DIU e implante subdérmico precisam chegar às adolescentes
A gravidez na adolescência é um grave problema de saúde pública. De acordo com os números do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos, do Ministério da Saúde, a frequência da gravidez na adolescência no Brasil vem diminuindo desde 2021, mas ainda é alta.
Entre 2015 e 2019, houve redução de 32,7% nos casos de gravidez entre adolescentes. No entanto, quando pensamos em números absolutos, temos diariamente 1.043 adolescentes que se tornam mães no país. Isso significa que de cada sete bebês brasileiros, um é filho de mãe adolescente.
Dos 44 bebês que nascem de adolescentes a cada hora, dois são filhos de meninas entre 10 e 14 anos, idade em que a relação sexual, mesmo que consentida, é considerada estupro no país.
A contracepção, que deveria ser responsabilidade de homens e mulheres, ainda recai quase exclusivamente sobre estas, em especial entre os adolescentes.
A gravidez nessa faixa etária pode trazer sérias consequências físicas, psicológicas, sociais e econômicas para as meninas, aumentando a taxa de evasão escolar, a dificuldade de entrar no mercado de trabalho, o risco de problemas de saúde decorrentes da gestação precoce, entre outras.
Portanto, diante de números tão expressivos de gravidez na adolescência, é essencial melhorar o acesso à informação e aos métodos anticoncepcionais para os adolescentes, que têm características que os tornam maus usuários de métodos contraceptivos de curta ação (SARCs, do inglês), como camisinha e pílula anticoncepcional.
Por sua vez, os métodos contraceptivos de ação prolongada (LARCs, também do inglês) são, além de altamente eficazes, de mais fácil adesão, pois seu efeito dura mais tempo.
Entre eles estão o dispositivo intrauterino (DIU), o sistema intrauterino (SIU) com hormônio, também chamado de DIU hormonal, e o implante hormonal subdérmico, que é inserido no tecido subdérmico do braço com anestesia local.
Contudo, no Brasil, eles são pouco utilizados. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS/IBGE) de 2019 revelaram que, entre as mulheres de 15 a 49 anos que ainda menstruavam e tinham sido sexualmente ativas nos 12 meses anteriores à coleta de informações, 22,9% usavam algum método de esterilização: a maioria (40,6%) havia escolhido a pílula anticoncepcional, seguida da laqueadura (17,3%) e vasectomia (5,6%), da camisinha masculina (20,4%) e de métodos injetáveis ( 9,8%); apenas 4,4% haviam optado pelo DIU,
Quando separamos os dados por escolaridade, cerca de 43% das usuárias de DIU tinham ensino superior, 42% tinham ensino médio e apenas 12% haviam completado o ensino fundamental. As mulheres sem instrução que adotavam o DIU como método anticoncepcional representavam apenas 2% das usuárias.
Temos poucos dados confiáveis sobre o uso de LARCs por adolescentes. De acordo com a PNS, entre jovens de 15 a 24 anos que usavam algum método anticoncepcional em 2019, 51% utilizavam a pílula e somente 2,8% o DIU, quase metade das mulheres de 25 a 34 anos que haviam escolhido o método (5,4%).
O SUS disponibiliza apenas o DIU de cobre para adolescentes —a oferta do implante subdérmico para essa faixa etária está disponível somente em alguns municípios brasileiros, e os DIUs hormonais só são oferecidos para o tratamento de determinadas doenças, como endometriose, e, em alguns municípios, como São Paulo, para adolescentes de regiões de vulnerabilidade social.
Assim, em grande parte do país, as adolescentes mais socialmente vulneráveis, exatamente as que mais engravidam de forma precoce, têm menos acesso aos LARCs.
Em dezembro de 2023, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) divulgou dados que mostram que o país norte-americano está no caminho oposto.
Houve uma queda expressiva na taxa de gravidez entre 15 e 19 anos nos EUA, provavelmente devido, entre outras medidas, ao aumento do uso de LARCs por essa população.
