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Paola Machado

Voltou aos treinos e está sentindo dor? Saiba quando ela é normal

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

15/09/2020 04h00

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Voltou aos treinos e está sentindo aquela dorzinha muscular, como se nunca tivesse treinado na vida? Se você é ativo, com toda certeza já sentiu em algum momento aquela dorzinha muscular do dia seguinte após algum esforço físico mais intenso ou movimento novo, correto? A dor muscular tardia é comum, tanto para atletas de elite quanto para pessoas em atividades recreacionais.

Ela pode surgir no dia seguinte após o treinamento, tendo um pico geralmente após 48 horas e com tendência à diminuição após 72 horas da realização do exercício, essa dorzinha é chata, mas permite que você realize normalmente suas atividades e movimentos.

Mas, pasmem, há momentos que ela pode permanecer por mais dias ou até 1 semana após o treinamento. Os sintomas comuns são dor à palpação —isso é, ao toque—, diminuição na flexibilidade e na produção de força muscular, com aquela sensação de que que você rende menos.

Com a flexibilização e retorno às atividades físicas, comecei a receber muitas dúvidas sobre esse tema de dor muscular e retorno aos treinos.

Antes de falar sobre as dicas de retorno mais seguro e sem tantas dores, vale lembrar de um tema que já abordei aqui —sobre o que seria essa dor muscular após exercícios. Vou fazer um resumo das adaptações que ocorrem no seu corpo com o estímulo do exercício físico. Relembrar é viver:

  1. A sobrecarga do estímulo pode levar a microlesões nas fibras musculares

  2. Inicia-se um processo inflamatório no local, mas não se preocupe! Faz parte de um processo de adaptação do sistema neuromuscular

  3. Uma cascata de eventos e substâncias vasodilatadoras são liberadas nesta região

  4. Nas primeiras horas, os neutrófilos iniciam o reparo tecidual

  5. Seis a oito horas depois, os monócitos migram para o local e no tecido são convertidos em macrófagos, liberando sinalizadores de dor

  6. Você sente a dor muscular tardia

Lembre-se que, independente de idade ou gênero, esse processo ocorre em todas as pessoas! E irá ocorrer invariavelmente, tanto no corpo daquele indivíduo que praticava atividade física todos os dias quanto daquela pessoa que é do time sofazinho desde antes da quarentena.

Mesmo se você era super ativo, esse tempo longe dos treinos pode ter levado seu corpo a retroceder, já que houve a diminuição de estímulos e cargas, e diversas mudanças podem ter acontecido em relação ao seu condicionamento físico, massa muscular ou até flexibilidade.

Vale reforçar que cada corpo traz uma bagagem genética diferente, histórico e, por isso, pode ter reagido ao período de inatividade física de forma bem diferente.

De acordo com estudos prévios, em média as pessoas têm redução de força e massa muscular cerca de duas a três semanas após o período de inatividade. Agora, imagine se isso pode acontecer após poucas semanas sem se exercitar, já projete todas as mudanças em seu corpo após praticamente seis meses longe do exercícios...

Muita calma nessa hora

Se você é pura ousadia e alegria, e está muito animado para voltar aos treinos, pode cair na falácia de confiar na memória do seu corpo acreditando na herança de anos de treinamento e, com isso, prejudicar toda a sua saúde.

Já abordei aqui na coluna que a ciência comprova que as pessoas que já treinaram têm maior facilidade de ganhar força e volume nos músculos quando comparados aos que nunca realizaram nenhum tipo de atividade. Mas esclareço que isso não significa que o retorno às atividades físicas deva ocorrer a todo vapor ou que a dor muscular tardia não possa te afetar também!

Cautela. Essa foi uma palavra-mantra durante toda a quarentena, e não será exceção nesse momento de retorno ao seu treino à academia, ao futebol, ao pilates... Em qualquer atividade física, independente do esporte ou tipo de exercício, é necessário ter paciência e controlar a ansiedade para que a transição do time sofazinho para o time exercício seja segura e não cause frustração por afastamentos, lesões ou até por problemas de saúde mais graves.

Se você faz parte da parcela dos que querem voltar a treinar com responsabilidade, vale anotar nossas dicas:

DICA 1. Liberação médica

É essencial consultar o seu médico —cardiologista, geriatra, clínico geral— antes de reiniciar uma rotina de exercícios, principalmente para quem tem histórico de problemas cardiovasculares, bem como para indivíduos acima de 45 anos e pessoas que irão voltar à prática de atividades físicas leves a extenuantes.

DICA 2. Check-up fisioterapêutico e gesto esportivo

Por conta do ambiente mal adaptado de home office e mudanças de estilo de vida na quarentena, muita gente passou a sentir dores musculoesqueléticas, em áreas como nuca, costas e até em articulações.

Se você tem histórico de lesões relacionadas ao esporte ou à atividade que praticava e irá retornar nesse momento, vale um check-up biomecânico com profissionais de saúde como o fisioterapeuta e educador físico para orientação adequada.

A chance de recidiva de lesões nessa fase é alta! Esse check-up permite a detecção de sinais e condições que podem elevar os riscos de se machucar durante a prática esportiva, além de auxiliar na otimização do treino, facilitando a comunicação com o professor de educação física, coach/treinador e equipe médica que está te orientando.

Dica 3. Profissional de educação física/personal trainer

Temos que valorizar ainda mais esse profissional após esse tempo de isolamento que vivemos... Não adianta retornar com a mesma intensidade e volume de treino, cobrando o corpo que sua performance seja alta ou comparável aos tempos pré-pandemia. Realize treinos de adaptação e evite exercitar-se sem supervisão.

Dica 4. Recovery do corpo

Se a palavra cautela viesse acompanhada de outra palavra nesse momento, a palavra-chave seria RECOVERY, isso é, recuperação! Não adianta forçar seu organismo, respeite o treino do seu personal trainer —carga, intervalo entre séries e volume de treino— e foque no tempo de readaptação do seu corpo. De forma geral, 48 a 72 horas após a atividade física, seu músculo já está pronto para voltar a treinar.

Cada corpo reage de uma forma, e caso a dor esteja intensa, agende sessão com seu fisioterapeuta e foque em todas as estratégias para recuperar o corpo de forma mais eficiente com menos dores e bem longe de lesões.

*Colaboração da fisioterapeuta Renata Luri, PhD pela Unifesp e da fisioterapeuta especializada na Clínica LA POSTURE Juliana Satake.

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