Lúcia Helena

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Reportagem

Os cuidados para tratar um câncer em quem já passou dos 65, 70, 80 anos...

Uma ideia — esta, sim, velha — deveria ser aposentada. É a de que não haveria muito o que se fazer quando uma pessoa idosa é diagnosticada com câncer. Foi-se o tempo.

É claro que ninguém envelhece do mesmo jeito. Na terceira idade, somos o reflexo de como nos cuidamos ou deixamos de nos cuidar nas primeiras décadas de vida. E, por vezes, carregamos as marcas da falta de recursos e suporte social.

"Daí que, antes de mais nada, precisamos entender quem é aquele idoso entrando no consultório", defende a médica paraense Luciola Pontes, que hoje é líder do Centro de Cuidado em Oncologia e Hematologia do Hcor (Hospital do Coração), em São Paulo.

"A gente se acostumou a focar só no indivíduo frágil. E, de fato, se ele tem outras doenças sérias, talvez deva receber cuidados paliativos para conviver com o tumor", diz ela. "No entanto, se é alguém saudável de seus 70 ou 80 anos, que tem tudo para viver, pelo menos, mais uma década, devo lhe oferecer o melhor tratamento oncológico."

Foi ainda na faculdade, em uma aula de patologia, que Luciola ficou fascinada ao ver uma célula tumoral. Mais tarde, ela se mudou para a capital paulista para fazer residência em oncologia e, já trabalhando nessa área, passou a se interessar pela saúde dos pacientes mais velhos que, de certa maneira, a obrigavam a olhar muito além do tumor na hora de tratá-lo, reparando na teia complexa de condições de saúde, inclusive a mental, sem contar todos os aspectos sociais.

No HCor, onde está desde 2014, acabou encontrando uma população mais madura para ficar sob os seus cuidados, talvez por ser um hospital predominantemente cardiológico. E, lá, ajudou a criar um programa de oncogeriatria, que funciona há dois anos.

Para cuidar do câncer dos mais velhos

"A oncogeriatria não é uma especialidade médica", esclarece a doutora Luciola, repetindo a lição que deu em sua aula no XXV Congresso da SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica) na semana passada. "Assim como existem oncologistas que focam no câncer de mama, há aqueles que preferem tratar idosos", compara ela.

Essa área de interesse nasceu na Europa, onde a população vem envelhecendo de longa data e se preparou para isso — o que incluiu encarar o câncer em idade avançada. No Velho Continente, surgiu até mesmo a Sociedade Internacional de Oncogeriatra no ano 2000, na França, da qual Luciola Pontes é a representante do Brasil.

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Mas, diante de um paciente com 65, 70, 80 anos ou mais, que fatores fariam a oncologista modificar seus planos para tratar determinado tumor? No congresso da SBOC, a doutora Luciola mostrou um estudo canadense que levantou quais questões comuns em idosos seriam capazes de impactar no tratamento oncológico. E fez questão de destacar três delas.

Cormobidades: quando câncer compete com outras doenças

"Não consideramos apenas quais doenças o paciente já apresentava antes de descobrir o câncer, mas quantas. Sim, a quantidade faz diferença e a gravidade delas também", afirma a doutora Luciola.

Um idoso com hipertensão, por exemplo. É importante saber se ele toma um único remédio ou se precisa de três medicamentos para controlar sua pressão arterial. E, claro, acende-se a luz amarela se ele já infartou por causa disso. O mesmo vale para os rins prejudicados por um diabetes que passou anos descontrolado.

"São doenças que competem com o tumor no risco de mortalidade. Às vezes, diante de um quadro de insuficiência cardíaca, o câncer passa a ser um problema menor", exemplifica a oncologista. Ou seja, o coração é capaz de matar primeiro.

Por isso, todo idoso que vai iniciar uma terapia contra um tumor não pode se afastar do seu clínico ou do seu cardiologista. É para manter por perto, dialogando com o oncologista, aquele médico capaz de controlar outras condições de saúde. "Até porque o próprio tratamento do câncer pode complicá-las", justifica a doutora Luciola.

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Cognição: se ela falha, a toxicidade do tratamento aumenta

É comum a pessoa chegar no consultório do oncologista e relatar que tem pressão alta, colesterol elevado, dor de estômago... Mas as falhas de memória não costumam ser mencionadas, nem pelos parentes. "Se confiamos só nessa conversa, podemos perder muita coisa", nota a doutora Luciola.

