o sistema urinário e levam à incontinência, o que exercícios específicos ajudam a conter.

Já a radioterapia, quando precisa ser aplicada nessa região, pode encurtar essa musculatura e seus ligamentos, causando até mesmo dor nas relações sexuais. "A dor durante o sexo — e não só em pacientes que tiveram câncer — alivia bastante com algumas técnicas, muitas vezes ensinando os pacientes a usar equipamentos que lembram vibradores para aliviar os pontos de tensão", explica a especialista.

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Por fim, as cirurgias para a remoção de um tumor podem exigir um assoalho pélvico em forma para suportar o intervalo até o corpo, digamos, se adaptar a um vazio. É o que acontece na prostectomia.

Antes ou depois da cirurgia de próstata

Se perguntar à Dalila Duarte o que ela acha melhor, ela dirá sem titubear: "O melhor seria o homem fazer fisioterapia para fortalecer a região pélvica pelo menos um mês antes de operar o câncer de próstata. Aí, talvez, ele nem precise de mais sessões no pós-cirúrgico".

Ela conta que há dois esfíncteres — músculos em forma de anel — segurando a passagem da xixi pela uretra, o canal por onde esse líquido escoa da bexiga. Acontece que a uretra atravessa a próstata e um desses esfíncteres fica no interior dela. Daí que, mesmo que a cirurgia transcorra às mil maravilhas, pode acontecer uma incontinência urinária temporária.

A glândula masculina, bem ou mal, servia como uma espécie de apoio. E isso terá de ser compensado pela contração da musculatura do assoalho pélvico. "Quando ela é preparada antes, já chega pronta para encarar o desafio", conclui a fisioterapeuta. "De todo modo, com ou sem tumor, a fraqueza do assoalho pélvico é sempre uma das principais causas de incontinência urinária nos homens e, também, nas mulheres . Tanto que, em todas as diretrizes internacionais, a fisioterapia é a primeira linha de tratamento."

As sessões com o fisioterapeuta também aumentam a percepção dos músculos envolvidos na ereção dos homens e no próprio orgasmo. "Isso ajuda bastante na retomada da vida sexual", nota Dalila.

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O tabu da incontinência fecal

Após um tratamento de tumor de intestino, não é tão raro a pessoa perder fezes involuntariamente ou ter urgência fecal — aquela vontade o tempo todo de ir ao banheiro para fazer cocô. "Ao menos, isso é relativamente frequente em pacientes que tiveram câncer de reto ou que precisaram de colostomia", observa a fisioterapeuta, referindo-se ao procedimento em que o cirurgião faz uma abertura no abdômen para o corpo eliminar as fezes em uma bolsa, pelo menos enquanto o intestino grosso se recupera.

"Em muitos casos, a colostomia é necessária só por um tempo", explica Dalila. "Mas o esfíncter anal é um músculo e, passados uns seis meses sem uso, ele estará atrofiado e sem função." A fisioterapia entra nesse momento para deixá-lo forte outra vez e para que o paciente reconheça a contração muscular para segurar o cocô — e, aí, estamos falando do trabalho do assoalho pélvico de novo. O sucesso só fica difícil quando a incontinência já vinha acontecendo antes do câncer. "Essa é uma questão sobre a qual, infelizmente, todo mundo tem vergonha de falar, até quando vai ao médico. Ou prefere ignorar mesmo", ela repara

A incontinência fecal é, de fato, mais comum em idosos. Mas pode dar pistas bem antes da maturidade. É quando a pessoa vive encontrando uma espécie de carimbo na roupa íntima, o que os especialistas conhecem por soiling — em inglês, "sujar"—, o primeiríssimo sinal de que há perda de fezes. "Ela olha aquilo e acha que não se limpou direito. Ou, por serem episódios mais espaçados, não dá tanta bola, pensando que foi acidental", conta Dalila.

O problema é que, se nada for feito, essa incontinência fecal avançará. "O que era mancha passa a ser um pouquinho de fezes na roupa, até as perdas se tornarem maiores. Já tive um paciente que precisou voltar para casa correndo ao estacionar em um shopping porque teve de trocar a roupa", lembra Dalila.

Vale, aqui, o mesmo raciocícinio das perdas de urina: quanto antes procurar ajuda, melhor. Até porque, se por azar houver um diagnóstico de câncer adiante, isso irá se agravar de vez.

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O tempo da fisioterapia

Seja para tentar resolver casos de incontinência, fecal ou urinária, seja para melhorar a função sexual, prescrevem-se sessões semanais durante dois meses ou dois meses e meio. "É um período razoável para observarmos mudanças nos músculos", acredita Dalila.

Passado esse tempo, quando a disfunção não é resolvida, é feita outra bateria de mais dois meses e pouco. "Existem casos que se estendem a seis meses de tratamento, mas nunca mais do que isso", diz a fisioterapeuta. "Há um limite. Eu sei que, depois de seis meses, aquela musculatura alcançou o seu ganho máximo. Se, ainda assim, não deu tudo certo, o médico terá de rever o caminho, receitar remédios ou realizar outro procedimento cirúrgico."

O fundamental é tentar a fisioterapia antes. Mesmo quando ela não traz o resultado esperado sozinha, aumenta a chance do que virá depois.

Nunca faça mais que 4 minutos de exercícios pélvicos

Note que as sessões de fisioterapia pélvica são semanais. Isso porque o grande trabalho fica mesmo como lição de casa. "Em cada consulta, passamos treinos diários e as conquistas vão depender quase totalmente da disciplina de cada um", conta Dalila.

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São exercícios, com ou sem a ajuda de equipamentos fisioterápicos. O exemplo clássico é aquele que contrai e relaxa a musculatura pélvica, em intervalos e posições diferentes, como se a pessoa quisesse prender o xixi ou a urgência para evacuar.

Mas cuidado! Aqui vai um recado capaz de fazer toda a diferença: "O treinamento diário deve durar 4 minutos no máximo e ser orientado por um profissional", alerta Dalila. "Isso porque os músculos do assoalho pélvico têm mais fibras de contração lenta. Eles não precisam de muitas contrações para se desenvolverem. E se, ao contrário, a gente faz muito exercício, entram em fadiga."

Essa é uma dificuldade que ela tem com os pacientes que, ansiosos, sempre procuram fazer treinos mais longos. "Só que, uma vez fatigados, os músculos do assoalho pélvico deixam de trabalhar direito", avisa. Ou seja, o exagero é um tiro no pé. Ou um xixi que escapa.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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