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Mariana Varella

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Saúde Única': a forma de evitar que zoonoses se tornem mais frequentes

O conceito de "Saúde Única" é cuidar de tudo que habita o planeta, para evitar desequilíbrios que favoreçam a disseminação de doenças - iStock
O conceito de 'Saúde Única' é cuidar de tudo que habita o planeta, para evitar desequilíbrios que favoreçam a disseminação de doenças Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

28/06/2023 04h00

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Zoonoses são doenças que passam de animais para seres humanos. São causadas por micro-organismos que se adaptam e evoluem a ponto de migrarem de uma espécie de hospedeiro para outra.

Em geral, essas doenças acometem animais silvestres e domésticos e, em algum momento, "pulam" para a espécie humana, provocando doenças e mortes.

Nas últimas décadas, o mundo assistiu a surtos, epidemias e pandemias de várias zoonoses, como febre maculosa, ebola, Sars, mpox, febre amarela e a própria covid-19.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), há mais de 200 zoonoses conhecidas, e cerca de 60% das doenças infectocontagiosas que atingem seres humanos tiveram origem em animais.

Zoonoses sempre existiram, mas não há como ignorar que elas estão se tornando cada vez mais frequentes. Pior: especialistas alertam para o perigo iminente de outra pandemia provocada por uma zoonose.

Em 2020, quando o mundo vivia o auge da pandemia de covid-19, a ONU lançou um relatório em que advertia o mundo para o risco do aumento de zoonoses, caso não haja ações coordenadas para proteger a vida selvagem e o meio ambiente.

De acordo com a organização, as mudanças climáticas, a extração de recursos naturais e a degradação de terras estão modificando a maneira como animais e seres humanos interagem.

O relatório afirma que a construção de barragens, o confinamento de animais, a intensificação da agricultura e a expansão das cidades, que levam a destruição de ecossistemas, são responsáveis pelo aumento das zoonoses, que matam cerca de 2 milhões de pessoas por ano.

Não à toa, há cada vez mais pesquisas e estudos acadêmicos relacionando crise climática, destruição do meio ambiente e saúde, com ênfase no surgimento de surtos, epidemias e pandemias causadas por zoonoses

Para enfrentar novas epidemias e pandemias, a ONU defende o conceito de One Health (Saúde Única) que integra, de forma interdisciplinar, várias esferas da saúde global. O conceito reconhece a interconectividade de todos os sistemas vivos que habitam o planeta.

De acordo com a abordagem, seres humanos, animais e meio ambiente estão interligados, e um desequilíbrio em um dos sistemas pode desencadear um efeito dominó com potencial de afetar a todos.

A ideia de Saúde Única é promover a interdisciplinaridade de várias áreas da ciência e compreender que as zoonoses não são causadas por patógenos isoladamente. Para evitá-las, é preciso entender como o comportamento humano afeta a natureza e pode colaborar para a disseminação de doenças.

A partir daí, todos os países devem atuar em conjunto para modificar as ações que agridem ecossistemas, adotando e incrementando medidas de biossegurança que ajudem a detectar e deter surtos.

A ONU chama a atenção para o fato de que é necessário construir sistemas alimentares agroecológicos que aproveitem a diversidade biológica na produção de alimentos e protejam habitats essenciais para a vida selvagem, entre outras medidas.
Parece óbvio, mas é preciso repetir: o planeta é um só, e conservá-lo é função de todos os países.

Animais

É comum que os animais que também sofrem com as infecções sejam estigmatizados e, muitas vezes, mortos por pessoas que não compreendem que não são eles os responsáveis pela transmissão direta de doenças.

Com o surto de febre maculosa em Campinas, que matou quatro pessoas, todas participantes de um mesmo evento na cidade, ocorrido no fim de maio, não demorou para que as capivaras, principais hospedeiros do carrapato-estrela, verdadeiro transmissor da enfermidade, fossem apontadas como as vilãs da vez, embora sejam tão vítimas como os seres humanos.

O mais correto, no entanto, seria compreender o papel de outro mamífero no aumento da circulação de zoonoses: o ser humano. Afinal, é ele quem modifica, destrói e invade o habitat natural de animais, alterando o equilíbrio ecológico responsável por manter animais selvagens distantes das zonas urbanas.

Com a destruição das matas ciliares para a construção de rodovias, pastagens e culturas agrícolas, as capivaras foram forçadas a mudar seu comportamento para se adaptar às alterações em seu habitat natural. Hoje, elas são presença constante perto de rios e lagoas de diversas cidades urbanas brasileiras. Em São Paulo, por exemplo, é comum avistá-las às margens dos rios Pinheiros e Tietê.

Outro animal que já sofreu graças a ignorância dos seres humanos foi o macaco. O ano de 2017 ficou marcado como um dos maiores períodos de mortandade de primatas da história, segundo a Sociedade Brasileira de Primatologia (SBPr). Isso porque houve um surto de febre amarela silvestre no país no período.

No entanto, os animais não morreram apenas da doença: com medo da infecção, várias pessoas mataram os macacos por não compreenderem que eles são vítimas do vírus da febre amarela como nós.

Eliminar os animais não é solução para evitar as zoonoses. É preciso monitorar e controlar as populações de animais arrancados de seu habitat natural e convencer o ser humano de que intervir no equilíbrio ecológico tem um preço que, a julgar pelas últimas décadas, será cada vez mais alto.