Acúmulo de gordura nas mamas pode aumentar risco de diabetes na menopausa
Prende a respiração, aperta dos lados, aperta mais, aperta mais ainda e...solta. Agora de cima para baixo e de baixo para cima, segura o ar de novo, espreme, espreme, espreme até não poder mais. Ou melhor, até que esse aperto condense tanto as mamas expostas aos raios-x do mamógrafo que fique mais fácil visualizar se há algo de errado nelas. Afinal, é nisso que os médicos ficam de olho: no tecido glandular (ora, um câncer pode surgir dali!). E o resto? O resto é gordura. Gordura a que ninguém, até então, dava a menor bola.
Mas...e se essa gordura impactasse na regulação do metabolismo das mulheres? Esta pergunta, por incrível que pareça, não havia sido feita. Ou, se passou pela cabeça, ninguém tinha concluído um estudo atrás da resposta. Isso fez com que o trabalho realizado na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) pela médica radiologista Barbara Limberger Nedel e seus colegas merecesse sair nas páginas do Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, o periódico científico da Endocrine Society, nos Estados Unidos.
O artigo traz uma revelação inédita: "Quanto maior a quantidade de gordura nas mamas após a menopausa, maior o prejuízo para a atuação do hormônio insulina, que faz a glicose entrar nas células, e pior a glicemia, que é a taxa desse açúcar na corrente sanguínea", explica a autora. 'É bem possível que a gordura nessa região, que estamos chamando de adiposidade mamária, produza substâncias capazes de influenciar no ritmo com que avançam doenças como o diabetes, a obesidade e outras", diz ela. Ou seja, a gordura nas mamas aceleraria a síndrome metabólica.
Se você compara duas mulheres...
Aí você se pergunta — como eu me perguntei — se essas mulheres com mais tecido gorduroso mamário não correriam risco de desenvolver diabetes e todas as outras encrencas porque já estavam acima do peso ou, quem sabe, com mais barriga. "De fato, há uma associação entre a gordura encontrada nas mamas e a circunferência abdominal, que é um fator de risco bem conhecido para o diabetes tipo 2", confirma a doutora. "Porém, se você compara duas mulheres com a mesmíssima quantidade de gordura no corpo, aquela com maior adiposidade mamária é a que terá os piores parâmetros metabólicos, como uma glicemia mais alta." Sinal de que alguma coisa a gordura ali, nos peitos, está aprontando.
O detalhe curioso vem agora: a mesma relação de tecido gorduroso mamário com resistência à insulina, glicose nas alturas e circunferência abdominal alargada não foi observada em mulheres que ainda menstruam. Portanto, na menopausa, ele não só parece estufar as mamas, como talvez se comporte de um jeito diferente.
A ideia de olhar para essa gordura
Barbara Nedel cursava Medicina na UFRGS quando resolveu fazer iniciação científica no ambulatório de pré-diabetes. Anos depois, seu professor daqueles tempos, o endocrinologista Fernando Gerchman, encontrou a moça nos corredores do Hospital de Clínicas da instituição e disparou o convite: "Estamos abrindo as inscrições de mestrado. Não quer fazer?". Mas muita coisa tinha mudado.
A garota, que saiu aos 17 anos da cidadezinha gaúcha Frederico Wesfphalem atrás do sonho de ser médica e que chegou a cogitar trabalhar com diabetes, tinha se apaixonado pela radiologia. Daí que ela e o professor Gerchman começaram a pensar em um tema que pudesse casar as duas áreas. E veio a sacada de calcular a gordura das mamas pela mamografia e ver se ela tinha alguma a relação com os níveis de glicose e outros parâmetros do metabolismo.
Não era uma hipótese maluca."A ciência sabe que o tecido gorduroso produz hormônios e substâncias que influenciam no funcionamento do organismo", diz a jovem doutora. "E a mama é um depósito importante de gordura no corpo feminino. Tinha muito potencial nesse sentido."
Como foi o estudo
Ainda em 2019, a médica começou a ler o prontuário de pacientes que faziam mamografia no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, buscando aquelas que poderia convidar para a investigação. "Se a paciente já tinha enfrentado um câncer de mama, por exemplo, ela não deveria ser incluída, já que o tratamento oncológico poderia ter alguma interferência na quantidade de gordura que acharíamos no exame", justifica.
