Lúcia Helena

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Reportagem

Reprodução assistida: uma forma mais barata e com menos efeitos colaterais

E se as mulheres que desejam ter filhos por reprodução assistida pudessem sentir menos enjoo, sonolência, dores nas mamas e de cabeça? Para muitas, esses sintomas fazem parte do pacote de tratamento para a captação de seus óvulos.

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Claro, várias coisas mudaram desde o nascimento da britânica Louise Brown, que hoje já é uma mulher de seus 46 anos. Em 1978, ela se tornou capa de revistas por ser o primeiro bebê de proveta do mundo. Sua mãe passou mais de 100 ciclos menstruais tentando até que um de seus óvulos conseguisse ser fertilizado.

Hoje, mais de 10 milhões de bebês concebidos por fertilização assistida depois, as técnicas já não são as mesmas, as chances de sucesso são infinitamente maiores e os efeitos colaterais despencaram em comparação com os do passado. Ainda assim, eles existem.

Daí que a pergunta sobre como reduzi-los não sai da cabeça dos especialistas em Medicina Reprodutiva. Na América Latina, diga-se, o Brasil lidera o ranking desse tipo de tratamento: quatro em cada dez clínicas de reprodução assistida ficam por aqui. Nos últimos dez anos, elas realizaram mais de 384 mil ciclos, ou seja, por mais de 384 mil vezes, brasileiras usaram hormônios para produzir mais óvulos, procurando engravidar.

Pensando nelas, um grupo de médicos do Rio de Janeiro realizou um estudo, apostando em uma alternativa para captar óvulos prontos para receberem o espermatozoide: prescreveram o hormônio feminino progesterona na forma de gel vaginal em vez de receitá-lo como sempre vinham fazendo, em comprimidos.

"A progesterona aplicada na vagina já era indicada para mulheres com dificuldade para manter a gravidez, dando um suporte nesses casos", explica o ginecologista Roberto de Azevedo Antunes, que é responsável pelo Ambulatório de Infertilidade Conjugal do Hospital Clementino Fraga Filho da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e diretor da Fertipraxis Centro de Reprodução Humana, na capital fluminense, onde o trabalho foi conduzido.

Como foi o estudo

Trata-se do que em ciência é chamado de prova de conceito. Em outras palavras, os autores provam que algo é correto ou que pode dar muito certo — como deu — e que vale a pena ser investigado com um número bem maior de pessoas depois. Publicado no JBRA Assisted Reproduction, o Jornal Brasileiro de Reprodução Assistida, o estudo foi citado no último congresso europeu dessa área, realizado em julho, em Amsterdã, na Holanda.

Os pesquisadores selecionaram 21 pacientes entre 19 e 32 anos que tinham alguma dificuldade para se submeterem à estimulação ovariana na forma tradicional. "Eram mulheres que já tinham apresentado muitos efeitos colaterais com a progesterona por via oral ou que, para dar outro exemplo, tinham feito cirurgia bariátrica", diz o médico. É que a operação, ao modificar o trato digestório, é capaz de comprometer a absorção do hormônio e, consequentemente, frustrar o tratamento para engravidar.

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Em vez de engolirem o hormônio feminino em altas doses duas ou três vezes ao dia, as participantes consumiram, ao longo de todo o ciclo, uma única caixa de gel no valor aproximado de 50 reais, preço que chega a ser seis vezes menor que o tratamento por vial oral. As queixas de efeitos colaterais diminuíram um bocado e todas as mulheres do estudo produziram óvulos aptos a serem fertilizados — sucesso que, no caso, não tem a ver com quantidade e qualidade, mas com uma questão de ficarem prontos na hora certa.

Por que ninguém cogitou isso antes? "Porque, por via vaginal, os níveis do hormônio na circulação acabam sendo bem menores e todos achavam que não seriam o suficiente", explica o doutor Antunes. Mas estavam enganados.

Como são obtidos os óvulos

Para entender o papel da progesterona, saiba que essa fase — a de obter óvulos — tem mais de uma etapa. Na primeira delas, é preciso estimular o crescimento de muitos fóliculos, microscópicas estruturas que guardam, cada uma delas, um óvulo. "Imagine os ovários como se fossem este pote de balas à minha frente", me pede o doutor Antunes. "Encho a mão delas, mas terei de escolher uma só no final."

