Apneia do sono e obesidade: entenda a relação entre esses problemas
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Da mesma forma que o sono influencia nossos resultados de estilo de vida saudável, o estilo de vida influencia no sono, sendo um grande "pingue-pongue".
Vários fatores podem desencadear um padrão de sono inadequado, como excesso de peso e patologias associadas, problemas psicológicos, uso de alguns medicamentos etc. Da mesma forma, o hábito inadequado de sono influencia na obesidade, problemas cardiovasculares, psicológicos...
Nos EUA, ao longo de 40 anos, a duração autorreportada do sono diminuiu de 1 hora e meia a 2 horas. Um estudo espanhol mostrou uma associação inversa entre obesidade e duração de sono e os pesquisadores mostraram que um tempo de sono igual ou inferior a 6 horas por dia aumentava o risco de obesidade. Mesmo controlando-se as variáveis de gênero, idade e outros fatores, o grupo que dormia 6 horas tinha um IMC maior do que o grupo que dormia 9 horas.
Por isso, quando falamos do excesso de gordura corporal, temos que estar atentos, também, com os distúrbios do sono e com sua má qualidade —além da relação com quadros de apneia e roncos.
Em algumas intervenções que participei no Instituto do Sono com pacientes com obesidade ou sobrepeso, havia uma grande quantidade de relatos de pausas respiratórias durante o sono e roncos muito intensos e, dessa forma, essas pessoas acordavam exaustas e fadigadas a ponto de não conseguir ter motivação e estímulo para realizar qualquer atividade que benefiasse sua qualidade de vida.
Um sono inadequado dificulta, e muito, o emagrecimento. Estudos mostram que a redução do tempo total de sono está associada a dois comportamentos endócrinos paralelos capazes de alterar significativamente a ingestão alimentar: a diminuição do hormônio anorexígeno leptina e o aumento do hormônio orexígeno grelina, resultando, assim, no aumento da fome e da ingestão alimentar. Em um experimento realizado por Spiegel e colaboradores, a privação de sono em homens foi associada a um aumento de 28% nos níveis da grelina, diminuição de 18% nos níveis de leptina e aumento de 24% na fome e de 23% no apetite.
Síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS)
Segundo a Universidade Harvard, a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) é uma doença crônica, progressiva e incapacitante, associada à mortalidade e morbidade cardiovascular.
Ela é caracterizada por episódios repetitivos de obstrução parcial ou total da via respiratória enquanto a pessoa dorme. Esses episódios geralmente estão associados à redução na saturação de oxigênio no sangue.
As pausas respiratórias durante o sono são definidas como uma parada (apneia) ou redução (hipopneia) da passagem de ar pelas vias aéreas superiores (VAS), com duração mínima de 10 segundos, podendo chegar a um minuto ou até mais.
A característica principal funcional das VAS dos pacientes com roncos primários e dos pacientes com SAOS é uma instabilidade que leva ao colapso exclusivamente durante o sono. Este colapso ocorrer por causa de fatores anatômicos e funcionais, que causam um desequilíbrio nos músculos faríngeos. A base da língua e o pálato mole colabam a oro e hipofaringe, interrompendo a passagem do ar. Uma vez ocorrido o colapso das VAS com ausência de fluxo de ar, a saturação de oxihemoglobina diminui, gerando um despertar com reabertura das vias respiratórias. .
O excesso de peso também pode contribuir para o problema. Indivíduos com obesidade acometidos por SAOS têm uma maior concentração de tecido adiposo nessa região, levando ao colapso da via respiratória.
Cerca de 70% dos pacientes acometidos com SAOS são obesos e estudos também associam a condição à síndrome metabólica.
Estudos apontam que a privação do sono, ocorrência comum da apneia, está associada ao aumento do índice de massa corporal (IMC) e ao desejo de ingerir alimentos calóricos. Somado a esses fatores, a associação de SAOS e obesidade pode estar relacionada a função endócrina do tecido adiposo, pela liberação de fatores inflamatórios, comprometendo a qualidade de sono. O ronco é um problema comum em quem sofre de apneia.
Os principais fatores que podem contribuir para a SAOS são:
- Obesidade ou sobrepeso, principalmente com o aumento de gordura visceral.
- Inatividade física com consequente aumento de gordura corporal.
- Pode também estar associado ao tabagismo e consumo de álcool.
- Homens -- com idade entre 40 a 65 anos -- são mais acometidos que mulheres devido a diferenças anatômicas das vias aéreas superiores (VAS), perfil hormonal e distribuição adiposa do tipo central nos homens (tronco e pescoço).
- Homens com circunferência de pescoço maior que 43 cm e mulheres com circunferência de pescoço maior que 40 cm.
Os efeitos da apneia no nosso corpo
A apneia do sono é uma condição na qual sua respiração pausa repetidamente enquanto você dorme. Quem já não viu alguém dormindo roncando e, no meio do ronco, parece que se engasga e levanta assustado?
Quando isso acontece, seu corpo desperta para retomar a respiração. Essas múltiplas interrupções do sono impedem que você durma bem, deixando-o cansado demais durante o dia. A apneia do sono faz mais do que deixá-lo sonolento. Quando não tratada, pode contribuir para doenças cardiovasculares, como infarto, AVC e hipertensão arterial, diabetes e outros riscos à saúde em longo prazo.
