Lúcia Helena

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Reportagem

Neurociências: por que as luzes de Natal acendem gatilhos emocionais

Chega esta época e, para muitos, parece que Papai Noel traz um saco repleto de memórias. Feito um pisca-pisca, elas se acendem se você vai caminhar com o cachorro e a rua está iluminada como se as estrelas quisessem se aproximar da calçada. Se vai ao supermercado e esbarra na pilha de panetones encalhados. Se reclama do trânsito e ouve do motorista de aplicativo que, sabe como é, são as festas...

Goste ou não do clima ou de uva passa, aceite: é inescapável. E, antes de tocar o sino pequenino, se duvidar você já estará lacrimejando só de ouvir a Fernanda Torres contar por que a gente chora, ou "transborda", na propaganda de um banco.

A nossa amada atriz acerta em cheio: pelo menos para o cérebro, no Natal tudo é gatilho para uma espécie de transbordamento. No caso, de memórias. Afinal, são muitos dezembros acrescentando uma nova camada de lembranças. Se elas são boas ou nem tanto, isso já são outros contos.

"Sem dúvida, são memórias que ativam demais a nossa amígdala até porque se acumulam ano após ano, eventualmente reforçando umas às outras", ouço a resposta típica de um neurocientista, o Antonio Carlos Cruz Freire, professor dessa disciplina na Universidade Federal da Bahia e de psiquiatria na Escola Bahiana de Medicina. Com o jeitão de uma amêndoa— daí seu nome —, é nessa estrutura pequenina, localizada no meio dos nossos miolos, que nascem tristezas e alegrias.

E não podemos nos esquecer — já que o assunto é memória — que estamos imersos em um caldo de cultura, capaz de dar valor sentimental a determinados acontecimentos. "De certa maneira, desde cedo a data de 25 de dezembro envolve todo um aprendizado, tenham as pessoas maior ou menor consciência disso", nota Antonio Freire. "Elas ouvem que nos preparamos para a chegada de um salvador e isso pode ativar neurônios e neurotransmissores que, no final, produzem um sentimento de esperança."

Segundo ele, a gente também associa o nascimento de Jesus com a necessidade de comunhão com os outros e, ao mesmo tempo, pode surgir até certa culpa, porque todos já conhecem o final da história do menino no presépio. É uma mistura emocional poderosa. Ou seja, a cultura e a religiosidade dão um empurrãozinho extra para cada imagem natalina ir parar bem na tal amígdala.

A gaveta cerebral dos Natais

Abraçou quem você tanto queria, ganhou seu presente, valeu a espera? Pronto, é como se a amígdala colocasse uma etiqueta de "noite feliz" na cena. Ou será que aconteceu algo triste, bateu a frustração ou uma saudade forte — "e então felicidade é brinquedo que não tem", como finda a canção? Seja como for, o registro do que acabou de acontecer segue para uma área cerebral próxima, a do hipocampo.

"É ali que essas memórias são consolidadas", ensina o professor. Só que, mais do que guardá-las, essa região diferencia o que é mais importante para cada um de nós e, diga-se, ela não se ocupa com pouca bobagem. Um número de telefone qualquer ou um rosto que cruza o nosso caminho, por exemplo — o hipocampo pode achar que isso dá para ser jogado na caixa dos esquecimentos. Já algo que vem com uma informação da amígdala é bem diferente: impregnada por uma emoção, é como se a memória tivesse uma gaveta certa para ficar. Ela é prioritária.

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Mas não pense que o hipocampo tem um arquivo só para o Natal. Para simplificar bastante a descrição de uma circuitaria de neurônios das mais complexas, existiria a gaveta das lembranças carregadas de emoções positivas e a gaveta das memórias associadas com emoções negativas, por assim dizer. E, em mais uma comparação, o tamanho dessa gaveta ou sua importância podem crescer quando uma experiência não só é mais intensa, como se repete (ora, todo ano tem final de ano!). "Daí, o resgate vem em bloco também, por isso é tão forte", ensina Antonio Freire.

Ou seja, a visão da luzinha cintilando, o cheiro do peru no forno ou qualquer coisa — neste mundo decorado com símbolos natalinos — é capaz de abrir a tal gaveta. "É o gatilho", diz o neurocientista. Então, saem dali — transbordam! — a música que tocava quando você montava a árvore na infância, a imagem da avó na cozinha e, se duvidar, esse esquema de uma coisa puxando a outra evoca recordações que não necessariamente tenham mais a ver com Natal, mas que são do mesmo grupo. É memória afetiva até não poder mais!

"E, mesmo sendo uma emoção positiva, ela pode desencadear repercussões físicas, como picos de pressão arterial, respiração acelerada, choro fácil", descreve o professor. "São sintomas parecidos — por sorte, na maioria das vezes em um grau menor — com os de transtornos psiquiátricos, como a depressão e a ansiedade."

E aí é que está: não são todos que resgatam lembranças doces como a sobremesa da ceia. "O mesmo fenômeno de resgate em bloco pode ocorrer se o Natal está guardado com lembranças negativas", nota o neurocientista. "Daí que consultórios de várias especialidades têm maior facilidade para entrar recesso neste período do que o dos psiquiatras. Eles e os psicólogos tendem a ser mais requisitados no final do ano, porque os símbolos do Natal são gatilhos para transtornos em alguns indivíduos ou agravam seu estado."

Para ele, é por essa razão que existem pessoas que manifestam uma verdadeira aversão ao Natal, não gostam nem de pensar na festa. "As lembranças negativas podem ser exacerbadas", acredita. Mas dá para tirar a celebração desse lugar.

Ressignificar a festa

O neurocientista faz questão de lembrar que não há grandes estudos, com evidências robustas, para entender como o Natal mexe com os neurônios. Afinal, ratinhos de laboratório não fazem lista para Papai Noel para nos ajudarem na compreensão."Estamos tirando deduções a partir do que ocorre nos casos de depressão, ansiedade e até estresse pós-traumático. São problemas que também envolvem gatilhos".

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Mas, fazendo essa inferência, na circuitaria do cérebro, todas essas memórias natalinas — e mais aquelas que estão guardadas ao seu lado —, que transbordam do nada quando você sai de casa ou liga a televisão, vão imediatamente para o tálamo. "Essa estrutura é uma espécie de central de distribuição das informações", explica o professor. "Ela ativa várias estruturas do córtex, mais na superfície cerebral."

Ali, onde de certa maneira também mora a razão, podemos refletir sobre tudo o que nos aconteceu e devolver o resultado ao sistema límbico — a parte onde ficam a amígdala, o hipocampo e outras estruturas ligadas ao nosso emocional. Sim, às vezes é preciso de ajuda de profissional — leia, terapia — para ressignificar algo que não foi bom. Mas, se você consegue a proeza, o Natal muda de gaveta. Pode ficar, então, onde você guarda um punhado de pequenas alegrias — se é que já não está lá.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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