Lúcia Helena

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Opinião

O que o câncer de próstata tem a ver com o coração? Muita coisa!

"O que é bom para o coração é bom para a próstata", gosta de repetir o médico Carlos Dzik, líder de oncologia geniturinária da Dasa e oncologista do Hospital Nove de Julho, em São Paulo. Foi lá que aconteceu no último sábado, 30 de novembro, um evento de dia inteiro sobre os elos entre o câncer nessa glândula e a saúde cardiovascular. Esse assunto, rapazes, deveria ser mais alardeado entre vocês.

Começa pela prevenção: os fatores de risco que levam ao surgimento dos problemas no coração também facilitam o desenvolvimento de um eventual tumor que esteja apenas engatinhando. Destacam-se, aí, a barriga avantajada, por acumular uma gordura que é para lá de inflamatória, e a falta de atividade física, cujo mérito nessa história seria justamente aplacar as inflamações. Todo câncer ama um ambiente inflamado. Coincidência ou não, placas nas artérias também.

O coração agradeceria muito se os homens se exercitassem e enxugassem os centímetros a mais na cintura. E a próstata igualmente diria obrigada. "Não podemos falar que a obesidade cria o câncer nessa glândula", esclarece o doutor Dzik. "Mas podemos garantir que o tumor se torna mais agressivo se o paciente tem muita gordura abdominal."

Entenda que ela é feito fósforo em um barril de pólvora. Ora, até um terço de todos os homens na faixa dos 60, 65 anos, se escarafunchassem a próstata, encontrariam um tumor por lá. A mesma má surpresa teriam seis ou sete em cada dez senhores acima dos 85 anos de idade. "Mas aí é que está: só uma pequena parte desses tumores irá crescer pra valer e colocar a vida em risco." Bem, o que ninguém quer é que essa parcela aumente por conta desse estilo de vida que já era famoso por prejudicar o peito.

Talvez vocês pensem que o pacote de hábitos saudáveis que faz bem tanto ao coração quanto à próstata, reduzindo a inflamação do organismo, evitaria cânceres de modo geral e não só os dessa glândula. Se é assim, pensaram certo!

Qual a diferença do tumor de próstata?

A diferença é que, no câncer de próstata, isso parece ser ainda mais importante. É que o tratamento da doença costuma causar ou agravar a hipertensão, o diabetes e os níveis elevados de gorduras, como o colesterol, no sangue. E ainda faz engordar. Engordar onde? Principalmente no abdômen! Daí que o coração de muitos não resiste. Cerca de 25% dos homens que enfrentam um câncer de próstata morrem por causa de problemas cardiovasculares adiante, isso sim!

No entanto, de acordo com um grande estudo publicado no ano passado no JACC, o jornal do American College of Cardiology , cerca de metade dos pacientes que tiveram um tumor prostático apresenta três ou mais fatores de risco para o coração que — atenção! — não estão sendo tratados. Para ter noção, só um quarto deles está com a pressão arterial sob controle. Muitos não imaginam que a terapia hormonal contra o tumor ajude a levá-la para as alturas.

Duas observações

Também existe um ponto, levantado pelo cardiologista Fabrício Assami Borges, do Hospital Santa Paula, na capital paulista: "Em geral, o paciente com câncer de próstata já passou dos 60 ou 70 anos. E, nessa altura do campeonato, é bem comum encontrar sujeitos que já acumulam problemas, como hipertensão e diabetes", diz ele, sem desmerecer o potencial do tratamento oncológico de agravar esse cenário.

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A outra observação é do oncologista Carlos Dzik: "Se a pessoa tem um tumor de pâncreas ou de pulmão de difícil tratamento, tudo pode ser tão rápido que nem dá tempo de machucar o coração. Mas, no caso de um câncer próstata avançado, ele pode ser longevo e a pessoa ficar em tratamento hormonal por dez anos ou mais, dando prazo para os problemas cardíacos aparecerem", explica.