Veja como a apneia afeta seu organismo:
- Sistema respiratório Ao privar seu corpo de oxigênio enquanto você dorme, a apneia do sono pode piorar os sintomas de asma e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Você pode ficar sem fôlego ou com mais problemas para se exercitar do que o normal.
- Sistema endócrino As pessoas com apneia do sono têm maior probabilidade de desenvolver resistência à insulina, podendo desenvolver diabetes tipo 2. A apneia do sono também tem sido associada à síndrome metabólica, um conjunto de fatores de risco para doenças cardíacas que incluem pressão alta, altos níveis de colesterol LDL, altos níveis de açúcar no sangue e uma circunferência da cintura maior que o normal.
- Sistema digestório Se você tem apneia do sono, é mais provável que tenha doença hepática gordurosa, cicatrizes no fígado e níveis de enzimas hepáticas acima do normal. A apneia também pode piorar a azia e outros sintomas da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), que podem interromper ainda mais o sono.
- Sistemas circulatório e cardiovascular A apneia do sono tem sido associada à obesidade e pressão alta, o que aumenta a pressão sobre o coração. Se você tem apneia, é mais provável que tenha um ritmo cardíaco anormal, como fibrilação atrial, o que pode aumentar o risco de derrame. A insuficiência cardíaca também é mais comum em pessoas com apneia do sono.
- Sistema nervoso Um tipo de apneia do sono, chamado apneia central do sono, é causado por uma interrupção nos sinais do cérebro que permitem respirar. Esse tipo de apneia do sono também pode causar sintomas neurológicos como dormência e formigamento.
- Sistema reprodutivo A apneia do sono pode reduzir seu desejo de fazer sexo. Nos homens, isso pode contribuir para a disfunção erétil e afetar a capacidade de ter filhos.
- Outros sintomas comuns da apneia do sono incluem boca seca ou dor de garganta pela manhã, dor de cabeça, dificuldade em prestar atenção e irritabilidade.
Como detectar?
Uma história de sonolência diurna e ronco são pistas importantes. O seu médico examinará sua cabeça e pescoço para identificar quaisquer fatores físicos associados à apneia do sono e pode solicitar que você preencha um questionário sobre sonolência diurna, hábitos de sono e qualidade do sono.
Contudo, o diagnóstico de confirmação é feito pela polissonografia. O exame é realizado durante uma noite inteira, durando de 6 a 8 horas seguidas e todas as variáveis descritas acima são monitorizadas simultânea e continuamente.
Apneias e hipopneias do sono são caracterizadas polissonograficamente como uma cessação da passagem de ar pelas vias aéreas superiores (VAS), com duração de pelo menos 10 segundos. Enquanto você dorme, o polissonógrafo mede a atividade de diferentes sistemas orgânicos associados ao sono, como eletroencefalograma, eletromiograma, eletrocardiograma, oximetria de pulso, gasometria arterial etc.
Existem 4 tipos de pausas respiratórias:
- Apneia central: há ausência de esforço respiratório e de fluxo de ar;
- Apneia obstrutiva: persiste o esforço respiratório na ausência de passagem de ar pelas VAS;
- Apneia mista: a pausa inicia como central e evolui para obstrutiva;
- Hipopneias do sono são representadas por redução de pelo menos 50% na amplitude do fluxo aéreo com dessaturação de oxigênio de no mínimo 4%.
Como tratar
O tratamento proposto deve ser em longo prazo, com manejo multidisciplinar, contando com opções clínicas, comportamentais e cirúrgicas; centrado em quatro pontos: tratamento da obesidade, tratamento comportamental da SAOS, tratamento físico e/ou procedimentos cirúrgicos.
O tratamento mais usado e eficaz é a pressão positiva contínua nas vias respiratórias (CPAP), aplicada usando máscara nasal ou total. Porém, o uso em longo prazo tem uma falta de adesão.
A atividade física associada a uma alimentação adequada para redução de composição corporal de gordura é uma ótima estratégia não-medicamentosa para quadros de apneia mais leves. A redução de peso com consequente melhora da composição corporal é benéfica para a melhora da apneia, bem como qualidade de sono.
É importante conciliar com a "higiene do sono", optando por um lugar adequado para dormir, apagar as luzes, desligar dispositivos móveis, evitar cafeína ou estimulantes antes de dormir, evitar cochilos durante o dia e aumentar o nível de atividade física durante o dia.
Dicas gerais
- Foque em estratégias de redução de peso.
- Evite o consumo excessivo de álcool e, quando ingerir socialmente, evite beber no mínimo 4 horas antes de dormir.
- Evite refeições pesadas antes de dormir.
- Evite bebidas cafeinadas no mínimo 4 horas antes de dormir.
- Evite fumar no mínimo 4 horas antes de dormir.
- Evite comer no meio da noite.
- Evite a privação de sono.
- Procure dormir 7 horas por noite.
- Mantenha o horário para se deitar e levantar.
- Tenha atenção à infecção de trato respiratório superior.
- Tente dormir com uma inclinação de 15 a 20 cm.
Referências:
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