Lúcia Helena

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Reportagem

Por que estatinas continuam insubstituíveis para baixar o colesterol

Há um cálculo estimando que, pela atual velocidade das publicações científicas, a cada 73 dias o conhecimento médico dobra. Não sei se há exagero nisso, mas dá para ver que os avanços acontecem em ritmo alucinante.

Mesmo assim, uma coisa não mudou nas últimas três décadas: as estatinas continuam sendo remédios insubstituíveis para baixar os níveis de colesterol. E não por falta de opções terapêuticas de uns tempos para cá. Mas porque são seguras, acessíveis e aparentemente imbatíveis na prevenção de infartos.

Anteontem (dia 19), a revista The Lancet soltou uma revisão escrita por cientistas de diferentes países. Entre eles, o respeitado cardiologista brasileiro Raul Dias dos Santos, pesquisador do Hospital Israelita Albert Einstein e professor da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).

O texto revisita o impacto das drogas para baixar o colesterol e outras gorduras no sangue porque, em um mês de novembro como este, há exatos trinta anos, foram divulgados os resultados do 4S. E esse trabalho mudou muita coisa ou melhor...: "Mudou a forma como a gente previne doença coronariana", explica Raul Dias dos Santos.

As quatro letras "S" são de Scandinavian Simvastatin Survival Study, o estudo em que um cardiologista norueguês mostrou, pela primeira vez, que baixar o colesterol receitando uma estatina — que, no caso, era a tal da sinvastatina — reduzia as placas nos vasos, a temida aterosclerose.

Nele, foram acompanhados mais de 4.000 pacientes que tinham 5% de risco anual de morrer por conta de um infarto. Imagine se, todo ano, você tivesse de entrar em uma sala com 100 pessoas e ouvisse que cinco não saíram dali vivas. Aterrorizante, não? É mais ou menos isso quando se tem, em média, 188 miligramas de LDL por decilitro de sangue, como os participantes do 4S. Lembrando que LDL é aquele mais conhecido como colesterol ruim.

O fato é que, então, ficou claro que o remédio cortava em 32% os níveis dessa molécula bandida. "E, com isso — eis a questão —, ele diminuía em 34% os eventos provocados por coronárias entupidas", acrescenta o cardiologista.

De quebra, a droga reduzia em quase um terço a mortalidade por todas as causas — ou seja, não só por infarto. Até porque, a estatina também provou que evitava o acidente vascular cerebral isquêmico, provocado por um vasinho obstruído. Parece meio óbvio agora, mas naquele tempo não se tinha tanta clareza da relação entre colesterol e AVCs.

Hoje existem, pelo menos, cinco drogas dessa classe de medicamentos que são muito usadas. Aliás, estão entre os remédios mais prescritos em todo o planeta. Só que, para matar a gente de tristeza — ou de infarto mesmo —, as estatinas continuam sendo um dos alvos preferenciais de fake news. E isso faz muita gente, amedrontada, deixar de engolir a medicação, enquanto, a cada 90 segundos, uma pessoa é fulminada pelo infarto só no nosso país.

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Como a estatina derruba o LDL

O colesterol é uma gordura essencial para o organismo, tanto que integra a membrana das células. Também forra os neurônios, favorecendo a transmissão de seus impulsos, e serve de matéria-prima para que os ovários, os testículos e as supra-renais fabriquem seus hormônios.

Por essa importância toda, a natureza resolveu não se arriscar, garantindo certa autonomia: cerca de 70% do colesterol que corre em nossos vasos não vêm da alimentação. São de fabricação própria.

É nesse ponto que o remédio atua. "A produção do colesterol acontece por meio de uma sucessão de reações no fígado e a estatina entra ali como uma intrusa na linha de montagem", descreve Dias dos Santos. O processo, então, emperra. E o produto final — o colesterol — não aparece.

Quanto menos, melhor

Na circulação, por sua vez, o colesterol é transportado por uma lipoproteína de baixa densidade — daí que vem a sigla LDL, em inglês. Seu problema é que sempre derruba uma parte da carga pelo trajeto. Mas, sem tanto colesterol, o organismo também restringe a produção desse veículo. Resultado: os níveis de LDL despencam.

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O estudo 4S, cujos 30 anos são celebrados, abriu o caminho para uma série de outros trabalhos que levaram os cardiologistas a recomendar níveis cada vez menores de LDL. Se a estatina, lá atrás, conseguiu a proeza de diminuí-los em 30%, hoje as diretrizes falam que, diante de alguém com alto risco cardiovascular, a brincadeira começa cortando suas taxas de LDL pela metade. E, sim, de lá pra cá as estatinas se tornaram bem mais potentes.

