Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Vitaminas, suplementos e chás naturais podem fazer mal à saúde
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Há três anos, sob orientação do hepatologista e professor titular da Faculdade de Medicina da UFBA Raymundo Paraná, pesquisei casos de hepatite fulminante causada por suplementos e chás naturais. O intuito era fazer uma matéria para o Portal Drauzio Varella sobre os problemas do uso indiscriminado desses produtos, que são vendidos em academias, na internet, em lojas, farmácias e até em programas vespertinos de televisão.
Deparei-me com jovens saudáveis que desenvolveram hepatite fulminante, como a enfermeira Edmara Silva Abreu, de 42 anos, que após consumir um composto de ervas para emagrecer, precisou de um transplante de fígado e morreu em São Paulo. Quadros semelhantes são bem menos raros do que imaginamos. Conversei com pessoas que tiveram problemas graves de saúde que as levaram a semanas de hospitalização, tratamentos dispendiosos e, em alguns casos, transplante de fígado. Muitos demoraram muito tempo para procurar ajuda médica e obter o diagnóstico correto, pois nem todos os pacientes referem o uso de suplementação.
É comum que, ao chegarem aos serviços de saúde, as pessoas não contem que estão tomando substâncias tóxicas exatamente por não considerá-las como tal. Além disso, mesmo que o façam, nem sempre é possível identificar todos os ingredientes contidos em pós e cápsulas de produtos muitas vezes não fiscalizados. Um dos pacientes com quem conversei, por exemplo, sofreu uma arritmia cardíaca e só soube que consumira anabolizantes depois de o médico mandar analisar o conteúdo de um suplemento importado que o rapaz utilizava para aumentar a massa muscular.
Os consumidores desses suplementos são pessoas que buscam emagrecer, prevenir doenças, frear o processo de envelhecimento, fazer um "detox" ou aumentar a imunidade ou a musculatura, de preferência em pouco tempo. Caem nas falsas promessas de leigos e profissionais de saúde mal preparados ou mal-intencionados que indicam esses produtos alegando que, como são naturais, não causam danos ao organismo.
De acordo com o dr. Paraná, a suplementação de micronutrientes, entre eles as vitaminas, só é indicada para pessoas com determinadas condições crônicas, em tratamento de doenças ou com hipovitaminoses (carências de vitaminas) que não podem ser tratadas com uma alimentação equilibrada. Além desses, atletas de alta performance, sob orientação técnica precisa, podem se beneficiar da suplementação.
A maioria das pessoas, entre elas aquelas que praticam exercícios físicos regulares, consegue obter todos os micronutrientes necessários com uma alimentação onívora variada e saudável sem precisar recorrer a suplementos enlatados ou a multivitamínicos que podem levar à hipervitaminose, ou excesso de vitaminas, em especial das vitaminas A, D e do complexo B, que em doses altas podem causar lesão no fígado e nos rins.
Para entender por que consumimos tantos produtos tidos como naturais, é preciso voltar na história do país. Até a década de 1990, antes do SUS, ter acesso a serviços de saúde era privilégio de quem tinha registro em carteira de trabalho ou dinheiro para pagar serviços privados. A maioria da população precisava se virar quando ficava doente. Isso significava contar com técnicas e receitas caseiras para tratar doenças e problemas de saúde.
O mercado de suplementos e vitaminas explora a crença de que produtos naturais não fazem mal à saúde. Além disso, a falta de letramento em ciência e o acesso precário a serviços de saúde fazem com que uma infinidade de pessoas consuma chás e produtos com ervas sem ao menos saberem qual seu conteúdo exato.
Produtos herbais com altas concentrações de ervas como chá verde, cavalinha, erva-de-são-João, centelha asiática e picão, que são hepatotóxicas (nocivas para o fígado), podem ser encontrados com facilidade na internet. Sua venda sustenta um mercado bilionário, que no Brasil faturou 2,8 bilhões de reais em 2018, 8,5% a mais do que no ano anterior (dados: Brasnutri) e é um dos maiores do mundo.
Apesar de a legislação brasileira ser mais severa que a dos Estados Unidos, de onde é importada boa parte dos produtos vendidos online, a Anvisa, órgão responsável por fiscalizar esses produtos, não aplica aos suplementos as mesmas regras rígidas que impõe aos medicamentos.
Muitos produtos não têm controle de dose ou de interação para verificar se podem ser associados a outras substâncias, não passam por estudos rigorosos nem sequer são fiscalizados por órgãos competentes.
Em tempos de críticas ao negacionismo, não custa lembrar que há um mercado muito lucrativo que empurra centenas de produtos que não só não cumprem o que prometem como podem causar mal à saúde de pessoas que não têm conhecimento suficiente para se defender.
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