Lúcia Helena

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Reportagem

O cérebro de quem vive sentado explica por que é tão fácil ser sedentário

O que a gente mais vê por aí é gente sentada, com o tal comportamento sedentário, como provavelmente você ao ler esta coluna, seu colega diante do computador na jornada de trabalho, seu filho ouvindo a professora por quatro horas na escola e pelo menos 47% dos brasileiros neste exato instante, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Isso, de cara, faz o corpo gastar menos energia do que foi biologicamente programado, sendo que as consequências dessa "economia" pesam na balança. "Mas também há muita coisa boa no comportamento sedentário", nos faz perceber Thiago Sousa Matias. Doutor em ciências do movimento humano e professor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), ele é um dos maiores estudiosos que temos na neurobiologia do exercício, com interesse especial pela motivação. Ou seja, por conhecer aquilo que nos faria abandonar o sofá.

"Será que é tão ruim maratonar uma série na cama ao lado de quem a gente ama? Ou será que é tão prejudicial se aventurar no mundo imaginário das páginas de um livro?", provoca. "Seu cérebro diria 'não, não mesmo'. Nem sempre as expectativas de saúde conversam com as expectativas dele que, no final das contas, rege o nosso comportamento."

É importante se movimentar e é importante ficar parado

Sem entender o que a neurobiologia ensina, pode soar até contraditório. Afinal, sim, você foi todo feito para se mexer. E a história, aqui, vai além daquela de sempre — a dos seus músculos pedindo força, a do seu coração bombeando sangue como se não houvesse amanhã. "Nosso sistema nervoso central também foi projetado para o movimento", diz Matias, querendo mostrar o seu ponto. "É na medida que o ser humano se movimenta que o cérebro estabelece as bases da consciência, no sentido de entender melhor aquilo que está fazendo e o mundo ao seu redor."

O cérebro do macaco, por exemplo, se desenvolveu e ganhou um córtex mais complexo — córtex é a superfície cerebral, onde habita a tal da consciência — quando ele passou a comer frutas. Ora, teve de sair em busca delas e até aprendeu a tomar decisões a partir disso. De quebra, foi acumulando novas experiências, como o sabor dos diferentes frutos e tudo o que encontrou pelo caminho.

Com a criança, pense, não é tão diferente: "Ela começa a engatinhar e dá seus primeiros passos não para ficar mais forte, mas ampliar seu conhecimento: 'e se eu alcançar aquele objeto? E se eu subir ali'", explica o professor. Ele garante: o cérebro humano tem essa urgência, ou essência, de explorador. E, para satisfazê-la, precisaria movimentar o corpo em boa parte das vezes. Aos menos, por séculos e séculos vinha sendo assim.

Outros ganhos fundamentais

Explorar o mundo, por sua vez, garante alguns bônus. A sensação de autonomia e de ser capaz seria um deles — pequena vitória celebrada pelo sistema doparminérgico cerebral, com seus neurotransmissores que geram excitação emocional. Há também a conquista de um maior conhecimento sobre si mesmo, diz a literatura científica. "Isso é tão verdadeiro que a criança, ao subir em uma árvore, muitas vezes não tem literalmente a capacidade de ouvir a advertência do adulto", nota Matias. Por que ela é travessa? Não! Porque o cérebro, na exploração ligada ao movimento, tende a ficar autocentrado. Para ele, exercitar-se não deixa de ser puro mindfulness.

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No entanto, se o cérebro seria capaz de explorar o mundo sem parar, de seu lado o corpo não consegue se manter em movimento o tempo todo, até porque precisa se assegurar de que não lhe faltará energia. Aliás, passa um terço da vida deitado, dormindo. Logo, ficar parado também faz parte da nossa natureza biológica. Como lidar, então, com duas necessidades tão básicas e aparentemente tão opostas?

O ideal, claro, seria um equilíbrio. "Mas, hoje, os comportamentos sedentários envolvem muita exploração, sendo capazes de gerar uma excitação extremamente potente naquele sistema dopaminérgico", observa o professor. Entenda: nesse contexto, ficar parado deixa de ser momento de descanso. E o cérebro explorador, mesmo sentado, se sente plenamente atendido naquela sua urgência de sair por aí.