A cognição sempre precisa ser avaliada por um geriatra, aplicando questionários validados. "Sem isso, imagine se eu não perceber um comprometimento cognitivo leve naquele papo de vinte minutos! A pessoa sairá com a prescrição de um quimioterápico oral que, detalhe, talvez seja o décimo-quinto remédio na lista do que precisa tomar. Será, então, que ela realmente entende quando é para engolir o comprimido, se antes ou após as refeições? E será que vai se lembrar que o medicamento pode dar diarreia e o que fazer caso isso aconteça?"

O déficit cognitivo pode fazer o idoso tomar o quimioterápico com uma frequência maior, aumentando seus efeitos tóxicos. Ou, ao contrário, ele pode se esquecer do remédio de vez em quando. "Não quer dizer que ele não deva se submeter ao tratamento, mas ele precisará de alguém ao lado, organizando o seu dia a dia", observa a doutora.

Quedas: elas merecem atenção

O oncogeriatra também não se esquiva da seguinte pergunta: você caiu nos últimos seis meses? Tombos nunca são normais, só porque alguém tem idade. Podem indicar problemas de equilíbrio, uma inadequação da casa — que deverá ser adaptada, porque ninguém merece se quebrar enquanto trata um câncer — ou, quem sabe, uma sarcopenia.

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A sarcopenia é uma perda considerável de massa muscular — e, acredite, é bom ter músculos para enfrentar o câncer. Isso melhora demais o prognóstico. "Nessas horas, vou precisar do fisioterapeuta para passar exercícios de fortalecimento e da nutricionista, para orientar uma dieta que ajude a preservar a musculatura", diz a médica, escancarando a necessidade de juntar diversos profissionais de saúde.

Afinal, o que um oncogeriatra busca?

"Evidente que eu quero que meu paciente viva mais", responde a doutora Luciola. "Mas busco, na mesmíssima proporção, sua qualidade de vida." Entre outras, isso quer dizer sobrevida livre do hospital. "Até que ponto um tratamento que curou o câncer, mas que deixou o idoso a maior parte do tempo hospitalizado, lhe fez realmente bem?", questiona a médica.

O oncologista tradicional veste sua armadura com os olhos vidrados em combater o câncer. Já o oncogeriatra, logo de cara, sempre lembra que irá curar algumas pessoas e outras, não. "E tem a enorme responsabilidade de prever como será a sobrevida daquele idoso, talvez mais do que pensar em quantos anos de vida ele ganhará", acrescenta a médica.

E qual idoso vai se curar do câncer?

Para curar o câncer, a pessoa precisa, primeiro, descobrir que tem a doença. Simples assim. E descobrir o quanto antes! "Existem tumores que dificilmente são flagrados no início, é verdade. Mas outros são rastreáveis, como os de mama, próstata, intestino, pulmão e colo de útero, que, por sorte, são os mais comuns, inclusive entre pessoas na terceira idade", lista a doutora Luciola.

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O idoso que for diagnosticado cedo com um deles provavelmente será curado. Suas chances têm muito mais a ver com a precocidade do diagnóstico do que com a idade — com exceção daqueles que já tinham doenças graves.

A realidade, porém, é desafiadora. Veja o câncer de mama, por exemplo. No SUS (Sistema Único de Saúde), a mamografia é preconizada só até os 65 anos. Já as sociedades médicas brasileiras e internacionais recomendam que esse exame seja feito anualmente até, pelo menos, os 75 anos. E se, nessa idade, a mulher ainda tiver pelo menos oito anos pela frente de expectativa de vida, de acordo com a avaliação de seu estado de saúde geral, ela continuará saindo de consultas periódicas com a prescrição de repetir a mamografia.

Só que, na prática, infelizmente, às vezes nem mesmo o médico pede exames de rastreamento desse e de outros tumores para pacientes com idade avançada, como se de nada adiantassem. É um engano terrível.

"Há vários estudos grandes comparando o efeito de opções terapêuticas contra o câncer em jovens e idosos. E os resultados, ao contrário do que muitos imaginam, são equivalentes", assegura a doutora Luciola.

Tratar o câncer, portanto, não tem idade. O paciente mais velho só precisa ser mais monitorado e, para isso, encontrar um serviço que consiga enxergá-lo com toda a complexidade presenteada pelo tempo vivido.

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