Lúcia Helena

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Reportagem

Gripe aviária: uma nova pandemia parece estar se aproximando

Prepare-se. A ameaça é iminente. Não se trata simplesmente daquela conversa de que "na certa, teremos novas pandemias, só não sabemos quando" — uma ideia cheia de lógica, mas que soa um tanto vaga. Agora, há sinais claros de que uma nova pandemia está se aproximando pra valer.

O causador? Um influenza, como já era a aposta nos meios científicos. Mais precisamente, o H5N1, responsável por gripe aviária. E nem ouse pensar no diminutivo. Estamos falando de uma gripe que, nos 888 casos em seres humanos registrados nos últimos anos, matou 463 ou 53% dos pacientes. Mais que a metade! A maioria, trabalhadores de criações de galinha, que contraíram a doença das aves, ou gente desavisada que se atreveu a pegar em animais infectados mortos sem qualquer equipamento de proteção.

Quem desenhou direito esse cenário foi o virologista e biólogo molecular José Eduardo Levi, logo no primeiro dia da 26ª Jornada SBIm, o encontro anual da Sociedade Brasileira de Imunizações, iniciado ontem (18), reunindo mais de 3.000 participantes no Recife, em Pernambuco. O assunto voltou à tona em outras sessões do evento, mostrando que a coisa está ficando séria.

"Decididamente, não é um bom sinal o fato de, nos últimos dois ou três anos, o H5N1 ter infectado um leque amplo de espécies animais e, ainda por cima, em uma extensão geográfica considerável", comenta Levi. "Isso não é um fenômeno comum em virologia. Aliás, diria que é bem raro. Vacas, por exemplo, nunca tinham sido infectadas pelo H5N1. Mas pegaram esse vírus."

Pesquisador do Instituto de Medicina Tropical da USP (Universidade de São Paulo) e superintendente de desenvolvimento e pesquisa da Dasa, ele sempre focou seu trabalho em doenças emergentes. "Quem atua nessa área está habituado a dimensionar riscos", diz, em um tom que entrega certa preocupação.

Ora, se o vírus está se adaptando depressa para infectar bichos tão diversos e chegando cada vez mais perto de nós, o medo é um só: o de acontecer o que os cientistas chamam de humanização. Isto é, ele conseguir dar um jeito de ser transmitido de uma pessoa para outra, o que ainda não ocorreu. Mas pode estar por um triz.

Nas asas das aves aquáticas selvagens

Elas são os hospedeiros naturais do H5N1. Ele, porém, não abala os seus voos pelo mundo. Sim, aí é que está: aves aquáticas selvagens são migratórias. "O ganso, por exemplo, pode voar por dias sem parar", conta Levi. "Vai do Hemisfério Norte para o Sul e do Hemisfério Sul para o Norte."

Assim, o vírus vai se deslocando pelos continentes. Hoje, o H5N1 — encontrado pela primeira vez em 1996, em Guangdong, a região chinesa onde fica Hong Kong — já passou de aves aquáticas selvagens para mais espécies, não só em outras partes da Ásia, como na Europa, nas Américas e na África. Foi longe.

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O problema de passar de uma espécie para outra

José Eduardo Levi conta que os influenza da gripe são bastante curiosos porque têm um genoma todo segmentado, o que não se vê tanto em outros vírus. É como se eles fossem divididos em oito blocos, feito cromossomos. E, eventualmente, um vírus troca um desses segmentos com outro influenza, de uma só vez, como quem troca uma peça grande de Lego. Pode virar, então, o jogo.

Atenção: é diferente de modificar só um pedacinho discreto do seu genoma, o que também acontece, a ponto de a gente precisar tomar uma vacina atualizada de gripe a cada doze meses, já que, por causa dessa pequena alteração, o influenza escapa da proteção conferida pelo imunizante aplicado no ano anterior.

"A troca de um segmento inteiro é outra história, por ser capaz de promover uma mudança evolutiva brusca", explica Levi. Aliás, essa foi a causa de pandemias de gripe no passado: uma mudança grande e abrupta do vírus, para a qual nossas defesas estavam completamente despreparadas.

Nos blocos que podem ser trocados, duas proteínas merecem que os cientistas fiquem de olho: a hemaglutinina, do "H" no nome desse vírus, e a neuraminidase, do "N" de sua alcunha, Pois bem, existem 18 tipos da primeira proteína e 11 tipos da segunda. "Em tese, nessas trocas, todas as combinações entre eles são possíveis. Feitas as contas, há a possibilidade de 198 formações diferentes, embora nem todas já tenham sido identificadas na natureza", conta Levi.

Isso importa porque é o resultado dessas combinações que pode fazer um vírus da gripe se tornar transmissível de uma pessoa para outra, criando plenas condições para uma pandemia. Repare que, cada vez que o H5N1 conhece uma nova espécie animal, ele tem a oportunidade de encontrar um influenza diferente e fazer um desses escambos genéticos.