O que o cérebro consegue sem o corpo sair do lugar

"Quando falamos em comportamento sedentário, o que primeiro vem à mente é algo que nos faz mal. Mas precisamos ser cautelosos porque isso nem sempre é verdadeiro para o cérebro", avisa o professor. "Não podemos negar que existem comportamentos sedentários capazes de dar a ele a oportunidade de descobrir coisas e ampliar sua consciência. Para ficar no exemplo da criança, talvez ela permaneça sentada brincando de Lego em vez de correr e, ainda assim, descobrindo possibilidades incríveis."

Explorar, diga-se, não é a única necessidade urgente que o cérebro busca atender, mesmo que você não se dê conta. Há outras três. Ele tem sede por sentir, no sentido de experimentar afetivamente as coisas. Também precisa ter a percepção de conexão — por exemplo, com outras pessoas ou com uma cultura. E, finalmente, há a urgência de transformar, que é a chance de aprender algo.

Sem mesmice

Aliás, lembra o professor Matias, homeostase é uma palavrinha bastante usada por cientistas no sentido de manter o estado, digamos, normal do organismo. "Mas, para o cérebro, manter a normalidade simplesmente nunca é uma possibilidade. Para ele, homeostase é uma eterna tentativa de obter algum progresso",ensina o professor. "Quando a gente se exercita, por exemplo, os neurônios criam conexões. E é plausível, até mesmo, que surjam novas células nervosas ", exemplifica.

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Atualmente, porém, mais do que em nenhum outro tempo, aqueles quatro elementos essenciais ao sistema nervoso central — explorar, sentir, conectar e transformar — transitam tanto pelas atividades que exigem movimento quanto pelos comportamentos sedentários. "Na sociedade moderna, basta a gente olhar para as redes sociais", diz o professor.

Nas redes do mínimo esforço

Tudo bem, poderíamos abrir um longo debate sobre até que ponto o conteúdo encontrado nas redes sociais (nos sites, nos games e em tudo mais) é capaz de nos transformar pra valer ou se o que encontramos nesse mundo contraditoriamente hiperconectado apenas nos manteria mais passivos. Até porque — atenção! — o que acontece com o corpo não é separado do que achamos ser uma função cerebral abstrata, como a cognição.

Para o cérebro, porém, a impressão de ser atendido naquelas suas quatro necessidades basta. E, daí, ele facilmente irá se sentir bem, obrigado, sem ter de ordenar o movimento de um único músculo sequer. Talvez pareça até vantajoso explorar o mundo e ganhar sinapses mantendo o bumbum na cadeira. Ora, obrigar o corpo a fazer esforço é algo que ele, também, foi biologicamente programado para evitar.

Para mexer com os neurônios

Na opinião de Thiago Matias, nesse cenário fica claro: não adianta só mandar que eu e você façamos exercício físico, alardeando as promessas de saúde desse hábito. Sinceramente? Nossos neurônios não darão ouvidos. Como seria possível, então, a gente reduzir os comportamentos sedentários?

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O professor acredita que, antes de calçar um tênis, o primeiro passo seria melhorar a qualidade desses comportamentos. "Entre eles, existem alguns que são bons, como brincar sentado com um filho, ler um livro, assistir a um bom filme", aponta. "E, sendo bem racional, não dá para pensar em uma vida em que todos os comportamentos positivos irão coexistir. Precisamos, então, escolher melhor as atividades do tempo sedentário."

Há uma dica: "Atividades que geram muito conforto e uma fortíssima sensação de recompensa imediata deveriam nos deixar alertas", ensina. Ficar horas de papo para o ar e de olho no feed alheio ilustraria esse caso. Ou viver grudado na cadeira e em joguinhos. Ou se largar no sofá só comendo alimentos hiperpalatáveis, industrializados, que despertam o desejo de um bis. Podemos pensar em vários outras.

E, se há a noção que não está legal ficar parado, procure então algo que, mais que deixar seus músculos fortes, sacie seu cérebro, vivendo algo novo. De repente, não é levantar peso — embora tonificar a musculatura seja algo pra lá de saudável. Talvez seja dançando, caminhando com os amigos, esticando o corpo em aulas de alongamento ou fazendo outra atividade física qualquer. O sistema dopaminérgico o recompensará. Até indivíduos na terceira idade costumam ganhar conexões neuronais, embora em velocidade menor, quando se mexem feito a criança que explora o parque.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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