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Mariana Varella

REPORTAGEM

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As dificuldades do diagnóstico de endometriose

A endometriose gera cólicas menstruais intensas, dor durante a relação sexual e, por vezes, até fora do período menstrual - iStock
A endometriose gera cólicas menstruais intensas, dor durante a relação sexual e, por vezes, até fora do período menstrual Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

24/08/2022 04h00

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No mês passado, a cantora Anitta comentou em suas redes sociais que se submeteria a uma cirurgia para tratar a endometriose, trazendo à tona uma série de manifestações acerca da demora em se conseguir o diagnóstico da doença.

A endometriose é causada pela menstruação retrógrada, em que células do endométrio, que revestem o interior do útero, não são expelidas durante a menstruação e caem na cavidade abdominal. A partir daí, elas se implantam no intestino, na bexiga, no peritônio (membrana que recobre os órgãos pélvicos e a parede abdominal), na vagina, atrás do colo do útero, entre outros locais, conforme explicou a ginecologista e obstetra Kelly Cristina Tavares, em entrevista ao podcast "Por que Dói?".

Esses implantes endometrióticos provocam um processo inflamatório doloroso, que piora com o passar dos anos e gera cólicas menstruais intensas, dor durante a relação sexual e, por vezes, até fora do período menstrual.

Embora haja 6,5 milhões de mulheres com endometriose no Brasil, segundo um levantamento feito em 2020 pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro, elas levam de 8 a 10 anos, em média, para saberem que têm a doença. Isso significa anos de idas frequentes a médicos, exames variados, gastos e sofrimento físico e psicológico para, por fim, conseguir entender o que acontece e iniciar o tratamento.

"Os sintomas da endometriose podem surgir em outras situações, não são específicos, o que dificulta o diagnóstico", explica a ginecologista e obstetra Renata Lopes Ribeiro, mestre em ciências pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo).

Além disso, é comum que mulheres acreditem que é normal sentir dor intensa ao menstruar, um dos sintomas da doença. Desde meninas aprendemos que a menstruação é algo desagradável e doloroso, mas que deve ser suportado, de preferência sem alarde.
Falar sobre menstruação com naturalidade é algo recente na nossa cultura, e ainda pouco comum em determinados meios. Sem parâmetros, fica difícil para uma mulher entender se seu fluxo é normal ou se a dor que sente é muito intensa a ponto de precisar de ajuda médica.

Soma-se a isso o fato de que muitos médicos menosprezam as queixas, o que é frequente em relação a problemas relacionados à saúde da mulher. Muitos profissionais de saúde não estão preparados para identificar os sintomas da doença, e acabam atribuindo-os a outros problemas.

Outro sintoma relacionado à doença é a dispaurenia, a dor durante o sexo. "A dor na relação sexual na posição de quatro apoios é bem característica, mas muitas pacientes ficam constrangidas ao relatar o sintoma ou acham que é assim mesmo, que sempre dói", esclarece a obstetra Renata Lopes Ribeiro.

Poucas mulheres se sentem à vontade para compartilhar informações sobre sua vida sexual, mesmo com o médico. E, verdade seja dita, poucos médicos perguntam, até para não constranger as pacientes. "As pacientes ficam envergonhadas de falar sobre o assunto com o ginecologista, imagine com outros profissionais", completa Ribeiro.

Outro fator que dificulta o diagnóstico é que os exames mais específicos, como o ultrassom ginecológico com doppler e preparo intestinal, são caros e precisam ser realizados por especialistas que nem sempre podem ser encontrados em todas as regiões e centros de saúde do Brasil. "Os exames de rotina não detectam a endometriose", avisa Renata Lopes Ribeiro. "O ultrassom com preparo intestinal é considerado o padrão ouro [para o diagnóstico]", concorda a médica Kelly Cristina.

Com todos esses entraves, é de se esperar que o diagnóstico leve tempo. Mas isso tem mudado aos poucos, conforme há mais informações sobre a doença e sobre o fato de que as mulheres não devem sentir dores incapacitantes e achar que isso é normal.

O diagnóstico é importante porque a endometriose não tem cura, é uma doença crônica, mas pode, sim, ser controlada. O tratamento, em geral, envolve a suspensão da menstruação e, em casos mais graves, quando a endometriose atinge órgãos mais importantes como intestino e bexiga, é indicada a cirurgia, em geral por videolaparoscopia.

"O importante é a mulher perceber que, se a dor impacta o dia a dia, se reduz a qualidade de vida, se a faz perder dias de trabalho ou estudo, se dificulta uma vida sexual satisfatória, ela deve procurar ajuda médica", enfatiza Ribeiro.