Lúcia Helena

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Reportagem

Um jeito mais simples de tratar arritmia em quem tem insuficiência cardíaca

Certa vez ouvi que, na Cardiologia, todos os problemas costumam levar, de um jeito ou de outro, à insuficiência cardíaca. E agora aprendi que, se é assim, as arritmias podem ser um atalho.

Quando os batimentos do coração saem do compasso — ou apressados além da conta ou ficando lentos demais —, isso é capaz de criar as condições para o bombeamento do sangue deixar de ser como antes.

Quem me deu a lição foi o cardiologista André D'Avila, que desde o final do ano passado divide o seu tempo atendendo em sua cidade natal, Florianópolis, e Boston, nos Estados Unidos, onde há cinco anos lidera a área de arritmias do Beth Israel Deaconess Medical Center, hospital-escola da Universidade Harvard. Antes disso, ele foi codiretor de outro serviço de arritmias de peso, o do Mount Sinai Hospital, em Nova York.

No Brasil, o doutor D'Avila está à frente de um estudo que já está acelerando o peito de seus colegas do mundo inteiro. Ao lado de sua equipe e do Hospital Moinho de Ventos, no Rio Grande do Sul, ele conduz o Physio-Sync. "Estamos, agora, na fase de analisar os dados", conta. Os resultados são esperados para o início do segundo semestre deste ano e, provavelmente, serão exibidos durante o Congresso Europeu de Cardiologia, programado para essa época.

A investigação foi totalmente financiada pelo Proadi-SUS (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde) do Ministério da Saúde. Ela testa uma tecnologia mais simples e bem mais barata do que a que vem sendo aplicada para tratar arritmias e, quem sabe, até reverter alguns quadros de insuficiência. Estamos falando do que está sendo chamado de marcapasso fisiológico ou, ainda, marcapasso do sistema de condução. Ele, aliás, já vem se transformando na escolha preferencial em serviços particulares de diversos países, como o do próprio doutor André D'Avila em Santa Catarina.

Por que o estudo chama a atenção

"Se essa alternativa se mostrar igual ou até melhor que o marcapasso especial, conhecido como ressincronizador — que era o que vínhamos implantando nos pacientes com arritmias e insuficiência cardíaca —, ela representará uma enorme economia de dinheiro para o SUS", diz o médico. "E, com isso, mais gente conseguirá ser tratada no sistema público."

Para ter uma dimensão da necessidade de ampliar o acesso a tratamento, segundo a Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas mais de 20 milhões de pessoas no nosso país sofrem dessa condição, gerando mais de 320 mil mortes súbitas por ano. É muita gente!

No entanto, a expectativa de médicos de outros cantos do globo não gira em torno só de uma possível redução de custos. "Para começo de conversa, com 180 participantes, esse é o maior estudo randomizado já feito para comparar os dois tipos de marcapasso", afirma o doutor D'Avila. "Randomizado", na linguagem dos cientistas, porque os indivíduos foram sorteados. Uma parte fez o tratamento mais caro de sempre, com o ressincronizador. E outra recebeu o marcapasso fisiológico, proposta terapêutica que é mais recente.

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E não é só isso: os pacientes do estudo, todos com arritmia e insuficiência cardíaca, vieram de oito estados brasileiros, com aquela heterogeneidade que é toda nossa. Metade do grupo é formada por pessoas negras. E 51%, mulheres. Acredite que a mistura de características é uma qualidade rara nos trabalhos de Medicina e faz com que, em princípio, seja possível extrapolar o que for visto no Physio-Sync para qualquer lugar do planeta.

"Claro, serão necessárias mais pesquisas para comprovar o que acharmos. Mas o nosso estudo será uma bela pista do quanto essa tecnologia, que surgiu há cerca de seis anos apenas, poderá ser uma boa pedida para esses pacientes", explica o doutor D'Avila.

