Lúcia Helena

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Reportagem

Emagrecer pode ser o melhor remédio para acabar com a dor nos joelhos

Um estalido muito de vez em quando é o primeiro sinal da encrenca adiante, até a crepitação se tornar uma constante. Você se senta e ouve um croc. Na hora de se levantar, escuta um crec. É só dar o primeiro passo depois de um tempo parado e...crac. E se agachar, então? Aí, é um tal de croc, crec, crac! Isso quando o sonoridade não é silenciada porque você simplesmente se vê incapaz de completar o movimento: os joelhos travam, sem permitir que as pernas se dobrem direito.

A piadinha repetitiva é que a pessoa fica "crocante" quando tem osteoartrite — também conhecida por osteoartrose ou, se preferir, só artrose mesmo ou, ainda, doença articular degenerativa nos joelhos, pois é tudo a mesma coisa. Mas a brincadeira da crocância não tem muita graça, porque a sequência é bem dolorosa.

Após uma fase só de estalos, mais dia, menos dia, a dorzinha incessante aparece. Ela emperra de vez essa articulação, que é a demandada a todo instante, não só porque se envolve na movimentação das pernas, mas porque é a grande responsável pela sustentação do nosso corpo e por amortecer a sua carga a cada passada. A humanidade literalmente não caminharia muito longe sem seus préstimos. Mas se o corpo está pesado demais...

Calcula-se que, por caprichos da Física, para cada 1 quilo de peso que você ganha, os joelhos têm de aguentar de 3 ou 4 quilos a mais. Chega uma hora em que suas cartilagens não suportam a carga e começam a se esfacelar. "Na verdade, essa é a origem de tudo: o desgaste articular que está por trás daqueles estalos", explica o ortopedista e nutrólogo Moacir Bezerra de Menezes, que é preceptor da residência em Medicina do Esporte do CFO (Centro de Formação Olímpica), em Fortaleza, no Ceará.

Ou seja, o pontapé inicial não é uma inflamação. Mas ela surge como inevitável consequência — e dói. "A obesidade está nitidamente na raiz da maioria dos casos de osteoartrite e é um fator decisivo para a sua progressão", diz o médico. "Por outro lado, perder peso melhora as queixas não só de dor, mas de outros sintomas."

Quanto aos outros sintomas, o doutor se refere à perda de mobilidade e, portanto, de função no dia a dia. Sem contar o alargamento do osso, feito um bico-de-papagaio nos joelhos, e a rigidez matinal. Ah, esta quase sempre aparece! A pessoa acorda sentindo os joelhos como se fossem dobradiças enferrujadas. "A sensação some depois de no máximo meia hora, mas atrapalha bastante o início do dia", nota o doutor Bezerra.

Emagrecer para aliviar

Checar se a dor diminuiria com o emagrecimento foi um dos principais objetivos de um estudo recente publicado no New England Journal of Medicine, o STEP 9. Ele envolveu pacientes de 11 países, sendo conduzido por pesquisadores de centros na Dinamarca, nos Estados Unidos, na França, no Canadá, na Noruega e na Suécia. Afinal, a dor da osteoartrite é de longe o que incomoda mais nessa doença, encontrando-se entre as maiores causas de afastamento do trabalho, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde).

No Brasil, o Ministério da Saúde calcula que essa dor sem trégua seja responsável por 7,5% das faltas no serviço. Tudo bem que, nessas estimativas, estão considerando os casos dolorosos de osteoartrite em qualquer articulação, colocando todos no mesmo pacote. Mas é sabido que a dos joelhos é a mais frequente em mulheres — nos homens perde para a do fêmur.

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A razão está nas diferenças anatômicas: a bacia feminina mais larga por natureza tende a deixar os joelhos ligeiramente voltados para dentro. Isso, somado a fatores hormonais, os torna mais vulneráveis a desgastes com o tempo — e com o peso.

Não à toa, oito em cada dez dos 407 participantes do STEP 9 eram do sexo feminino. Mas todos, tanto homens quanto mulheres, tinham diagnóstico comprovado por imagem e exames clínicos de osteoartrite nos joelhos. E a idade média foi de 56 anos, o que chama a atenção porque, no passado, essa doença articular dava as caras bem depois dos 60. A precocidade, porém, tem sua razão: estamos em um mundo em que a obesidade cresce desde a tenra idade. A lógica é que os joelhos comecem a sofrer cada vez mais cedo.

