Lúcia Helena

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Reportagem

Pressão alta: tão importante quanto reduzir o sal é comer frutas e verduras

O anúncio foi há exato um mês, durante o ESC 2024, o congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia, realizado em Londres, na Inglaterra. A promessa era de que seriam apresentadas algumas boas novidades na recente edição das diretrizes dos europeus para cuidar de quem tem pressão elevada e hipertensão — "pressão elevada", para eles, seria o que chamamos de pré-hipertensão, um quadro que merece todo o cuidado também.

Como a ideia de ouvir novíssimas recomendações é sempre irresistível, os médicos foram fisgados e lotaram o auditório para conhecê-las. E novidade, novidade pra valer... Cá entre nós, isso não tinha. Os europeus, na certa, estavam comparando o documento deste ano com a publicação criada por eles em 2018. Aí, quem sabe...

Ainda assim, uma "nova" recomendação vale este texto: caprichar nas fontes de potássio nas refeições. Sendo honesta, a dica já faz parte das diretrizes brasileiras desde 2020. Mas, talvez, tenha ela passado batido na cabeça de muita gente. Se perguntar o que ajudaria a reduzir a pressão arterial na dieta de todo dia, verá dedos apontados em riste para o saleiro. No entanto, é igualmente importante olhar para a cesta de frutas e para a gaveta de legumes e verduras na geladeira.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) fala para a gente ingerir 3,5 gramas de potássio diariamente. Mas, ao anunciar as mudanças no capítulo sobre estilo de vida das diretrizes europeias, Rosa Maria Bruno — professora de farmacologia clínica da Université Paris Cité, na França, com mais de 150 publicações científicas sobre o envelhecimento dos nossos vasos — contou que, se aumentamos apenas de 0,5 a 1 grama no consumo desse mineral por dia, já podemos aguardar reduções significativas tanto da pressão sistólica quanto da diastólica.

A primeira é aquela com o valor maior, a pressão exercida pelo sangue nas paredes dos vasos no instante em que o coração se contrai para bombeá-lo com toda a força. Já a segunda, a diastólica, sempre menorzinha, é a pressão no momento em que o músculo cardíaco relaxa para se encher de sangue outra vez.

O sal de cozinha

"Continuamos reforçando a importância de as pessoas reduzirem o consumo de sódio", fez questão de esclarecer Rosa Bruno, referindo-se ao mineral presente no sal de cozinha e nos produtos ultraprocessados.

A OMS diz que o limite saudável seria de 5 gramas do condimento por dia, ou 1 colher de chá, que carregariam 2 gramas de sódio. O brasileiro, porém, não se contenta com isso: exagera nas pitadas, consumindo quase o dobro, ou 9,3 gramas.

"Quanto mais sódio alguém consome, mais a pressão aumenta", disse a cientista. "E as mulheres parecem ser mais sensíveis a esse mineral do que os homens. Quando ingerem uma comida muito salgada, a pressão delas sobe mais depressa ou com maior intensidade. Em compensação, nelas, reduções de 1,5 grama ou menos desse ingrediente já levam essa pressão a cair um pouco."

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Segundo o médico pernambucano Audes Feitosa, coordenador das Diretrizes Brasileiras de Medidas da Pressão Arterial Dentro e Fora do Consultório da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia), o principal mecanismo ligando o sódio à hipertensão é que ele faz o organismo reter líquido. "Com isso, o volume de sangue correndo dentro dos vasos aumenta e, consequentemente, a pressão da circulação sobre suas paredes também."

E onde entra o potássio?

De acordo com Rosa Bruno, independentemente de a pessoa diminuir ou não a quantidade de sal nas preparações culinárias, em tese só pelo fato de ela consumir mais fontes de potássio a pressão arterial já teria uma tendência a cair.

Mas o cardiologista Luiz Bortolotto, diretor da Unidade de Hipertensão do InCor (Instituto do Coração), em São Paulo, lembra que há apenas comprovação experimental disso. Ou seja, continuar se esbaldando em sódio e não ter problema só porque ingere fontes de potássio é algo que só foi observado em camundongos. "Para a população em geral, é mais garantido adotar uma alimentação que tenha menos sódio e que, ao mesmo tempo, ofereça mais potássio", orienta.

Segundo ele, os mecanismos que fazem o potássio levar à diminuição da pressão arterial são bastante complexos. "Eles ocorrem nos rins. No final das contas, esses órgãos acabam eliminando mais sódio", resume. Seu colega de Pernambuco, Audes Feitosa, acrescenta que há um discreto efeito de relaxamento dos vasos, o que também contribui para tirá-los do sufoco.

