Lúcia Helena

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Reportagem

Dar férias para a dieta no final de ano é roubada maior do que você imagina

Ora, ora, "ói, nóix aqui travêis". Todo ano tem... final de ano! E, emendando nele, as tão esperadas férias de verão. De segunda a segunda, todo dia fica com cara e mesa de domingo.

Uns no resort ou, quem sabe, no cruzeiro all inclusive, podendo comer do amanhecer ao anoitecer para fazer valer cada tostão da tarifa. Outros, menos metidos, mas não menos comilões, se entregam a sorvetes na praia, churrasquinhos no entardecer, panelas de brigadeiro na frente da tevê e tudo mais o que a imaginação, a saudade, o bolso e o estômago permitirem. E, então, quando termina a temporada, é fato: ela mostra a que veio na balança.

"Doutor, só não vou seguir com o tratamento na semana em que estarei viajando. Mas, quando voltar, recomeçarei tudo direitinho", disse o médico Bruno Geloneze, repetindo uma das frases mais ouvidas nesta época em consultórios que acompanham pessoas com sobrepeso e obesidade. Ele, então, se preocupa. "Porque a gente sabe que, mesmo voltando à rotina alimentar e emagrecendo depois, uma parte do ganho de peso não será eliminada adiante", justifica.

Professor de endocrinologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), onde é investigador principal do OCRC (Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades (OCRC-CEPID), ele contou isso em uma aula sobre o que está por trás da dificuldade para manter um novo peso quando a pessoa emagrece. Na verdade, estava respondendo a outro Bruno— o Bruno Halpern, presidente da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica) —, que, na ocasião, mencionou estudos sobre festas de final de ano.

Esses trabalhos mostram que de 20% a metade do peso conquistado nesse período curto de comilança ficam com a gente até um novo dezembro — quando, provavelmente, daremos férias à disciplina alimentar do dia a dia mais uma vez, acrescentando mais uns gramas ao nosso corpo. E assim vai, ano após ano. Passada uma década, isso pode significar entre 2 a 10 quilos a mais. Essa promessa de ano novo é garantida!

O peso das festas

Durante o simpósio OLHAR Abeso — palco da discussão —, o endocrinologista Halpern lembrou seu colega e xará de uma investigação conduzida no NIH (National Institutes of Health), nos Estados Unidos. O objetivo dos pesquisadores americanos era observar o impacto da variação de peso provocada pelas festas de final de ano que, lá em seu país, começam em novembro, com o peru e os acompanhamentos fartos no Dia de Ação de Graças, passam pela ceia e pelos biscoitos de Natal e terminam com os beijos e o espumante do Ano Novo.

Pois bem, 195 adultos saudáveis foram pesados em quatro momentos distintos ao longo de doze meses: entre o final de setembro e o início de novembro, ou seja, antes do início das festividades; entre novembro e janeiro, quando aconteceram as celebrações e, claro, as férias de inverno, que também poderiam ser contabilizadas na balança; entre o final de janeiro e março, isto é, após a retomada da rotina alimentar padrão e, finalmente, em setembro outra vez, para que fosse possível ver o saldo do ano todinho.

No final, as pessoas engordaram, em média, 370 gramas só por conta das festas de novembro e dezembro. Somando-se o mês de janeiro com as férias de inverno no Hemisfério Norte, essa média subia para 480 gramas.

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Tudo bem, isso foi bem menos do que os participantes imaginavam. É que, antes de subirem na balança pela primeira vez, eles responderam um questionário chutando que chegavam a ganhar 2 quilos no final de ano, o que não aconteceu com a maioria. Na verdade, ganharam cerca de 2 quilos apenas aqueles que já tinham um grau mais elevado de obesidade, talvez por uma tendência biológica de acumular mais gordura corporal. Mesmo assim...

Boa parte dos participantes perdeu peso nos meses seguintes. Mas, quando o calendário marcou setembro novamente, muitos ainda conservavam pelo menos 223 gramas a mais, sendo que houve gente que ficou com todos os quilos que ganhou. E, mesmo entre os que emagreceram, existe uma ameaça: outros estudos, estes com ratinhos, mostram que quatro a seis ciclagens de peso, isto é, quando acontece um sobe e desce na balança, já bastam para provocar mudanças importantes no organismo. No contexto, vale repetir: todo ano tem final de ano. Logo, é fácil chegar nesses quatro ou seis ciclos de engorda e emagrece.

