Opinião

'Você não parece ter dor': o que não falar para alguém com dor crônica

Você consegue pensar direito quando está com muita dor de cabeça? Você é capaz de se concentrar nas suas tarefas, ter interações sociais, fazer exercícios? Você fica desesperado atrás de um remédio pra fazer o desconforto passar logo?

Agora, imagine que ele não vai passar. Nem por um minuto. Eu lembro exatamente dessa sensação de pânico e impotência quando percebi que, talvez, eu teria que viver com dor o tempo inteiro. Parecia impossível, inimaginável, surreal demais pra ser verdade. Mas isso existe, e milhões de pessoas estão aí para provar.

Apesar de muitas vezes essa condição ser incapacitante, pessoas com dor estão ao seu redor, vivendo da maneira que é possível. E, como em qualquer doença crônica, precisam ouvir repetidamente os mesmos comentários.

Eu sempre digo que esses comentários vêm de um lugar de dúvida, desconhecimento ou vontade de ajudar, mas alguns podem impactar negativamente quem convive com uma condição crônica.

'Mas você está com dor agora?' ou 'De novo com dor?'

As pessoas acham muito estranho o fato de existir uma dor que não passa nunca, mas as minhas dores vivem comigo sem intervalos. É claro que existem dias melhores, em que consigo me distrair a ponto de esquecer por uns instantes. Mas elas estão sempre aqui.

Lembro de uma noite em que estava com tanta dor que fui correndo ao hospital, mesmo após muitas idas improdutivas. Chegando lá, me deram todos os analgésicos possíveis, subindo degrau por degrau até chegar no último lance: a morfina. Passei mal, e minha dor não mudou absolutamente nada. Isso me deixou muito assustada. Como assim, nem com morfina?

Diferente da dor aguda, que deriva de uma lesão e passa após o término do tratamento, a dor crônica dura mais de três meses e envolve modificações no sistema nervoso central. O tratamento é muito complexo e multidisciplinar e, no meu caso, há baixas chances de um analgésico resolver alguma coisa.

'Essa dor é coisa da sua cabeça'

Quando você faz dezenas de exames e os médicos dizem que não há nada de errado com você, é muito comum ouvir que a dor deve ser psicológica, ou "coisa da nossa cabeça".

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De fato, a dor vem literalmente do cérebro —é um sinal de alerta para avisar que estamos em perigo, ou que algo está errado. Ela serve para nos proteger. Mas, às vezes, esse sistema de alarme pode estar danificado e o cérebro pode enviar mensagens de dor mesmo na ausência de qualquer lesão aparente nos exames.

É claro que as emoções também influenciam o nível de dor, mas não são a única causa do problema. Esse tipo de comentário pode fazer o paciente se sentir muito culpado, como se estivesse louco ou inventando coisas.

'Tem gente que está pior que você'

Definitivamente sim. Durante muito tempo, eu me vi imersa nessa competição de quem sofre mais, achando que o meu problema era o maior de todos. Mas comparar sofrimentos é algo cruel e injusto, porque todas as dores são subjetivas.

E não estou falando apenas de comentários que já ouvi como "pelo menos você não tem câncer", mas também sobre comparar pessoas com dor crônica. Lembro de uma frase específica que ficou gravada em mim.

Estava participando de um grupo de dor de um hospital muito reconhecido em São Paulo e, em determinado momento, me colocaram em uma sala com cerca de 20 médicos. Estava sofrendo e chorando, dizendo para a médica-chefe que sentia dor há um ano. Eu estava completamente vulnerável e sem respostas. Com uma voz debochada, a profissional de saúde me respondeu que "tem gente que está com dor há 40 anos". Como se a minha não importasse.

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'Você não parece estar com dor'

Eu percebi há algum tempo que, para que as pessoas acreditem na intensidade da sua dor, você precisa estar com "cara de quem tem dor". Mas que cara é essa? Um rosto sofrido, abatido? Grandes olheiras embaixo dos olhos? É difícil alguém olhar pra uma pessoa sorrindo e se divertindo e achar que ela tem uma doença crônica.

Quando uma pessoa com dor aparenta estar feliz, as pessoas dizem coisas como "ah, mas ela está ótima! Parece que nem tem dor mais". Ninguém sabe que, por mais que eu esteja aproveitando o momento, rindo e participando das conversas, eu continuo com muita dor.

Isso gera não apenas culpa, mas também medo de desconfiarem de mim, acharem que estou inventando ou exagerando. Uma vez, uma fisioterapeuta me disse que a minha dor "não devia ser tão grave assim" pois, quando ela tinha dores de cabeça realmente fortes, costumava desmaiar (não seja essa pessoa).

'Mas você já tentou?'

Sim, já tentei de tudo que pareceu possível para mim. Como escrevi na minha coluna anterior aqui no UOL, receber muitas sugestões de tratamento pode gerar ansiedade em pessoas com doenças crônicas, pois geralmente já passamos por muitas frustrações.

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É como se alguém estivesse me apresentando uma solução mágica que eu, procurando e pesquisando há quatro anos, ainda não tivesse encontrado. Apesar das boas intenções, garanto que muitas pessoas com dor não gostam de receber dicas e opiniões o tempo todo.

Querer resolver o problema do outro é uma inclinação natural do ser humano, mas que tal perguntar o que já estamos fazendo e se estamos precisando de alguma ajuda?

'Você precisa ser positiva e não desistir' ou 'Seja forte'

Que atire a primeira pedra quem nunca se irritou quando alguém falou para relaxar em um momento de estresse, ou para pensar positivo quando tudo estava dando muito errado.

Ser positiva, se envolver no tratamento e acreditar na melhora é realmente muito importante a longo prazo, mas nós não precisamos ser fortes o tempo inteiro. Podemos chorar, sentir tristeza, raiva, frustração e qualquer outro sentimento que vier à tona. Reprimir emoções é, inclusive, um dos fatores de risco para dores crônicas.

Às vezes, é preciso desistir, sim. Desistir de lutar contra a dor o tempo inteiro, como se estivéssemos em uma batalha; desistir de engolir o choro e fingir que está tudo bem; desistir de agradar os outros e começar a agradar a nós mesmas.

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O que pode ajudar

Assim como é difícil saber o que não dizer, também é muito desafiador encontrar as palavras certas. A gente não precisa opinar sobre tudo, e tá tudo bem não oferecer nenhuma solução (e nenhum pêsame).

O mais importante é ouvir a pessoa, acreditar nela, oferecer suporte, não julgar e não diminuir o seu sofrimento. O isolamento é um dos piores inimigos da dor. Faz muita diferença se sentir vista e lembrada, ainda que muitas vezes a gente precise dizer não.

Isso vale tanto para nossa família e amigos quanto para profissionais de saúde que, supostamente, deveriam estar ali para oferecer acolhimento e escuta. Mas sabemos que, na prática, milhares de pessoas com dor crônica são diminuídas e descredibilizadas o tempo inteiro. Sempre importante lembrar: TODA dor é real.

* Larissa Agostinho Teixeira (@dadoreoutrosdemonios) é jornalista formada pela USP com mais de 10 anos de experiência como repórter, redatora e editora de vídeos e documentários. Escreve sobre dor crônica em VivaBem e produz conteúdo para o Canal UOL. Estudou na Universidad Carlos III de Madrid e passou por veículos de imprensa como Editora Abril, Editora Trip, Estadão e Folha de S.Paulo.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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