Será que vale trocar o sal normal por sal diet?

O que as pessoas chamam de sal dietético costuma ser uma mistura de 75% do velho cloreto de sódio do sal de cozinha convencional com 25% de cloreto de potássio. "Hoje existem, inclusive, opções com zero sódio, só à base de potássio, que têm um gosto um pouco melhor do que no passado, quando amargavam na boca", conta o professor Bortolotto.

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Os europeus ficaram de olho grande nos efeitos do potássio justamente após estudos como um que foi publicado New England Journal of Medicine há três anos. Nele, pesquisadores britânicos e chineses dividiram mais de 20 mil pessoas de 600 vilas rurais da China em dois grupos sorteados. Todos os participantes tinham hipertensão.

Durante um período de quase cinco anos, metade continuou consumindo o sal de sempre, enquanto a outra metade recebeu aquele sal com 25% de potássio na composição para preparar a comida. No final de todo esse tempo, o número de eventos cardiovasculares, como infarto e AVC (acidente vascular cerebral), além de mortes, foi significativamente menor entre aqueles que consumiram sal dietético. Por essa razão, as novas diretrizes europeias chegam a sugerir a troca como alternativa para alguns indivíduos. Atenção: isso não seria uma pedida para quem tem doença renal crônica.

Mas será que, mesmo para os outros, vale? O doutor Audes Feitosa torce um pouco o nariz. "Além de ser mais caro, o sal dietético é quase insosso", opina. "Daí que, na tentativa de sentir o sabor salgado, a pessoa acaba usando uma quantidade maior para temperar e, no final, acaba consumindo muito sódio do mesmo jeito."

O professor Bortolotto já viu trabalhos interessantes — "um deles, no Peru", menciona — em que os participantes fizeram a substituição de um sal por outro aos poucos, até o paladar se acostumar. "A troca foi feita até por merendeiras nas escolas, focando na prevenção", relembra. "Mesmo assim, o ideal é comer mais frutas e vegetais simplesmente. Até porque aumentar demais o consumo de potássio não é para qualquer um."

Exagerar no potássio também faz mal

Quem tem hipertensão — como quatro em cada dez brasileiros adultos — apresenta uma doença que, embora silenciosa, é das mais perigosas. Se não mata ela própria, nem leva a sequelas complicadas, como as de um AVC, a pressão alta termina danificando terrivelmente os rins, assim como o diabetes.

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"Se as pessoas controlassem essas duas condições, diabetes e hipertensão, a fila de transplante renal cairia para menos da metade", não se cansa de repetir o professor Bortolotto. Talvez você se pergunte: e o que isso tem a ver com o potássio? É que, quando os rins se encontram prejudicados — na tal doença renal crônica —, sua capacidade de filtrar o excesso desse mineral vai para o beleléu.

"Potássio circulando em exagero causa arritmias preocupantes e problemas até mais graves", alerta o doutor Audes Feitosa. Por essa razão, suplementar o mineral só é válido em casos muito específicos, depois de uma avaliação médica extremamente criteriosa.

"O cardiologista deverá checar como andam os rins, se eles estão eliminando pouco ou, ao contrário, muito potássio. E também precisará observar quais medicamentos a pessoa está usando", explica o professor Bortolotto. Faz sentido: diversas medicações receitadas para manter a saúde cardiovascular, inclusive para controlar a pressão arterial, são capazes de interferir na quantidade de potássio disponível no organismo. O que é seguro para todos: obter o mineral por meio de alimentação, com fartura de frutas, legumes e hortaliças.

Onde você encontra potássio

A banana leva a boa fama: 100 gramas, algo como uma fruta grande, já oferecem de 350 a 380 miligramas do mineral, quantidade quase igual à que você acha na mesma porção de beterraba. O molho de tomate surpreende ao concentrar boas doses: em 100 gramas, equivalentes a 1 concha, há até 500 miligramas. É mais ou menos o que você também obtém em um prato de espinafre. E a nossa água de coco mata a sede de potássio de qualquer um: no copo de 200 mililitros encontram-se em torno de 300 miligramas do mineral. São apenas exemplos.

Na verdade, quase todos os ingredientes de origem vegetal contribuem com pitadas potássio — até oleaginosas, como as amêndoas. Na contrapartida, embutidos e ultraprocessados de modo geral estão repletos de sódio. E, pensando na pressão sobre suas artérias, o conceito de dieta equilibrada implica em manter no prumo a gangorra entre esses dois minerais, abrindo muito mais o apetite para frutas e hortaliças. É disso que seu coração gosta.

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Nota de esclarecimento: a colunista viajou para cobrir o ESC 2024 a convite de Bayer.

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