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Paola Machado

Prejuízos para a saúde física e mental que ficar em casa pode trazer

isolamento social, pandemia, homem com máscara - iStock
isolamento social, pandemia, homem com máscara Imagem: iStock

Colunista do UOL

25/11/2020 04h00

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Depois do fantasma do pico da primeira onda da covid-19, nos deparamos com um novo aumento no número de casos da doença, o que gerou novamente a discussão da necessidade de aumentar o isolamento social. Eu já escrevi aqui na coluna que nesse momento da pandemia não podemos deixar de tomar alguns cuidados básicos (usar máscara, higienizar as mãos constantemente, evitar aglomerações etc.), mas também precisamos entender os limites entre "nos ajudar e ajudar ao próximo" —sem julgar as necessidades do outro, mas também sem ver as necessidades próprias como um egoísmo.

É que eu disse: nós precisamos estar bem, preservar nossa saúde física e mental para conseguir ajudar aos outros.

O assunto é complexo, subjetivo e quando falamos, como profissionais da saúde, sobre temas que têm dois lados com opiniões distintas (exemplo, carboidrato, proteína, ovo, isolamento, aborto etc.), sempre entramos em um grande Drake (a passagem de Drake ou estreito de Drake é uma das zonas que conhecem as piores condições meteorológicas marítimas do mundo, onde convergem o Oceano Atlântico e o Pacífico).

Nenhuma ciência é unânime e nenhuma opinião é totalmente certa, ainda mais quando tratamos de um tema que vai além do ramo científico e entra na ideologia e interesses pessoais. Como profissional e pesquisadora, estou aqui para discutir sobre ciência, artigos científicos, referências e fatos, além de colocar meus vieses científicos e ser a mais responsável possível nas minhas colocações.

Estamos vivendo uma "era" em que somos apedrejados ao falar o que as pessoas não querem ouvir. Para muitos, falar que alguém deve sair de casa virou um absurdo, mas só quando não é conveniente para esses muitos saírem de casa. Quando é conveniente eles saírem por interesses específicos, aí pode sair, não tem problema.

Pensando na sua saúde física e mental, você não deve se acostumar a ficar trancafiado entre quatro paredes. Fatores simples são importantes para nosso organismo e desenvolvimento, como a luz do dia, os ruídos e circunstâncias diferentes. Somos seres totalmente "adaptáveis" e nos acostumamos às rotinas impostas (perceba como era difícil para você lá no começo ficar em casa e agora como é mais custoso sair de casa —pedimos mais delivery, fazemos mais compras online e solicitamos cada dia mais dos serviços que nos induzem a nos movimentarmos cada vez menos).

Como já disse em outros textos aqui na minha coluna, nosso organismo é "fisiologicamente preguiçoso" e ele tenta o tempo inteiro poupar energia. Por isso, quanto mais sentados ficamos, mais sentados queremos ficar. Entenda o quanto a linha é tênue —e até contraditória —entre ficar em casa e se proteger ou proteger o outro. Em casa, é bem mais fácil estabelecer novos maus hábitos do que manter bons hábitos. Ou seja, você vai proteger os outros, mas pode prejudicar a sua saúde.

Dessa forma, independentemente de qual for sua decisão e conduta, preste atenção em alguns problemas que podem acontecer —e já acometeram muita gente — ao passarmos longos períodos isolados em casa.

Oscilações no humor

Antes de tudo isso acontecer, ficar em casa era gostoso. Descansávamos. Ainda mais quando o tempo estava nublado ou chuvoso. Porém, de uns tempos para cá, ficar em casa virou uma intensa incerteza, inundada de medos, sobrecarga, estresse, ansiedade e preocupações. Antes da quarentena, qualquer prejuízo à saúde mental poderia ser atenuado com passeios ao ar livre, sociabilização, estar próximo à natureza... Hoje, quando nos deparamos com esses sentimentos que podem causar depressões sérias e precisarmos sair um pouco de casa, ainda voltamos com mais medo, mais incertezas e mais julgamentos.