"Existem pesquisas em que as pessoas ficaram com níveis de 30, 40 miligramas, na verdade, até com praticamente zero de LDL no sangue e passando bem", conta Dias dos Santos. "Antes, havia o mito de que os homens acabariam sem testosterona se baixássemos demais o colesterol. Mas a redução radical não afetou em nada o hormônio masculino. Vimos que testículos e outras glândulas que usam o colesterol como matéria-prima conseguem sintetizar uma quantidade suficiente para a secreção hormonal.".

A revisão publicada anteontem ainda mostrou o seguinte: "Os pacientes que usaram estatinas em grandes estudos, como o próprio 4S, foram acompanhados por dez anos ou mais. E o que a gente notou foi que, na medida em que o tratamento ia se prolongando, os benefícios aumentavam também." Ou seja, o tempo usando estatinas pode fazer uma diferença muito positiva.

Quem fala mal diz que...

...estatinas causam dores musculares, como se a pessoa tivesse treinado na academia na véspera. Para alguns, pode até ser. Mas miopatia grave, capaz de deixar o sujeito travado, ocorre em um indivíduo a cada 100 mil tratados com essas drogas. Hepatite? Apenas um caso em cada 40 mil.

"Também falam que as estatinas fazem a pessoa desenvolver diabetes", lembra Dias dos Santos. "Existe realmente um risco pequeno, que é de 1%. Mas em quem? Em quem já tinha pré-diabetes. E, como essa condição gera um risco cardiovascular alto, o benefício de tomar o remédio para baixar o LDL acaba sendo maior do que a possibilidade de ter diabetes."

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Algo parecido — mas em proporção bem inferior — acontece com a ameaça de sangramentos no cérebro. A revisão aponta que ela cresce ínfimo 0,01%. E, mesmo assim, só entre quem já sofreu um AVC hemorrágico antes.

Já o papo de as estatinas levarem ao Alzheimer é pura balela. Ao contrário, podemos aguardar estudos revelando que níveis baixos de LDL ajudam a nos proteger dessa doença neurodegenerativa. Eles estão em andamento.

Se usar estatina é tão bom, por que a gente ainda infarta?

"Porque, além do tabagismo e da alimentação cheia de ultraprocessados jogando contra o coração, existem outras gorduras em circulação que aumentam esse perigo", responde o doutor. Ele se refere, principalmente, aos triglicérides elevados, a uma molécula que está dando no que falar — a Lp(a), que os médicos leem Lp "azinho" para não confundir com outra substância — e os níveis baixos de HDL.

O HDL, sigla para lipoproteína de alta densidade, é outra história que chama a atenção na tal revisão científica. Ele faz o inverso do LDL: feito um caminhão de lixo, sai catando o colesterol derramado nos vasos para devolvê-lo ao fígado, onde é reciclado.

"Níveis de HDL abaixo de 40 miligramas por decilitro de sangue realmente elevam a ameaça de infarto", confirma o cardiologista. "No entanto, os estudos com medicações criadas para aumentar o HDL não interferiram nesse risco. Ao contrário, para a nossa surpresa, taxas extremamente altas de HDL, obtidas com essas drogas, até aumentaram a probabilidade de doença coronariana."

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Colesterol versus hipertensão

Há quem diga que, de longe, o principal fator por trás da doença cardiovascular seja a pressão nas alturas. "Verdade", reconhece Dias dos Santos. "Mas, aí, estamos falando também de AVC, de doença arterial periférica e de todo um pacote de problemas. Já se você olha só para o infarto, a hipertensão conta bem menos e baixar o colesterol é que faz total diferença."

Para isso, as estatinas não estão mais sozinhas. O médico costuma prescrevê-las ao lado do ezetimiba, por exemplo. Enquanto as primeiras atrapalham a produção do colesterol, esse outro medicamento impede sua reabsorção, ou seja, sua reciclagem. Juntos, podem somar esforços quando as taxas ideais não são alcançadas — e, hoje, a meta de colesterol varia conforme o risco de cada um, considerando histórico familiar de problemas cardíacos e outros perrengues.

A revisão que saiu em The Lancet fala, ainda, de anticorpos monoclonais, da perspectiva de edição gênica — "logo devem sair os primeiros resultados disso", antecipa Dias dos Santos — e até de vacina contra colesterol. Mas o pesquisador acredita que as balzaquianas estatinas continuarão firmes e fortes. "Depois de trinta anos, sabemos tudo o que podem fazer. De bom, principalmente", declara, do fundo do coração.

Reportagem

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