Feita a seleção, a doutora Barbara ligou para uma por uma das candidatas contando que, se topassem, tudo seria feito em uma única manhã. Ou seja, no dia em que tinham agendado a mamografia de rotina, elas chegariam em jejum. Fariam uma entrevista e responderiam um questionário. "Queríamos saber mais a respeito da saúde delas, seu histórico familiar, se tomavam medicações ou não", relembra a radiologista.
A equipe também registrava todas as medidas, incluindo a da bendita cintura. Isso porque a gordura abdominal é tida como a mais nefasta para aumentar o risco de doenças como o diabetes. Importante esclarecer que o tamanho do busto diz muito pouco. "Existem mulheres com mamas grandes e densas, quer dizer, com muita glândula nelas. E existem mulheres que podem até ter mamas menores, porém cheias de gordura. Os exames de imagem é que apontam quem é quem", explica a doutora Barbara.
Todas as voluntárias passaram, ainda, por uma bioimpedância, o exame que mostra a proporção de massa magra e massa gordurosa no corpo. E, claro, antes de seguirem para a famosa mamografia, tiraram sangue para que os pesquisadores pudessem ver não só a glicemia, mas o perfil lipídico, isto é, suas taxas de colesterol e triglicérides, entre outras coisas.
Ah, sim, elas também foram submetidas a uma ultrassonografia. "Geralmente, quando fazemos esse exame, o foco é achar nódulos mamários. Mas, no caso, a intenção era avaliar a quantidade de gordura em cada quadrante", diz a doutora. Diz-se "quadrante" porque os médicos criam duas linhas imaginárias que passam pelo mamilo, uma no sentido vertical e outra, no horizontal.
Será que a gordura acumulada mais em uma do que em outra dessas quatro partes faria diferença? E se houvesse mais gordura à frente ou atrás das glândulas mamárias? Parece que nada disso interfere muito. Mas até esse cuidado os pesquisadores tomaram, enquanto um software calculava a porcentagem de tecido gorduroso em relação à área total das mamas, escrutinando pixel por pixel, isto é, pontinho por pontinho da imagem da mamografia.
Tudo teria andado mais depressa se não tivesse acontecido a pandemia de covid-19 em 2020, quando os primeiros exames foram realizados. "Bahh", suspira a gaúcha. "Foram meses e meses sem o projeto andar. Mas valeu a pena perseverar."
Um novo papel para a mamografia?
Esta pergunta, agora, exige perseverança extra da ciência, percorrendo a trilha que o trabalho gaúcho acaba de abrir. "Nosso estudo é o que, em ciência, chamamos de transversal. Isto é, tem o seu valor, mas é feito uma fotografia registrando um momento específico na linha do tempo. E será que algo mudaria se acompanhássemos essas mulheres por dias ou anos?", indaga-se a doutora Barbara.
Um ponto de atenção é que foram 101 participantes — sete em cada dez delas na menopausa. "O ideal será termos novas pesquisas com um número maior de mulheres", informa a autora.
Outra pergunta crucial é a seguinte: quais os mecanismos de ação da adiposidade mamária para aumentar o risco de diabetes e síndrome metabólica? E por que eles só aparecem depois de a mulher deixar de menstruar? Detalhe: o tempo em que as participantes já estavam na menopausa não fez diferença. Nem o fato de terem amamentado no passado ou não.
O que já se sabia é que, na menopausa, com a queda do hormônio feminino estrógeno, há uma tendência de a mulher acumular mais gordura. E, mesmo entre aquelas que não ganham nem 1 quilo sequer na balança, a gordura corporal parece mudar de lugar, abandonando os quadris para se instalar na barriga e, quem sabe, nas mamas, que às vezes inflam como as de uma pomba."As glândulas mamárias vão sendo substituídas, aos poucos, por tecido gorduroso. E deve existir um fator genético, além do hormonal, para ele se acumular ainda mais nessa região", pondera Barbara Nedel.
Segundo a radiologista, talvez sejam necessários estudos experimentais, isto é, em tubos de ensaio ou até em modelos animais, para a gente entender minuciosamente como essa gordura afeta o metabolismo, identificando as substâncias que ela é capaz de produzir e analisando como atuam.
Isso poderá dar à mamografia mais um papel. Além de acusar um eventual tumor de mama, o exame, então, passará a apontar o risco de a mulher ter diabetes e outros problemas do metabolismo que, por ironia feminina, no final das contas também castigam o peito. Mas, no caso, estamos falando do coração das mulheres.
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