O tratamento do câncer e o coração

Quando é flagrado, o tumor de próstata vai para o espaço de um jeito ou de outro — com cirurgia, com terapias focais, com radioterapia. Mas, se ele volta ou deixa clara a ameaça de que pretende voltar — "risco que é maior em pacientes com obesidade", aproveita para avisar o doutor Dzik —, a saída é o tratamento hormonal para baixar os níveis de testosterona na circulação.

Isso porque o câncer de próstata é um "papa-hormônio". Para não alimentá-lo, dando-lhe força para ir adiante, o jeito é usar drogas que bloqueiam a produção da testosterona, o que alguns chamam de castração química. "Elas quase sempre levam à síndrome metabólica", alerta o doutor Fabrício Borges. "E, claro, uma coisa é usá-las naquele paciente que nunca teve nada. Outra é tratar quem já infartou no passado."

Segundo o cardiologista, há um outro efeito que costuma ser pouco abordado: "Com a baixa da testosterona na circulação, o homem perde massa muscular e ainda fica desanimado. Logo, passa a fazer menos atividade física. A consequência provável é ganhar ainda mais peso". Aliás, parênteses: fazer exercício, com foco em manter a musculatura, não é opcional para quem usa remédios para baixar a testosterona.

E, claro, não faz o menor sentido alguém em tratamento do câncer de próstata repor o hormônio, se a meta é o oposto disso, isto é, tirá-lo de circulação. Mas se, lendo tudo isso, um homem que não tem câncer deduzir que usar testosterona preveniria problemas cardíacos, saiba que está redondamente enganado. "Se não há uma deficiência da substância bem identificada, usar testosterona não ajuda a proteger o coração em nenhum contexto", assegura Fabrício Borges. Podem ir tirando o cavalo da chuva, ou melhor, essa ideia esdrúxula da cabeça.

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Ir ao cardiologista antes do tratamento oncológico

"Isso seria o ideal", acredita o doutor Borges. "Podemos, então, fazer uma boa análise de todos os fatores de risco cardiovascular que aquela pessoa já apresenta para comparar depois." Segundo ele, o diálogo entre o cardiologista e o oncologista pode até ajudar a definir quais serão as armas contra o câncer.

"Existem remédios que causam um pico de testosterona, saturando a sua linha de produção até que, pouco a pouco, o hormônio começa a cair. E existem drogas que provocam um bloqueio direto, levando a substância despencar de uma vez", exemplifica. "Pois bem: se eu encontro um paciente que, não faz tanto tempo assim, teve um quadro do coração, sugiro que essa segunda opção poderia ser melhor, porque aquele pico de testosterona seria arriscado."

E depois?

Nem sempre a tal consulta prévia é possível. Mas o fato é que todo homem que teve um câncer de próstata deveria ser acompanhando por um cardiologista depois. "Ainda mais se ele faz uma terapia combinada", aponta o doutor Borges. Ele se refere a quem tem um câncer que não responde direito a uma droga única e precisa de uma combinação de medicamentos. "Com duas medicações, os riscos para o coração aumentam ainda mais. Notamos isso, principalmente, em relação à hipertensão", diz o cardiologista.

Entre os médicos, portanto, não deveria haver dúvida. "Se buscar por publicações científicas recentes, encontrará mais de 5 mil trabalhos sobre os elos entre o tratamento do câncer de próstata e a síndrome metabólica por trás dos problemas do coração", aponta o doutor Dzik. "Logo, essa síndrome precisa ser bem acompanhada. Não adianta só falar que é preciso comer menos e fazer mais exercício e jogar o cara no mar aberto de novo, focando apenas no tumor."

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O doutor Fabrício Borges opina: "Sabemos que estamos provocando síndrome metabólica nos homens que tiveram câncer de próstata — excesso de gordura no abdômen, diabetes, pressão arterial alta, níveis de colesterol elevados na circulação. Por que não estamos tratando cada um desses fatores? Isso é inércia terapêutica e é grave."

Mas lembrem-se, senhores, que o conceito de inércia terapêutica não se aplica só ao médico que deixa de tratar algo. Também vale para os pacientes que não buscam uma consulta ou não se cuidam seguindo o que foi prescrito, mesmo sabendo que determinado risco existe. E ora, se chegaram até aqui neste texto, vocês já sabem do perigo.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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