Mariana Varella

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Opinião

Como ocorrem as doações e transplantes de órgãos no Brasil?

A notícia de que o apresentador Fausto Silva aguarda a doação de um coração para realizar um transplante cardíaco suscitou dúvidas sobre o processo de doação e transplante de órgãos.

Alguns se chocaram com o fato de que, muitas vezes, as pessoas morrem enquanto aguardam um transplante porque não encontram um órgão disponível. Outras revelaram não compreender os critérios para entrar na chamada "fila dos transplantes". Há, ainda, diversas histórias mentirosas a respeito da venda e roubo de órgãos circulando na internet.

O Brasil tem o maior sistema público de transplantes do mundo, todo ele organizado pelo SUS. Mesmo assim, de acordo com o Sistema Nacional de Transplantes (SNT), 65.911 pessoas aguardam um transplante no Brasil.

Rim (36.960) e córnea (25.689) lideram a lista. Precisar de um coração, como Fausto Silva, é mais raro: no momento, 386 pessoas esperam pelo órgão no país.

O estado com maior número de pessoas na lista é São Paulo (23.671), seguido de Minas Gerais (7.096) e Rio de Janeiro (6.138).

Até o momento, foram realizados 11.264 transplantes este ano, a maioria de córnea (5.946).

Primeiramente, é preciso explicar como ocorrem os transplantes de órgãos. Existem dois tipos de doadores, os vivos e os com morte encefálica confirmada.

As pessoas que estejam em boas condições físicas e que possam fazer a doação sem comprometer sua saúde podem doar rim, medula óssea, parte do fígado e, mais raramente, parte do pulmão.

Já as pessoas com morte encefálica podem salvar até oito vidas, doando coração, válvulas cardíacas, pulmão, fígado, córneas, pâncreas, rins, intestino, ossos e pele.

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Muitas pessoas têm receio de doar por não compreenderem o significado de morte encefálica, atestada quando não há mais nenhuma função neurológica. Ela é, portanto, irreversível e só ocorre em pacientes hospitalizados (em geral, que sofreram AVC ou traumas craniencefálicos), que estejam respirando com a ajuda de aparelhos.

É impossível confundi-la com o coma, por exemplo, e os médicos são muito rigorosos ao atestá-la. Para isso, são realizados vários exames clínicos, que devem ser repetidos com intervalo de algumas horas.

Após declarada a morte encefálica, se for do desejo da família, pode ocorrer a doação de órgãos.

Aqui há um ponto importante, pois muitas pessoas pensam que se o indivíduo deixar registrado o interesse em ser doador, a família é obrigada a aceitar a doação. Contudo, a lei determina que os parentes mais próximos são os responsáveis por autorizar ou negar a doação, independentemente do desejo do suposto doador.

Assim, quem deseja se tornar um doador, deve conversar com a família e convencê-la da sua vontade.

Se a autorização for feita, o doador passa por exames de sorologias de doenças infecciosas, como hepatite e toxoplasmose, e por uma avaliação dos órgãos a serem doados. Caso se encaixe nos critérios estabelecidos, o hospital aciona a Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos, também chamada de Central de Transplantes. A Central, então, passa todas as informações acerca dos órgãos disponíveis para a Organização de Procura de Órgão (OPO) da região, que se dirige ao hospital e avalia o doador e seus órgãos.

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A OPO, a seguir, notifica a Central de Transplantes, que emite uma lista de receptores inscritos que sejam compatíveis com o doador.

A Central informa a equipe de transplante e convoca o receptor. O transporte é feito com rapidez, porque o órgão, que deve ser transportado em uma caixa térmica sob temperatura baixa, fica viável fora do corpo por pouco tempo.

Em princípio, priorizam-se os receptores que estão no estado em que o órgão foi captado, exatamente para garantir a qualidade do órgão. Se não houver nenhum receptor compatível na região ou se o local não realizar o procedimento, então é acionada a Central Nacional, localizada em Brasília, para enviar o órgão para outro estado.

O corpo do doador pode ser velado e enterrado normalmente, já que ele é entregue à família em boas condições, apenas com uma cicatriz no abdômen.

Lista de espera

Outro fator que gera dúvidas diz respeito à chamada fila de espera, organizada pelo SUS. Os especialistas preferem chamá-la de lista de espera, por considerarem o nome mais adequado.

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De fato, não há exatamente uma fila, pois os receptores são separados com base em alguns critérios, como ordem de chegada, gravidade e compatibilidade com o doador. Crianças, por exemplo, têm prioridade quando concorrem com adultos.

É importante que fique claro: não há como pagar para passar na frente na lista ou obter qualquer vantagem. Também é impossível realizar um transplante fora de ambiente hospitalar.

O processo envolvendo a doação, captação e transplante de órgãos é extremamente complexo, exige vários profissionais especializados, de equipes diferentes, e segue critérios rígidos e bem definidos que não envolvem gastos ou ganhos financeiros para nenhuma das partes, nem o doador nem o receptor.

Desigualdades

Ao contrário do que diz o senso comum, os brasileiros têm interesse em doar órgãos. O que faltam são as condições para isso.
Existem desigualdades regionais nos transplantes de órgãos, pois não há uniformidade na distribuição dos serviços no país.
Há estados, como São Paulo, que contam com serviços de captação e transplantes bem estruturados, enquanto outros não realizam transplantes, ao menos não de todos os órgãos.

Isso faz com que vários órgãos que poderiam ser doados acabem se perdendo. A região Norte, por exemplo, não faz transplante de coração, órgão que se mantém viável apenas poucas horas fora do corpo. Assim, um coração que poderia ser captado no Amazonas, por exemplo, não pode ser aproveitado porque nenhum estado próximo realiza o procedimento.

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No caso do transplante de pulmão, apenas São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul e Ceará oferecem o serviço.

A desigualdade se reflete nos números. Em 2022, foram feitos 16.733 no país. Destes, apenas 576 foram realizados na região Norte.

Já São Paulo fez 2.718 procedimentos no mesmo período.

As regiões Norte e Centro-Oeste são as menos preparadas para captar doadores e realizar transplantes. No Nordeste, o Ceará, estado que investiu na área nas últimas décadas, é nacionalmente reconhecido por sua política estadual de transplantes.

Comparação

Em números absolutos, o Brasil, com 23.516 transplantes realizados em 2021 (dados do Ministério da Saúde), fica atrás apenas dos Estados Unidos, país com aproximadamente 334 milhões de habitantes e 42.217 transplantes feitos em 2021 (dados da OMS).

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A Espanha, cuja população é de cerca de 46 milhões de pessoas, é internacionalmente conhecida por ter o melhor programa de transplantes do mundo.

A Organización Nacional de Trasplantes (ONT), criada em 1989, conseguiu aumentar de 14 para 49 doadores por milhão de habitantes em 2019.

O país europeu investiu na formação de equipes que identificam possíveis casos, asseguram as boas condições dos órgãos e organizam as demais etapas do processo de forma integrada. Os espanhóis realizaram mais de 5 mil transplantes em 2022 (dados da OMS).

Fontes:

  • Associação Brasileira de Transplantes de Órgaos
  • Sistema Nacional de Transplantes
  • Portal Drauzio

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • Diferentemente do que dizia o texto, a Espanha realizou pouco mais de 5.300 transplantes em 2022. A informação foi corrigida.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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