O IMC (índice de massa corporal) dos pacientes que fizeram parte do STEP 9 era de 40 kg/m2, em média. Ou seja, a maioria tinha obesidade grau 2 ou 3. A balança acusava o peso em torno de 108 quilos. E, sendo assim, como essas pessoas sofriam com seus joelhos!

No início da investigação, quando responderam um questionário validado cientificamente para avaliar seu sofrimento — o tal questionário é o WOMAC (de Western Ontario and McMaster Universities Osteoarthritis Índex) —, o resultado foi um índice de dor acima 70, sendo que o escore ia de zero a 100.

O indivíduos foram, então, sorteados. E, sem que ninguém soubesse quem era quem — nem eles, nem os pesquisadores —, dois terços receberam uma injeção subcutânea semanal de 2,4 miligramas de semaglutida, remédio contra a obesidade. O outro terço recebeu um placebo, um medicamento de mentirinha, digamos assim. Mas todos, sem exceção, foram muito bem orientados sobre mudanças no estilo de vida, com dieta e exercícios para perder o excesso de gordura corporal.

Além de diminuir a carga

"Passadas as 68 semanas de acompanhamento, quem usou placebo perdeu cerca de 3,2% do peso inicial só com dieta e exercício, enquanto a perda média de quem, além disso, se tratou com semaglutida ficou 13,7%", conta o doutor Bezerra.

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Na primeira turma, a dor diminuiu: caiu cerca de 27 pontos no escore do WOMAC. O que, para o médico cearense, faz todo o sentido: "Quando alguém com obesidade perde 1% do excesso de peso, nós já vemos diferença nos sintomas da osteoartrite", garante.

No entanto, o índice de dor caiu bem mais, perto de 41 pontos, entre os que usaram a semaglutida. A primeira coisa que você pode pensar é que — fácil entender! — essa gente eliminou muito mais quilos e, consequentemente, tornou mais leve a carga sobre os joelhos. Mas talvez haja mais coisa aí, o que poderá render estudos futuros.

"Os autores até escrevem no finalzinho da publicação que o STEP 9 não foi desenhado para investigar os mecanismos por trás de um eventual alívio da dor", relembra o doutor Bezerra. É fato: os pesquisadores queriam apenas ver se ela diminuiria e se, quanto maior o emagrecimento, maior seria a sua redução. O que, aliás, conseguiram comprovar.

No entanto, ninguém descarta que o medicamento possa ter efeitos indiretos, por assim dizer. "A obesidade é uma doença que provoca inflamação por todo o organismo. Aquela gordura acumulada no abdômen, em especial, libera diversas substâncias inflamatórias capazes de afetar as articulações." Ou seja, independentemente da quantidade de quilos, a ação anti-inflamatória pode ser crucial nessa história.

Detalhe: entre os que usaram semaglutida, a circunferência abdominal encolheu aproximadamente 13 centímetros, indicando o sumiço da gordura com potencial para agravar inflamações. A dos joelhos, incluída.

Manter o novo peso

Para o doutor Bezerra, o grande problema é assegurar a manutenção do novo peso — e, nesse sentido, vamos reconhecer que o tratamento farmacológico costuma ajudar bastante. "É a parte mais difícil e, infelizmente, muitas vezes frustrante para os pacientes com obesidade. Muitos recuperam o peso com o tempo", diz ele.

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Para os joelhos, o reganho dos quilos perdidos é desastroso. Não se retorna à estaca zero, começando tudo outra vez. Volta-se ao estágio em que a doença articular foi estancada, retomando, então, sua progressão de onde parou.

Isso atrapalha até mesmo a prática de atividade física. Ela, diga-se, é recomendada em todas as diretrizes de tratamento de osteoartrite. "A pessoa deve evitar apenas os exercícios de impacto, como a corrida. O fortalecimento muscular ajuda na sustentação, poupando a articulação desgastada. Há trabalhos, inclusive, demonstrando que, quanto maior o volume dos músculos das coxas, menor o índice de dor da osteoartrite nos joelhos", conta o médico.

Ele nota, porém, que joelhos doloridos (e travados) são frequentemente usados como argumento para a pessoa não se exercitar. Aí, tudo piora de vez — a dor articular, o avanço da osteoartrite pela musculatura enfraquecida e o risco de outras doenças que acompanham o excesso de peso, como as cardiovasculares, que acabam catapultadas pelo sedentarismo. Pois é, joelhos e coração podem sofrer juntos quando a obesidade não é tratada.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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