Tanto se falou da importância da prevenção ao suicídio durante o Setembro Amarelo e da importância de estarmos atentos a sinais e sintomas de depressão. Só que aí condenamos quando vemos uma pessoa por aí passeando feliz (ou mesmo se encontrando com amigos com as medidas necessárias), sem nem mesmo saber o quanto ela estava precisando daquele momento, o que estava passando, o quanto aquela risada pode salvá-la de qualquer decisão errada...

Um estudo de 2010, publicado no Journal of Environmental Psychology (é superimportante citarmos artigos antes do coronavírus para observarmos o que se falava sobre isso) mostrou que a exposição a ambientes naturais aumentava a vitalidade em até 40%, enquanto passar o tempo em ambientes fechados tinha o efeito oposto. E agora não há problemas ficar meses dentro de casa? Dá para elencar, individualmente, o que é mais ou menos importante para sua saúde? De fato, é necessário nos questionarmos o que é importante para nós mesmos.

Os sentimentos depressivos e oscilações de humor em ambientes fechados, principalmente quando você está lidando com fatores de estresse adicionais —como uma pandemia— podem crescer rapidamente. Um estudo da Psychiatry Investigation (2020), realizado durante os primeiros dias do isolamento na China, descobriu que a grande maioria dos adultos passava quase todo o tempo em casa, dentro de casa. Consequentemente, 60% dos indivíduos relataram sentir-se deprimidos, enquanto 46% relataram se sentir irritados.

E não precisa de muito para analisar tudo isso. Veja uma amostra pequena, ao seu redor, as pessoas com quem convive. O quanto elas estão felizes? O quanto elas reclamam? O quanto seus filhos se irritam ou choram com facilidade? Quão cansado você está? O quanto as pessoas com quem convive falam mais de medos em seu discurso do que qualquer outro assunto? O quanto coisas simples, como ir à padaria, que antes nem pensávamos para ir, viraram um ritual doloroso carregado medo e culpa? Esses são bons sentimentos? São sentimentos saudáveis? Isso é se proteger e proteger o próximo?

Problemas de exposição ao uso excessivo de tela

A Agência Brasil cita que a "Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou no dia 24/04/2019 um estudo que diz que crianças de até 4 anos devem passar, no máximo, uma hora em frente a telas de forma sedentária, como assistir à TV ou a vídeos ou jogar no computador. Para quem tem até um ano, não é recomendado ter contato com telas; para as crianças de 1 ano, não é recomendado tempo sedentário de tela e, para as de 2 anos, um tempo de até uma hora (preferencialmente menos). Para aquelas que têm entre 3 e 4 anos, o tempo sedentário de tela também não deve ultrapassar uma hora, sendo quanto menos, melhor.

O estudo apontou que crianças de até 5 anos devem passar menos tempo sentadas em frente a telas ou contidos em carrinhos de bebê e assentos, ter melhor qualidade de sono e mais tempo para atividades físicas para crescerem saudáveis. Nos casos de sedentarismo, a OMS encoraja, independentemente da idade, a leitura, contar histórias. A entidade também destacou a quantidade de sono adequada para a idade: 14-17 horas ( até 3 meses), 12-16 horas (4 a 11 meses), 11-14 horas (1 a 2 anos) e 10-13 horas (3 a 4 anos)."

Pensando em crianças, a Sociedade Brasileira de Pediatria, no final de 2019, realizou a campanha #menostela #maissaúde, mostrando os prejuízos do excesso de tela no desenvolvimento de crianças e adolescentes —sendo que, agora, esse não é mais o problema, já que as crianças devem realizar aulas online (muitas pelo mesmo tempo da aula presencial) e não podem ir à escola para brincar com os amigos. Hoje, elas brincam por videoconferência ou em jogos de videogame "multiplayers", ou seja, o que eram 3 horas de tela por dia, no máximo, quase que quintuplicou. E agora está tudo bem?

Estendendo aos adultos, as incansáveis calls, o trabalho em frente à tela e as conversas pelos celulares também acabam levando a um prejuízo imensurável à saúde (desde problemas com sono, que podem gerar outros problemas, até problemas emocionais, como burnout e irritabilidade, e físicos, como excesso de peso, problemas pela inatividade e ergonomia).

