O que um Réveillon em Copacabana me ensinou sobre crises de ansiedade
No final do ano passado, em um rompante de loucura, aceitei passar o final de ano com alguns amigos no Rio de Janeiro. Digo isso porque sou uma pessoa avessa a multidões —quando sinto que não tenho espaço para movimentar meu corpo e que estou com dificuldade para puxar o ar, entro em desespero.
Além disso, no meu caso, há um agravante: tenho dor crônica, uma doença que me provoca dores por todo o corpo, 24 horas por dia —como expliquei na minha primeira coluna aqui em VivaBem.
Dessa vez, o desejo de não passar o final do ano sozinha em São Paulo venceu a fobia de grandes eventos e o medo de não aguentar a maratona. Mas, como sou uma pessoa extremamente indecisa, passei todos os seguintes dias pensando se estava fazendo a escolha certa. Viagem de ônibus, carregar malas pesadas, mais de 2 milhões de pessoas na praia de Copacabana? Não me parecia uma boa ideia.
Foram dois meses entre o momento em que decidi ir ao Rio até efetivamente estar lá. Talvez meus amigos não saibam, mas hesitei literalmente até o dia da viagem. Minha cabeça viveu semanas inundada de prós e contras, arrependida de ter aceitado, mas ao mesmo tempo sem coragem de dar para trás, porque eu odeio decepcionar as pessoas.
Eu criei vários cenários na minha cabeça, alguns bons, mas a maioria trágicos. Não conseguiria aguentar a noite de Réveillon em pé por sentir muita dor, seria esmagada pelo público, não poderia ir ao banheiro, muito menos pedir um Uber para sair dali. Certa noite, cheguei a ter uma crise de pânico: me imaginei caminhando sozinha, de madrugada, tentando voltar para Santa Teresa, enquanto meus amigos curtiam a festa, sem dor.
Esse é um sentimento comum para pessoas que tÊm doenças crônicas: quando olham ao redor, acham que estão sempre perdendo alguma coisa, e que a sua condição é empecilho para fazer o que realmente querem. Quantas vezes não sofri, chorei e amaldiçoei a vida por não conseguir ir a um evento, desmarcar em cima da hora ou precisar ir embora cedo?
Mas voltando ao ano-novo: cerca de duas semanas antes da viagem, meu corpo começou a reclamar. As minhas dores crônicas, que já são extremamente fortes, ficaram ainda piores, e achei que pudessem me dominar por completo. Passei dias horríveis, sentindo muita dor e pensando o que poderia ter acontecido para ficar daquele jeito.
Nesse meio tempo, viajei com a minha família para passar o Natal no interior do Rio, ainda me sentindo bastante mal. Eu tive a sorte de passar dias incríveis em uma casa no meio das montanhas, mas a dúvida sobre a ida à capital e a virada em Copacabana continuavam me perseguindo sem descanso, me devorando lentamente.
No último dia dessa viagem, optei por encarar o desafio: peguei um ônibus e desci a serra até o centro do Rio. Como a vida é sempre surpreendente, me deparei com um cenário muito menos terrível do que aquele fictício que eu havia inventado.
Lembrei que, dias antes, minha irmã tinha me dito que a fantasia é sempre muito pior que a realidade. É claro que passei por alguns perrengues, mas sobrevivi e me diverti, mesmo sentindo dor. Não fui embora mais cedo chorando, aproveitei a viagem e até me senti feliz
Talvez esse texto pareça dramático demais para a maioria das pessoas: tudo isso apenas para ir à praia com os amigos no Réveillon? Mas, quando você tem uma doença crônica, essas pequenas conquistas valem muito. Parece que eu estou o tempo inteiro me superando e aprendendo coisas novas sobre mim.
Entendi que, na verdade, estava lidando com uma profunda crise de ansiedade e que, obviamente, tudo isso se refletia em sintomas físicos. É impossível separar mente e corpo, porque somos uma coisa só.
Desde que comecei a ter dor crônica, em 2021, sinto essa conexão na pele o tempo inteiro. É como se meu corpo falasse comigo, como se a maneira que tivéssemos para nos comunicar fosse por meio de sinais dolorosos. É claro que a doença é muito mais complexa do que isso, mas fatores emocionais influenciam bastante nos níveis de dor.
Sinto como se tivesse desperdiçado um tempo valioso da minha vida com essas preocupações sem sentido, sem conexão com a realidade. A ansiedade faz isso com a gente: acaba com o nosso presente aos nos projetar em cenários que, definitivamente, não acontecerão como na nossa cabeça.
Ainda que a viagem tivesse sido horrível; ainda que eu tivesse passado mal em Copacabana; ainda que minhas previsões tivessem se concretizado de alguma forma - todas as ruminações catastróficas geraram em mim uma exaustão emocional desnecessária.
No final dessa viagem, após tentar inutilmente pular as sete ondas em um mar bravo demais, me dei conta de que todo o meu sofrimento não serviu para absolutamente nada. Antecipar os acontecimentos apenas roubou a minha paz e não fez com que eu conseguisse controlar ou evitar a situação.
Na minha coluna anterior aqui em VivaBem, escrevi que não tinha planos para 2025. Me corrijo: quero parar de perder o tempo presente. Quero conseguir afastar os pensamentos ansiosos e destrutivos antes que eles me levem para outro lugar, algum bem mais sombrio.
Ambicioso demais? Talvez. Mas se tem uma coisa que o Rio de Janeiro me ensinou é que sou capaz de muita coisa, e que nada pode estar mais distante da realidade do que as nossas projeções para o futuro. Vivamos, então.
* Larissa Agostinho Teixeira (@dadoreoutrosdemonios) é jornalista formada pela USP com mais de 10 anos de experiência como repórter, redatora e editora de vídeos e documentários. Escreve sobre dor crônica em VivaBem e produz conteúdo para o Canal UOL.
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