Como uma arritmia leva à insuficiência cardíaca

O coração tem o seu próprio sistema elétrico, o nó sinusal — ele lembra um nozinho mesmo, gerando impulsos regulares para ordenar a contração do seu músculo. Esses sinais de eletricidade, por sua vez, viajam por duas espécies de fios naturais, ou melhor, dois ramos nervosos. Um segue para o lado direito. O outro? Ah, o que vai para a esquerda, precisamos reconhecer, pega o lado principal nessa história. Ora, a parede esquerda da musculatura cardíaca é a mais poderosa, já que é a grande responsável por ejetar o sangue oxigenado vigorosamente para todo o corpo.

E aí é que está: "Em muitos pacientes com insuficiência cardíaca, encontramos um ramo esquerdo que não está funcionando a contento", explica o doutor D'Avila. "Isso desorganiza completamente a contração desse lado. O coração continua batendo, é lógico. Mas a eficiência desse batimento cai porque a parte elétrica está comprometida. Por isso, se eu consigo controlar essa arritmia do ramo esquerdo, posso até reverter alguns quadros de insuficiência."

Se nada é feito, porém, o coração tenta se defender como pode. Quando é um caso em que ele vive acelerado, disparando 180 ou 190 batimentos por minuto como se estivesse em uma eterna maratona, mesmo com o corpo parado ou dormindo, o músculo começa a crescer e crescer. Só que esse crescimento não se traduz em força. Ao contrário: é quase uma flacidez.

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"Outra circunstância, aquela que encontramos quando há danos no tal ramo nervoso esquerdo, é quando os dois lados do coração não se contraem ao mesmo tempo", descreve o médico. "Então, um atrapalha o outro" Diante da queda de braço entre a parte da esquerda e a da direita, cada uma puxando para o seu lado em tempos diferentes, o coração também reage crescendo. E perdendo força, numa tentativa de acabar com aquilo. Só que se dá mal.

Alternativas de tratamento

O ressincronizador que, faz tempo, vem prestando bons serviços ao peito de muita gente nesse impasse é um marcapasso especial. "Nele, há cabos que são conectados em diversas regiões do lado esquerdo do músculo cardíaco, fazendo com que ele bata em sincronia com o lado oposto", descreve o doutor D'Avila.

Já o marcapasso fisiológico é um dispositivo convencional, que já existia há muitos anos, com um cabo de silicone. A novidade é conectá-lo não mais ao músculo, mas diretamente ao nervo que segue pelo lado esquerdo do coração.

Há vantagens nisso, além do preço menor, que já foi citado. A primeira delas é ter um fio a menos. "Isso reduz o risco de infecções", informa o doutor D'Avila. Sem contar que a condução do sinal elétrico é muito melhor quando ele segue pelo lugar programado pela natureza, que seria o nervo — daí o marcapasso ser chamado de fisiológico. "Quando os impulsos são conduzidos pelo músculo, há sem dúvida uma perda", observa o médico.

Não à toa, em outros trabalhos — menores e com uma população menos diversificada —, os pacientes se sentiram muito melhor com a nova saída. E é isso o que vamos ver se acontece também com os pacientes do SUS. Os pesquisadores estão analisando se o marcapasso fisiológico, conectado no ramo esquerdo, diminui sintomas, necessidade de remédios, corridas a serviços de emergência, internações e mortes. Se empatar com o marcapasso especial, aquele com cabos conectados ao músculo, já será uma vitória e tanto — uma revelação preciosa para quem é atendido no SUS ou em qualquer outro canto. Agora é aguardar.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

5 comentários

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Rosana de Souza Gomes

Muito bom saber que temos uma pesquisa como essa financia pelo Ministério da Saúde e que trará benefícios a todos os brasileiros.

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Francisco Cuenca Molina

Desculpe mas o marca-passo fisiológico seria um aparelho semelhante aos atuais mudando apenas na mudança  de contato dos eletrodos?

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