Mariana Varella

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Opinião

Trocou tabaco pelo 'vape'? Cigarros eletrônicos têm altas taxas de nicotina

A indústria tabagista vende a ilusão de que os cigarros eletrônicos ajudariam fumantes de cigarros convencionais a largarem o tabaco. Os dispositivos funcionariam, assim, como uma espécie de ferramenta para redução de danos: em vez de fumarem cigarros, que sabidamente causam uma série de doenças e cujos usuários vêm diminuindo nas últimas décadas, os fumantes poderiam optar por um produto que potencialmente faria menos mal à saúde até conseguirem abandonar de vez a adição.

Para corroborar esse argumento, a indústria conta com a ausência de estudos de longo prazo que comprovariam os danos causados pelos dispositivos eletrônicos após décadas de uso, já que o produto como o conhecemos hoje está há pouco mais de 20 anos no mercado.

Estudos recentes, no entanto, vêm demonstrando que os cigarros eletrônicos causam, sim, prejuízos à saúde, inclusive em usuários recentes. Além disso, alguns especialistas que atendem fumantes desses dispositivos arriscam afirmar que eles provocam ainda mais danos do que os cigarros convencionais, por uma série de fatores.

Nesse sentido, uma pesquisa lançada pelo Incor-FMUSP (Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e realizada com mais de 400 usuários de cigarros eletrônicos que frequentam bares e eventos no estado de São Paulo dá força aos críticos dos vapes. Feita em parceria com a Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo e o Laboratório de Toxicologia da Rede Premium de Equipamentos Multiusuários da FMUSP, que contou com o apoio da ACT - Promoção da Saúde, a pesquisa trouxe dados importantes sobre os cigarros eletrônicos.

Níveis altos de nicotina e doenças

A pesquisa revelou que 20% dos participantes declararam ter alguma doença, sendo asma, alergia e hipertensão as mais frequentes. Quando comparados com a população não fumante da mesma faixa etária, os usuários de cigarro eletrônico apresentaram uma prevalência maior de asma, possivelmente relacionada ao uso desses dispositivos, de acordo com os pesquisadores.

Os investigadores mediram também o nível de nicotina encontrado no organismo dos participantes da pesquisa. Em 13% dos usuários, os níveis superaram em até seis vezes os encontrados em fumantes de 20 cigarros comuns por dia (média de 400 ng/ml). Alguns usuários chegaram a apresentar níveis que variavam de 1.000 a 4.500 ng/ml.

O estudo associou as taxas de nicotina presentes nesses dispositivos ao aumento do risco de ansiedade. Usuários de dispositivos com quantidades muito elevadas de nicotina (> 400 mg/ml) apresentaram mais ansiedade que os usuários de dispositivos com menos nicotina.

"A ação da nicotina no cérebro causa sensação de bem-estar momentâneo, fazendo com que pessoas ansiosas tendam a usar o produto para esta finalidade, mas na medida que esta exposição se torna frequente, a própria ausência da nicotina aumenta a sensação de ansiedade, tornando o consumo ainda mais intenso, dificultando o abandono", esclareceu ao site do Incor Jaqueline Scholz, coordenadora da pesquisa e diretora Programa de Tratamento do Tabagismo do InCor, área de cardiologia.

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Outro dado merece destaque: enquanto um fumante de cigarro tradicional costuma dar cerca de 200 tragadas por dia, os usuários de cigarro eletrônico podem chegar a dar mais de 1.500 tragadas ao dia.

Outras substâncias tóxicas

Em 2018, uma revisão de 800 estudos feita pela National Academies of Science, Engineering and Medicine, nos Estados Unidos, revelou que os cigarros eletrônicos contêm mais de 80 substâncias tóxicas, entre elas propilenoglicol e a glicerina vegetal. Além disso, produzem outras substâncias potencialmente tóxicas, como acetaldeido e formaldeido, que podem causar doenças pulmonares e cardiovasculares.

Também contêm o herbicida acroleína, altamente tóxico e cancerígeno, que pode provocar lesões graves nos pulmões.

Usuários jovens

Os cigarros eletrônicos têm feito muito sucesso entre os jovens. Na pesquisa do Incor, a média de idade foi de 27 anos, sendo mais da metade (52%) pessoas entre 18 e 25 anos. Seu perfil socioeconômico também é elevado: 70% são brancos de classe média, com alto nível de escolaridade (96% tinham curso superior).

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De acordo com a pesquisa, apenas 40% dos entrevistados utilizavam cigarros comuns anteriormente, e 60% nunca haviam fumado antes de usar os cigarros eletrônicos. Assim, a pesquisa desmente o argumento da indústria do tabaco de que o cigarro eletrônico é voltado a fumantes de cigarros tradicionais que desejam parar de fumar.

Os jovens de hoje já nasceram em um país com um dos menores índices de fumantes do mundo (cerca de 10% dos brasileiros fumam atualmente). Nas últimas décadas, não poupamos esforços para, por meio de campanhas educativas e de restrições à propaganda, reduzir os consumidores de cigarros.

Outro dado que revela que o cigarro eletrônico não ajuda a parar de fumar é que 70% dos usuários entrevistados disseram já ter tentado parar de utilizar os dispositivos ao menos uma vez. Esse número sobe para 80% entre aqueles que relataram dependência moderada ou elevada.

Como são produtos relativamente novos, não surpreende que os entrevistados tenham afirmado fumar há pouco tempo. Cerca de 40% dos usuários usavam o produto há menos de um ano, 46% fumavam havia um a três anos, e 18% o utilizavam havia mais de três anos.

Embora os cigarros eletrônicos contenham altas doses de nicotina, 54% dos entrevistados disseram não saber que o produto continha a droga, e 8% afirmaram consumir produtos que não continham a substância, embora a pesquisa tenha encontrado, neste subgrupo, nicotina em 55% desses usuários.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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