Os dispositivos tornaram-se uma válvula de escape para choros, irritabilidade, medos, tudo e mais um pouco. Dessa forma, quando você usa seu telefone temporariamente para se sentir melhor ou pelo simples hábito de pegar o celular o tempo todo para checar as redes sociais, isso pode levar à supersaturação e superestimulação, o que contribui para muitos transtornos mentais.

Uma revisão de 290 estudos publicados em novembro de 2018 no Jornal Internacional de Pesquisa Ambiental e Saúde Pública concluiu que o uso frequente de telefones celulares está vinculado a uma série de problemas de saúde mental, incluindo estresse, depressão, sinais compulsivos (realizar compras online sem nenhum critério). Além disso, gastar tempo no telefone normalmente tira tempo de outras atividades que podem melhorar a saúde mental —como exercícios, leitura ou interações sociais de apoio.

Problemas com o sono

De acordo com a National Sleep Foundation, a depressão e estresse atrapalham —e muito— sua qualidade de sono. Portanto, se ficar dentro de casa por longos períodos e tiver problemas com seu humor durante o dia, é provável que você vai se revirar à noite e ter dificuldades para dormir.

Além do mais, mesmo que você esteja se sentindo bem emocionalmente, a falta de tempo ao ar livre pode atrapalhar seu sono, pois a luz natural desempenha um papel fundamental em ajudar o corpo a manter seus ritmos normais de sono-vigília e a falta de exposição ao sol pode confundi-los e tornar mais difícil dormir bem, de acordo com um estudo do Current Biology (2013). Outro fator é que o nosso gasto energético em atividades do dia a dia (tanto em adultos saindo de casa, quanto em crianças gastando energia nas atividades da escola) reduziram muito. Aí, "sobra" energia no final do dia e, com certeza, o sono é prejudicado.

Excesso de peso

"Já engordei mesmo, não tem problema comer esse pacote de batatas e esse chocolate". Quando temos consciência das nossas escolhas, conseguimos detectar qual, de fato, é a nossa necessidade, havendo formas de estar em casa, fazer boas escolhas e se manter ativo. Mas o foco, determinação e prioridade no estilo de vida são fatores cruciais para a tomada de decisão, por esse motivo, muita gente não vê risco em comer um pacotão de salgadinhos, pedir pizza duas vezes na semana, comer doces todos os dias para aliviar a ansiedade etc., mas vê perigo em sair de casa para ir à feira comprar boas frutas e verduras.

Pense: já estamos com o nível de estresse "no talo", reduzimos a quantidade de atividades do dia a dia, muitas pessoas deixaram de se exercitar e você ainda vai criar maus hábitos alimentares? Por isso, vamos observar ponto a ponto. O exercício ao ar livre vai melhor seu nível de estresse, que controlará seus impulsos alimentares e seu humor, melhorará seu sono e aumentará sua disposição para realizar atividades do dia a dia. É necessário, sim, sair de casa para se exercitar, ir à feira e dar boas risadas.

Prejuízos ao sistema imunológico

Estresse e solidão são dois sentimentos que podem atingir o ápice quando você não sai de casa por longos períodos e ambos podem enfraquecer seu sistema imunológico —o tornando mais suscetível a infecções. Em 2015, um estudo do Proceedings of the National Academy of Sciences descobriu uma ligação entre solidão e inflamação no organismo, que pode aumentar o risco de doenças crônicas. Já um artigo de julho de 2020 publicado na Perspectives on Psychological Science mostrou que estressores interpessoais, como a solidão, estão ligados ao aumento do risco de doenças, incluindo vírus respiratórios.

Além disso, não sair de casa e não ter contato com o mundo exterior, principalmente para as crianças em fase de desenvolvimento, pode comprometer e muito a saúde do sistema imunológico em longo prazo.

Gatilhos para vícios e compulsões

A pandemia pode ter um impacto devastador em indivíduos que sofrem de transtorno de uso de substâncias e problemas de saúde mental, bem como na comunidade de pessoas que vivem em recuperação do vício, além de pessoas que desenvolveram vícios em pleno isolamento. Para aqueles em dependência ativa, a pandemia do coronavírus exacerbou os problemas ou forçou os problemas ocultos, ao mesmo tempo em que dificultou o acesso a alguns serviços de tratamento de dependência. Para as pessoas que estão se recuperando do vício, as quarentenas e o isolamento dificultaram a recuperação, interrompendo-os de conexões, reuniões ou serviços de apoio.