Aqui, ninguém está falando do efeito sanfona apenas por ele aumentar a proporção de gordura em relação a músculos no corpo — um risco real, mas que em tese pode ser contornado bom boas sessões de exercício de resistência, aqueles com pesinhos. "A preocupação maior é com alterações no sistema nervoso central, mais especificamente na região cerebral do hipotálamo, que governa o metabolismo. Ela se inflama com essa brincadeira de ioiô. Daí que isso pode imprimir, de maneira irreversível, a tendência a engordar", resumiu Geloneze no evento.

Várias pesquisas apontam o mesmo

Saiba que, como o estudo americano citado por Bruno Halpern, há outros. No México, na Universidade de Sonora, os cientistas fizeram uma revisão de vários deles. A conclusão, no caso, foi que a média de ganho de peso fica entre 400 e 900 gramas quando nos damos a licença para exagerar nas calorias nessa fase entre o final de um ano e o início de outro.

De volta aos Estados Unidos, pesquisadores da Tufts University concluíram que, nas pessoas com maior tendência a acumular gordura, 51% do peso a mais adquirido em doze meses — ou seja, praticamente a metade — têm a ver com essa época. Conclusão parecida com a de investigações realizadas na Austrália que, como o ensolarado Brasil, por ser localizada no Hemisfério Sul, cola as festas de Ano-Novo com as férias de verão.

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A tendência a não perder tudo o que ganhou

Todos os estudos em torno desse tema focam em períodos curtos de alta ingestão calórica. Pergunto, então, ao doutor Bruno Halpern se eles seriam mais perigosos. "Não acho isso", diz ele. "É mais por ser o que acontece na vida real: em vez de engordar um pouquinho todos os dias, existem momentos em que a gente ganha uma grande quantidade de peso porque come em excesso e, depois, quase nunca perde tudo, uma vez que o corpo não sabe lidar direito com isso. A rigor, o excesso de comida gordurosa por um tempo poderia até dificultar o controle do apetite e da saciedade ao inflamar o hipotálamo."

A tendência do ponteiro da balança será voltar ao patamar das férias cheias de gulodices e não ao de um passado mais remoto. Aliás, explicando melhor, a referência do organismo será o maior peso que ele já alcançou ao longo vida — e o liberou-geral desse período pode ser o bastante para alguém alcançar esse pico na balança.

"Isso vale também para as crianças", faz questão de frisar Bruno Halpern. "O pior que é existe uma cultura de que, nas férias da garotada, pode sorvete, doce e guloseimas todos os dias. Não é algo benigno para a saúde. Em meninos e meninas sem tendência à obesidade, isso pode não aparecer claramente. Mas, naqueles que já têm sobrepeso, o ganho de gordura é proporcionalmente maior que o dos adultos quando exageram nesta época, segundo os estudos." Então, as férias escolares podem se transformar em estopim da obesidade infantil.

Para ter um ano mais leve

"O ambiente é um dos maiores fatores capazes a nos levar a comer demais", lembra Bruno Halpern. "Se estamos em um lugar com maior oferta de comida, em que muitas vezes reina a filosofia da quantidade no lugar da qualidade, é mais difícil controlar o tamanho das porções, como diversos estudos já mostraram. Isso vale para qualquer indivíduo, mas é ainda mais complicado para quem tem tendência a ganhar peso".

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Ninguém está falando em falta de força de vontade diante daquele buffet infinito de sobremesas ou da mesa de petiscos. É que, de novo, pense que o hipotálamo, lá no cérebro de alguém com obesidade, não regula direito o apetite e a saciedade de tão inflamado. "Daí que essa pessoa deveria tomar muito cuidado ao se hospedar em um hotel com tudo incluído, por exemplo. Mas é claro que é gostoso e que provavelmente a família inteira e os amigos estarão lá ", reconhece o endocrinologista.

Sim, todo mundo quer e merece se divertir depois de um ano pauleira, como foi 2024. Excesso de rigidez tampouco faz bem. O equilíbrio pode estar na dica que o próprio Bruno Halpern não se cansa de dar, entra ano, sai ano: "Se é para exagerar, coma o que realmente vale a pena".

Ele sugere que a gente se deleite com uma comida especial que será servida só naquele determinado dia — a receita de família que é feita apenas nas ceias do réveillon, o prato daquele restaurante que sempre quis conhecer, a culinária diferente de um lugar que você está visitando. Mas nada daquele espírito de porco do "já que".

Aquela coxinha fria na festa, aquele amendoim de aperitivo que se encontra em qualquer esquina e aquele doce que nunca lhe fez salivar não são sabores que merecem pesar em seu 2025. Aliás, que 2025 ele seja mais leve, em todos os sentidos, e que você faça as melhores escolhas, as mais deliciosas sempre. As que valem.

Reportagem

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