Lúcia Helena

Lúcia Helena

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

A técnica que diagnostica e já arranca o câncer de mama sem cirurgia

A mulher deitada não sente qualquer sinal de dor, enquanto o médico faz um corte de cerca de meio centímetro em seu seio. Guiado pelo ultrassom, ele introduz uma agulha que pode impressionar por não ser das mais finas. E então, num piscar de olhos, ela— vupt! — traga o nódulo suspeito ou um bom pedaço dele. Isso porque está acoplada a um sistema a vácuo.

O que se vê agora é que às vezes essa aspiração mais poderosa não deixa nada de ruim para trás, diferentemente da biópsia tradicional, feita com uma agulha mais discreta, que retira somente poucos fragmentos bem no meio, isto é, no núcleo de uma lesão.

Vamos combinar que a excisão assistida a vácuo — é dela que estou falando, ou simplesmente mamotomia — não é exatamente uma novidade. Foi aprovada ainda em 1996 e, desde então, passou a ser usada em diversos países para colher amostras de um tumor e levá-las para a análise criteriosa do patologista, profissional capaz diferenciar o bem do mal sob as lentes do seu microscópio. Em outras palavras, capaz de distinguir células malignas de benignas, cravando se é de fato um câncer ou não.

E é o que se vê por aí: a mamotomia sendo aplicada como método de biópsia para desmascarar o câncer e, sendo assim, encaminhar a mulher à mesa de cirurgia para extirpar de vez o tumor mamário. Não era de outro jeito com as pacientes do mastologista mineiro Henrique Lima Couto, que, por sinal, em 2008 foi o pioneiro na realização dessa técnica em Belo Horizonte, quando abriu uma clínica de diagnóstico minimamente invasivo, a Redimama.

"Mas, naquela época, os aparelhos eram muito rudimentares perto da geração que surgiria por volta de 2016", lembra o médico, que atualmente está à frente do Departamento de Imagem da Mama da SBM (Sociedade Brasileira de Mastologia). "Por isso, foi a partir daquele ano que começou a acontecer algo bastante curioso".

Além de especialista em biópsia, Lima Couto é cirurgião. E notava que vinha aumentando o número de pacientes que, depois submetidas à mamotomia feita por ele e diagnosticadas com câncer, iam para a sala de cirurgia e... Cadê aquele tumor que tinha visto no exame? "Aparentemente, havia saído todinho na biópsia", conta.

Descascar a área

Intrigado, Lima Couto orientou um estudo em que revisaram todos os seus casos de câncer de mama a partir de 2017 para identificar o tamanho e o tipo de tumor que saía só com a mamotomia, sem a cirurgia. Adianto: é um tumor com, no máximo, 1,5 centímetro. E isso é ótimo, lembrando que, no Brasil, os cânceres de mama são flagrados com 1,4 centímetro de diâmetro, em média.

O pulo do gato, porém, surgiu entre 2021 e 2023, quando os pesquisadores brasileiros começaram a fazer o que chamam de shaving, algo que poderia ser traduzido como "aparar". O que isso quer dizer: "A gente primeiro tira o nódulo e, quase na mesma hora, volta com a agulha para descascar o que ficou na área onde ele estava", explica o doutor. O vácuo, então, corta e puxa uma margem.

Continua após a publicidade

"Depois de o patologista examiná-la, se ela está negativa, isto é, sem nenhuma célula maligna, sei que o tumor saiu inteiro e que essa mulher poderá ir direto para a radioterapia, por exemplo", diz o mastologista. Ao menos, é o que ele observa em um novo estudo em que está realizando a mamotomia, mas agora com a intenção de tratar e não apenas de examinar.

Os resultados preliminares com 75 mulheres foram apresentados durante o EUSOBI, o Congresso Anual da Sociedade Europeia de Imagem Mamária, que aconteceu em outubro último, em Lisboa, Portugal. "A ideia é, ainda este, ano, chegar a 120 pacientes", revela o médico.

Como não dá para confiar apenas nos exames de imagem, como a ultrassonografia e a mamografia, para respirar de alívio e dizer que não resta mais nada da doença, as participantes seguem sendo operadas.

A mamotomia deixa grãos de titânio, que é um material biocompatível, bem no local onde a lesão foi extirpada. Eles servem de alfinete no mapa, mostrando ao cirurgião a área que ele precisa limpar, por assim dizer.

"No entanto, quando não há nada na margem retirada no shaving, o exame do patologista durante a operação vem confirmando que a mulher se livrou do tumor em 100 por cento das vezes", afirma o mastologista, em tom animado.

Ele logo justifica a empolgação: "No Brasil, apesar de existirem leis, em muitas regiões a mulher ainda espera cerca de dez meses entre o flagrante de uma lesão maligna na mamografia e o tratamento do câncer. Nosso estudo abre a possibilidade de encurtar esse prazo, confirmando o diagnóstico e o início do tratamento em uma etapa só."

Continua após a publicidade

Além disso, o procedimento não exige internação. A mamotomia, garante o doutor Lima Couto, pode ser feita em qualquer canto onde se leve o seu equipamento e um ultrassom. "Pode ser facilmente realizada até dentro de um barco, atendendo mulheres em populações ribeirinhas na Amazônia", exemplifica.

O tipo de tumor

O estudo que irá se concluir neste ano é uma prova de conceito, como se diz em ciência. Serve para mostrar que determinado caminho — no caso, o da mamotomia para tratar o câncer de mama— poderá funcionar. Então, por que não? — a gente pode se indagar.

Mas, seguindo o roteiro da boa ciência, isso não basta. O próximo passo será realizar um novo trabalho, com um número maior de pacientes. Elas serão randomizadas, isto é, sorteadas para cair ou não no grupo submetido ao procedimento.

Cientistas britânicos, diga-se, já estão na fase final de uma pesquisa parecida, que deverá apresentar seus resultados até 2028. "Só que eles não realizam o shaving para saberem se tiraram mesmo tudo ou não", explica o doutor Lima Couto. "Por isso, por precaução, só consideram essa técnica para mulheres após a menopausa que apresentem tumores com baixa agressividade, que se repliquem devagar e que tenham receptores hormonais."

Há pontos em que brasileiros e britânicos concordam: a lesão precisa ser única, menor que 1,5 centímetro e sem haver sinal de que células doentes escaparam para as axilas. Mas, uma vez dentro dessas características, o shaving pode dar segurança para pular a etapa da cirurgia — indo direto para a radioterapia ou para a quimioterapia — qualquer que seja o tipo de tumor mamário, sem se limitar aos de baixa agressividade em mulheres na menopausa.

Continua após a publicidade

Se fosse hoje, isso corresponderia a evitar que 25% das brasileiras com esse tumor necessitem da operação. No entanto, com o rastreamento precoce funcionando perfeitamente no sistema de saúde e flagrando a doença cedo pra valer, o potencial da mamotomia seria o de evitar até metade das cirurgias para retirada do câncer de mama entre nós. Ganharia-se tempo — e vida.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.