Quando não temos mais uma rotina estabelecida, criamos gatilhos e lacunas para maus hábitos. Gatilhos comuns para recaídas podem acontecer pelo medo, insegurança, ansiedade, depressão, sentimento de solidão, incerteza, estresse, tédio, falta de convívio familiar e social, falta ou mudança de rotina, sentimento de incapacidade (perda de emprego, relacionamento etc.), desmotivação, falta de foco ou desconexão com objetivos, trauma.

Reforço que as medidas preventivas são de extrema importância para conter a disseminação da covid-19 e também para criarmos novos hábitos de higiene e consciência para a transmissão de outras cargas virais. Porém, isso não significa que você deva esquecer da sua saúde e do seu bem-estar físico e mental.

Referências:

- Sociedade Brasileira de Pediatria. Manual de orientação: #Menos Telas #Mais Saúde. Dezembro 2019. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/_22246c-ManOrient_-__MenosTelas__MaisSaude.pdf

- Sleep Foundation. Disponível em: https://www.sleepfoundation.org/mental-health

- Agência Brasil. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2019-04/oms-criancas-devem-ter-tempo-em-frente-telas-limitado-1-hora

- WHO. Disponível em: https://www.who.int

- CDC. Disponível em: https://www.cdc.gov/coronavirus/2019-ncov/daily-life-coping/going-out.html

- Ryan EM, Weinstein N, Bernstein J, Brown KW, et al. Vitalizing effects of being outdoors and in nature. Journal of Environmental Psychology. Volume 30, Issue 2, Pages 159-168. 2010.

- Wright KP, McHill AW, Birks BR, et al. Entrainment of the Human Circadian Clock to the Natural Light-Dark Cycle. Current Biology. Volume 23, Issue 16, Pages 1554-1558. 2013.

- Wang HC, Ting W, Li Z, Sun ET, Wang X. Mental Health Problems of Individuals Under the Stay-Home Policy. Psychiatry Investig. 2020;17(7):712-713. doi:10.30773/pi.2020.0219.

- Thomée S. Mobile Phone Use and Mental Health. A Review of the Research That Takes a Psychological Perspective on Exposure. Int J Environ Res Public Health. 2018 Nov 29;15(12):2692. doi: 10.3390/ijerph15122692. PMID: 30501032; PMCID: PMC6314044.

- Cole SW, Capitanio JP, Chun K, et al. Myeloid differentiation in social isolation. Proceedings of the National Academy of Sciences. 112 (49) 15142-15147. 2015. DOI: 10.1073/pnas.1514249112

- Cohen S. Psychosocial Vulnerabilities to Upper Respiratory Infectious Illness: Implications for Susceptibility to Coronavirus Disease 2019 (COVID-19). Perspectives on Psychological Science. July 2020. doi:10.1177/1745691620942516

- Melamed OC, Hauck TS, Buckley L, Selby P and Benoit H. Mulsant (2020) COVID-19 and persons with substance use disorders: Inequities and mitigation strategies, Substance Abuse, 41:3, 286-291, DOI: 10.1080/08897077.2020.1784363

- Tsamakis K, Triantafyllis AS, Tsiptsios D, Spartalis E, Mueller C, Tsamakis C, Chaidou S, Spandidos DA, Fotis L, Economou M, Economou M, et al: COVID‑19 related stress exacerbates common physical and mental pathologies and affects treatment (Review). Exp Ther Med 20: 159-162, 2020

- Satre DD, Hirschtritt ME, Silverberg MJ, Sterling SA. Addressing Problems With Alcohol and Other Substances Among Older Adults During the COVID-19 Pandemic. Am J Geriatr Psychiatry 28:7, July 2020.

- Maryland Addiction Recovery. Disponível em: https://www.marylandaddictionrecovery.com/10-common-relapse-triggers-for-addiction-during-covid-19/

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