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Portanto, o risco é, qualquer dia desses, fazer uma troca vantajosa ao infectar um ser humano que entrou em contato com um bicho contaminado. Ou até mesmo trocar de segmento com outro influenza depois de infectar um porco. Sim, um porco. É que os suínos podem pegar tanto os influenza que já provocam gripe na humanidade quanto os tipinhos aviários. Se um esbarrar com o outro no seu organismo, o das aves poderá ganhar a "peça" com a chave para invadir as nossas células.

O que vem acontecendo

Quando o H5N1 deu as caras na China, nos anos 1990, milhões e milhões de frangos tiveram de ser abatidos. A especulação é de que aves marinhas contaminadas tenham se aproximado do local das criações em busca de alimento. "Com isso, ocorreram trocas no genoma e o vírus passou a ser transmitido entre aves terrestres", relembra Levi.

O que se viu na China se repetiu na Europa alguns anos depois. E sempre com um caso ou outro de pessoas infectadas que trabalhavam nas avícolas. Nos últimos três anos, porém, tudo vem tomando outra proporção.

Em 2022, para dar um exemplo, 13 mil aves morreram na costa do Peru. Quase 90% da população de pelicanos do país desapareceu, devastada pelo H5N1."Na Polônia foi mais assustador", diz Levi. "Isso porque, por lá, o vírus infectou gatos domésticos." Sim, entrou para dentro de casa e matou, em julho do ano passado, dezenas de felinos. Ninguém sabe como isso pode ter acontecido. A suspeita, segundo o biólogo, é de que, talvez, tenham dado carne de frango contaminada e ligeiramente crua para os bichanos comerem. Até um urso polar do Alasca já foi encontrado com o H5N1. "Na verdade, há registros em leões, elefantes, ratos...", acrescenta Levi.

Nos Estados Unidos, foi a vez do gado, há cerca de dois meses. "O interessante é que, nas vacas, o H5N1 não provocou uma infecção respiratória e, sim, uma mastite, ou seja, uma inflamação nas glândulas mamárias. E o leite produzido por elas continha milhões e milhões de cópias do vírus", relata Levi. No momento, os cientistas americanos investigam se o consumo desse alimento ou o de seus derivados seria capaz de infectar o homem.

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No Brasil, por sua vez, um artigo que acaba de sair na revista da Fapesp confirma que a causa da morte de leões-marinhos no litoral de Santa Catarina foi a infecção por esse vírus da gripe aviária, que agora parece muito bem adaptado para ser transmitido a mamíferos — como nós.

Como se preparar para atenuar o perigo?

Desde 2023, os governos de São Paulo e do Rio de Janeiro têm planos de ação para enfrentar o influenza da gripe aviária. Está na hora de planos assim saírem do papel.

Embora uma das primeiras recomendações seja manter a vacinação contra a gripe em dia, José Eduardo Levi admite que os imunizantes contra outros tipos de influenza protegem pouco diante do H5N1. Mas, sim, não deixe de tomar a vacina — toda ajuda para o seu organismo se defender é válida.

O que se espera é que as farmacêuticas e instituições como o Butantan comecem a se preparar para produzir vacinas contra esse influenza, sem perda de tempo — algo que já começou a ser cobrado no evento em Recife.

"Além disso, existem medicamentos antivirais que ajudam a conter o avanço do quadro de gripe e os governos já deveriam estar fazendo estoque desses remédios para distribui-los, pelo menos, entre os profissionais de saúde, caso se infectem", opina Levi. "Afinal, se ocorrerem surtos, precisaremos deles para cuidar da população." Máscaras também podem se tornar, amanhã ou depois, novamente necessárias.

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Na área de diagnóstico, que é justamente aquela na qual Levi atua, seria fundamental olhar para todo indivíduo que apresentar um quadro gripal grave — sem desespero, só se for grave mesmo — e que testar negativo para os influenza que são velhos conhecidos. "O correto, então, seria descartar a possibilidade de estarem com o H5N1", justifica o biólogo.

Se alguém estiver de fato infectado pelo vírus da gripe aviária, como uma vacina não chegará da noite para o dia, ele deverá ficar isolado — bem como todo mundo com quem tiver mantido contato próximo. O único jeito para evitar uma nova pandemia é aplicar medidas de contenção, não deixando a doença espalhar. E mais uma orientação: não dá para tocar em animais encontrados mortos em ruas, praias ou matas, sem luvas, máscaras, enfim, equipamento de proteção.

A ameaça atual, como reforça José Eduardo Levi, escancara um conceito que merece respeito: o do "one health", que poderia ser traduzido como "uma só saúde" ou algo parecido. Quer dizer, não adianta focar apenas nas pessoas. É preciso prestar atenção na cadeia de alimentação, no meio ambiente, nos animais selvagens e nos domésticos. O desafio de olhar para tudo ao mesmo tempo é tremendo. Mas estamos juntos — e só conseguiremos sair de mais esta enrascada juntos também.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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