A taxa de adolescentes americanas que utilizam esses contraceptivos atingiu 19% entre 2015 e 2019, mais que o triplo do número de usuárias do período de 2011 a 2015.
Em entrevista ao Portal Drauzio, a ginecologista Thais Travassos elencou os motivos para que esses métodos sejam pouco usados no Brasil, entre eles a falta de informação da população, incluindo os profissionais de saúde.
Não é raro, por exemplo, escutar de médicos que adolescentes ou mulheres que nunca tiveram filhos (nulíparas) não devem usar o DIU, embora a OMS e a própria Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) afirmem que os benefícios dos dispositivos intrauterinos para adolescentes superam os riscos.
As vantagens do uso do DIU são incomparáveis às de outros métodos anticoncepcionais.
Em primeiro lugar, eles podem ser utilizados pela maioria das mulheres que não desejem engravidar.
Em segundo, duram muitos anos, o que facilita a adesão de mulheres muito jovens, que tendem a se esquecer de tomar a pílula diariamente.
Além disso, são mais efetivos que os métodos de barreira como diafragma, e mesmo os hormonais não liberam hormônios em grande quantidade, a ponto de interferirem significativamente no ciclo hormonal como os anticoncepcionais orais.
Os DIUs são feitos de cobre ou de cobre associado à prata e podem ser usados por até 10 anos. Os íons de cobre liberados na cavidade uterina agem no endométrio (tecido que reveste o útero) e têm ação espermicida, impedindo que os espermatozoides cheguem às tubas uterinas, onde ocorreria a fecundação.
Como esse tipo de DIU pode aumentar as cólicas e os sangramentos menstruais para algumas usuárias, não deve ser indicado para mulheres com problemas de coagulação e anemia, por exemplo.
Já os DIUs hormonais liberam uma pequena quantidade de progesterona no interior do útero, promovendo o espessamento do muco cervical, de forma a dificultar a passagem do espermatozoide, e impedindo o desenvolvimento do endométrio. Esses dispositivos reduzem ou até mesmo interrompem o fluxo menstrual, mas a mulher continua tendo ciclo hormonal. Além de serem indicados para a contracepção (duram mais de 5 anos), os SIUs podem ser utilizados no tratamento de doenças como adenomiose e endometriose.
A inserção do DIU é simples e pode ser feita em consultório, sem anestesia, na maioria das vezes. Algumas mulheres, no entanto, necessitam de sedação leve em centro cirúrgico. O DIU pode ser inserido por ginecologistas, médicos de família e enfermeiros tecnicamente treinados, o que torna o dispositivo mais acessível em regiões que não contam com ginecologistas.
Em junho do ano passado, o Ministério da Saúde emitiu nota técnica prometendo a ampliação da disponibilidade do DIU pelo SUS e recomendando que os enfermeiros também sejam designados para a inserção do DIU pelo SUS.
Os DIUs não hormonais são oferecidos pelo SUS, mas os hormonais só são ofertados em determinados hospitais públicos, para o tratamento de doenças específicas. Seu preço na rede privada pode passar de 1 mil reais.
Desde 2021, o Ministério da Saúde incorporou ao SUS o implante subdérmico de etonogestrel para a prevenção da gravidez não planejada, mas apenas para mulheres entre 18 e 49 anos em situação de vulnerabilidade.
Assim, o único LARC disponível para adolescentes no SUS —em todo o país— é o DIU de cobre.
É muito importante conscientizar os jovens de que a contracepção é responsabilidade do casal, independentemente se há vínculo afetivo na parceria sexual ou se a relação é casual.
Informar os jovens da importância da contracepção e estabelecer políticas públicas de saúde que garantam o acesso a métodos contraceptivos variados e os direitos reprodutivos e sexuais de todos os cidadãos é obrigação do Estado.
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