Na verdade, todo bebê do sexo biológico feminino já nasce com o "pote cheio", isto é, com todos os seus óvulos, que vão diminuindo com o tempo. A cada mês, em um período específico do ciclo menstrual, milhares deles entram em uma disputa por moléculas de FSH ( o hormônio folículo estimulante) e LH (o hormônio luteinizante), produzidos pela hipófise, no meio do cérebro. "Só que essa glândula secreta uma quantidade bem pequena dos dois", explica o o médico. Aí, lógico, o pega-pega hormonal fica acirrado.

Os folículos que têm mais receptores para a dupla crescem mais. Crescendo, ganham vantagem competitiva, isto é, ganham mais receptores, podendo captar ainda mais hormônio e deixando os adversários para trás. "Na reta final, a tendência é um folículo dominar completamente os outros, que vão morrendo", conta o doutor Antunes. Às vezes, até acontece um empate. Quando nascem gêmeos de óvulos diferentes é sinal de que houve dois vencedores na disputa.

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Mas, um ou dois, isso é muito pouco para os médicos realizarem uma fertilização in vitro. Para aumentar a probabilidade de pelo menos um deles ser fertilizado pelo espermatozoide, seriam necessários mais óvulos. E a sacada dos cientistas por trás do nascimento de Louise Brown na década de 1970 foi até que bastante simples. Eles deram à sua mãe remédios que simulavam a ação do LH e do FSH.

Tudo resolvido? "Que nada", responde o doutor Antunes. "No ciclo natural, quando há o pico do LH, o organismo da mulher produz mais estrógeno, hormônio que faz o folículo liberar o óvulo em seu interior." Dá para imaginar: tanto remédio imitando o LH fazia o estrógeno entrar em cena antes da hora. Ou seja, a mulher fazia todo o tratamento bonitinho, amadurecia um monte de óvulos e, no dia da fertilização, o ultrassom mostrava que eles já nem estavam mais lá. Tinham queimado a largada, liberados precocemente. Esse era o tipo de frustração que ocorria em cerca de 30% das tentativas.

Por isso, para impedir a hipófise de perceber o pico hormonal, a Medicina Reprodutiva deu alguns jeitos de inibi-la com medicações. "O problema é que, com algumas delas, os vasos liberavam bastante líquido, provocando muito inchaço. E o perigo era quando isso acontecia nos pulmões", relembra o especialista.

A alternativa que não causava o problema era cara e precisava ser aplicada em um momento muito específico para funcionar. A té que os médicos viram que poderiam usar progesterona oral para segurar a onda da hipófise, deixando os óvulos à espera da fertilização, maduros só na hora exata.

Vai substituir o hormônio por via oral?

O doutor Antunes não acredita que a progesterona por via vaginal irá acabar com a era dos comprimidos na Medicina Reprodutiva. "É uma ferramenta a mais, principalmente para aquelas mulheres muito sensíveis a efeitos colaterais, que fizeram bariátrica ou que, idealmente, deveriam receber menos hormônios porque querem congelar seus óvulos antes de iniciarem um tratamento contra o câncer", diz ele, assegurando que hoje, pela experiência de sucesso já acumulada, poderia oferecer a opção para qualquer paciente.

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Embriões congelados

Um detalhe a respeito do tratamento com progesterona é que os embriões não podem ser implantados "a fresco", usando, aqui, o termo médico, Isto é, dois ou três dias depois da fertilização. Eles precisam ser congelados, o que, com a tecnologia atual, é extremamente seguro em 99% dos casos.

Isso porque a progesterona, como o próprio nome entrega, é o hormônio pró-gravidez, que o organismo da mulher produz em grandes quantidades para sustentar a gestação. E como, quando há bebê no útero, ela não engravida, as paredes do órgão não aceitam nenhum novo embrião.

Ou seja, é preciso interromper o tratamento com o hormônio, seja por via oral ou vaginal, e esperar um ciclo menstrual normal para que o útero se torne um lugar aconchegante para o embrião recém-chegado.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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