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Nuno Cobra Jr

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Não ter saúde é o novo normal

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Imagem: iStock

Nuno Cobra Jr.

Colunista do VivaBem

31/03/2022 04h00

A saúde pública já está em colapso há algumas décadas, e não estamos fazendo nada para mudar isso.

O assunto que trago aqui é da mais alta importância, no entanto, misteriosamente, você não irá encontrá-lo em matérias escritas na imprensa, em pesquisas ou em qualquer outro lugar. Ele é um tabu e mexe em temas e protagonistas que poucos ousam falar: as indústrias bilionárias da "saúde corporal".

Há cinco décadas, a saúde pública vem se deteriorando de forma acelerada e exponencial. Assistimos, então, a uma escalada assustadora das doenças modernas e da obesidade, transformando o estilo de vida atual em uma grande oportunidade para grandes investidores no mercado da saúde, como hospitais, a indústria farmacêutica, a indústria das dietas e do treinamento físico, entre outros.

Quantas farmácias havia em seu bairro na década de 1980? Quantas existem agora?

O que acontece quando uma pandemia viral encontra uma população mundial já combalida em sua saúde física e mental?

Para entender com profundidade como o nosso estilo de vida se deteriorou em poucas décadas, veja o que escrevi na coluna: "A espécie humana "evoluiu" para a estagnação física e mental".

Poucas pessoas repararam nesse detalhe fundamental, mas grande parte da dificuldade em lidar com a covid e, consequentemente, o impacto econômico e social causado pelo vírus, deriva do estado de calamidade da saúde pública mundial.

Qual seria o impacto da covid se a população mundial tivesse um baixo índice de pessoas sedentárias, obesas, estressadas, insones, deprimidas, à beira de um ataque de nervos, e que não apresentassem diversas outras comorbidades?

Provavelmente, não teríamos de nos preocupar com o colapso do sistema hospitalar e poderíamos flexibilizar diversas outras questões.

No fim, qual lobby irá faturar alto com os hospitais cheios e ofertas bilionárias de medicamentos, testagem e vacinação mundial?

Pois é, em se tratando de saúde, a solução está na prevenção e não na remediação. E aqui surge a grande questão: quase todo o mercado da saúde está direcionado em propagar fórmulas comerciais, instantâneas e superficiais de remediar a sua saúde física e mental, fidelizando o cliente em uma abordagem que não colabora com a cura, mas, sim, em tornar o problema ainda mais crônico, já que não se mexe nas causas primordiais que geram e alimentam esse desequilíbrio orgânico.

É hora de assumir que a terapêutica adotada atualmente é um beco sem saída que termina em um precipício.

Chegou a hora de virar o jogo

Quando lancei o meu livro, em 2016, achei que já tinha feito a minha parte e que, a partir da análise didática e profunda de uma "indústria tóxica da saúde" que não colabora com a solução, se abriria um campo novo de discussão nessa área, pensando em formas de virar o jogo.

De lá para cá, o problema só se acentua e galopa velozmente em direção ao caos na saúde mundial. Mesmo assim, ainda nem começamos a colocar essa questão em discussão.

Será necessário atingir índices surreais e absurdos de obesidade, diabetes e outras comorbidades para acordamos para uma necessidade de regulação mínima em indústrias tóxicas, que manipulam e exploram a população, sobrecarregando o sistema de saúde?

Mal damos conta de cuidar da doença, quem dirá investir e cuidar da saúde de fato. Se o governo investisse, realmente, em saúde e prevenção, economizaria bilhões anualmente. Por exemplo, o Brasil gastou, em 2015, cerca de R$ 72 bilhões com o diabetes e suas complicações.

Para lançar um novo suplemento ou medicamento, você é obrigado a se reportar a órgãos reguladores exigentes e criteriosos, no entanto, para lançar um novo método de treinamento em escala mundial ou uma nova dieta milagrosa da moda, faturando centenas de milhões de dólares anualmente, você pode escolher o que achar melhor e ficar livre para comercializar o que bem entender.

Dessa forma, os métodos de emagrecimentos mais famosos, sem qualquer comprovação e apoio científico, que prejudicam a saúde pública mundial, como a dieta Dukan, tornam-se best-sellers e fenômenos de venda.

Seguindo o mesmo princípio, o método mais comercial e popular de treinamento físico, baseado em estratégias radicais para acelerar a perda de peso, algo que dificulta enormemente a adesão do aluno ao treinamento, foi desenvolvido e idealizado por um investidor do mercado financeiro que se tornou best-seller nos EUA e não tem formação, experiência ou conhecimento na área de saúde ou treinamento físico.

Para citar apenas a ponta do iceberg, aproximadamente, mais de 70 bilhões de dólares são gastos anualmente em dietas e produtos para perda de peso. No entanto, de forma surpreendente, todo esse investimento tem potencializado o aumento da obesidade mundial, já que 95% das pessoas que fazem dietas radicais e restritivas voltam ao peso inicial ou ganham ainda mais peso com o decorrer do tempo, ficando refém do efeito sanfona e desenvolvendo possíveis distúrbios e transtornos alimentares.

Nesse exato momento, bilhões de dólares estão sendo investidos em estratégias que não colaboram com a saúde pública, ao contrário, alimentam e potencializam os principais problemas.

Não ter saúde é o novo normal! É só tomar um remedinho e ir seguindo a vida, sem problema!

Lá na frente, isso vai abarrotar os hospitais e colapsar a saúde pública? "Isso não me diz respeito!", diz o cidadão contemporâneo, devidamente focado em suas próprias metas e objetivos.

Quem quer conversar seriamente sobre esses assuntos então?

Ninguém! Melhor não incomodar lobbies poderosos.