Dá para retomar as atividades físicas sem preocupação pós-covid-19?
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Sempre me pedem textos sobre quando voltar a realizar atividades após ter se recuperado da covid-19. Logo no início, o meio científico ainda estava pisando em ovos e, ao mesmo tempo que havia caminhos, era (e é) difícil encontrar soluções.
Porém, aos poucos, pesquisadores têm publicado artigos sobre o tema e, neste mês, o periódico The BMJ publicou um artigo que mostra alguns caminhos sobre "Retornando à atividade física após covid-19" ("Returning to physical activity after covid-19").
Lembre-se que todas as publicações de covid-19 vivem em constante mudança pelo fato de ainda estarmos em meio a imensa quantidade de pesquisas e achados. Se ler esse texto daqui a um mês, muitas informações científicas podem ter mudado.
Já tinha feito um texto aqui, bem no início da pandemia, que falava sobre a recuperação de atletas e a volta após a covid-19. Naquela época (não tão longe, abril de 2020), a publicação de Hull et al e as condutas eram: "quando se trata de uma gripe comum ou infecção que já estamos acostumados, a regra recomendada é a verificação pescoço para baixo".
Ou seja, qualquer sintoma abaixo do pescoço, como cansaço respiratório ou que potencialize doenças respiratórias, a conduta é o afastamento e período de descanso mais prolongado do atleta até que melhore e não apresente mais esses sintomas.
Porém quando o atleta tem sintomas mais leves acima da linha do pescoço, somente coriza, sem sintomas e sinais clínicos mais relevantes, pode continuar a treinar moderadamente. Mas, lembre-se, essa é uma conduta quando estamos expostos a patologias conhecidas.
Com a covid-19, estamos de olhos vendados e todas as condutas devem ser alinhadas conforme os estudos saem. Uma preocupação importante em indivíduos atléticos envolve o tempo ou a capacidade de retornar ao esforço físico após uma infecção. Muitos jovens com covid-19 parecem desenvolver uma doença relativamente leve e se recuperar quase completamente após 5 a 7 dias.
No entanto, um risco aumentado parece ocorrer entre os dias 7 e 9, com as pessoas desenvolvendo manifestações mais fulminantes do trato respiratório inferior e exigindo cuidados médicos mais intensos.
Por isso, é necessário uma avaliação e orientação individualizada. Não há um protocolo único, não há evidências densas e muito menos estudos longos que apresentem eficiência de uma ou outra conduta. Por isso, via de regra, a melhor opção é análise individualizada e descanso prolongado em casos sintomáticos.
Em menos de um ano já temos novos posicionamentos —olhem como a ciência é dinâmica e não é uma solução e, sim, um constante caminho a ser percorrido.
Sabemos que, em algumas pessoas, há complicações potenciais de longo prazo de covid-19 —doença persistente, doença cardiopulmonar e sequelas psicológicas, por exemplo.
O artigo de Salman et al mostra uma abordagem de como ajudar as pessoas a retornarem com segurança à atividade física após a infecção sintomática por Sars-CoV-2, com foco naqueles que perderam a forma física ou tiveram um período prolongado de inatividade, mas que não têm uma doença persistente pós-covid-19 aguda.
Sempre abordei aqui a linha tênue que estamos vivendo entre se proteger, proteger o outro e cuidar da nossa saúde. Ficar em casa não significa manter-se inativo ou torna-se um novo sedentário.
Os benefícios da prática de exercícios físicos já estão muito bem estabelecidos na literatura, já a inatividade física é um grande fator de risco —já abordei aqui ambos os temas.
Outro tema já abordado é o estudo de Peçanha et al (2020) que mostra uma associação interessante entre isolamento, inatividade e risco de doenças cardiovasculares. O artigo aponta que é provável que o isolamento domiciliar resulte em uma redução nos níveis de atividade física moderada a vigorosa e aumente comportamentos sedentários.
Contudo, pessoas que tiveram covid-19 e se recuperaram, podem sentir-se inseguras sobre "quando eu posso voltar aos exercícios físicos?" —ultimamente essa é uma das maiores dúvidas dos meus pacientes.
Quais são os riscos da atividade física após covid-19?
A compreensão atual da recuperação de covid-19 é limitada, mas a pesquisa preliminar destacou algumas preocupações importantes.
- Potencial de lesão cardíaca, incluindo miocardite viral.
- Complicações tromboembólicas, como embolia pulmonar, também estão associadas a covid-19.
- Fenômenos psiquiátricos primários, como psicose, foram identificados como uma característica de apresentação potencial de covid-19 e sequelas psicológicas após a infecção podem incluir transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade e depressão.
Alguns desses riscos potenciais exigem cautela ao aconselhar o retorno à atividade física ou exercícios após a infecção. Sem evidências de estudos robustos para informar a prática, todas as orientações atuais até o momento são baseadas em consenso ou opinião de especialistas.
Não existe uma solução perfeita, dadas as incertezas atuais e a disponibilidade variável de recursos em todo o mundo. O estudo defende uma abordagem pragmática que permite um retorno gradual à atividade física enquanto mitiga os riscos.
Como ter segurança na prática esportiva pós-covid?
Primeiro você deve avaliar com seu médico a possibilidade de retorno a prática —e isso deve ser avaliado individualmente. A primeira questão que deve ser levada é consideração é se a pessoa está fisicamente pronta para retornar à atividade.
No curso natural de covid-19, a infecção grave geralmente ocorre por volta de uma semana do início dos sintomas. Dessa forma, o retorno ao exercício ou atividade esportiva só deve ocorrer após um período assintomático de pelo menos sete dias.
O estudo ainda sugere a estrutura da volta aos exercícios, após liberação do médico que acompanha o caso, em fases.
Fase 1 e 2. Comece com atividades de intensidade leve por pelo menos duas semanas. Sugere-se usar como parâmetro a escala de percepção de esforço de Borg (original, que vai de 6 a 20), que é uma avaliação subjetiva de percepção de esforço e pode ser útil para orientar as pessoas na escolha de quais atividades fazer e como deve progredir.
Exercícios de intensidade leve devem manter-se abaixo de 11, sendo que a pessoa consegue manter uma conversa, por exemplo, sem faltar ar (atividades de vida diária, caminhada, alongamento, fortalecimento leve) —a orientação do English and Scottish Institute of Sport sugere que as atividades da vida diária devem ser facilmente alcançáveis e a pessoa capaz de caminhar 500 m no plano sem sentir fadiga excessiva ou falta de ar.
Recomenda-se passar sete dias na fase 1 em atividades de intensidade extremamente leve (entre 6 e 8 na escala de Borg), incluindo exercícios de flexibilidade e respiração, seguido por mais sete dias na fase 2 incorporando atividades de intensidade leve (6 a 11), como caminhada e ioga leve, com aumentos graduais de 10 a 15 minutos por dia no mesmo —sempre avaliando o nível de tolerância.
Fases 3 e 4. Progressão para atividades de movimento mais desafiadoras, dependendo da capacidade que tinha antes de ter covid-19. Isso pode incluir intervalos de dois blocos de 5 minutos de atividade, como caminhada rápida, subir e descer escadas, correr, nadar ou andar de bicicleta separados por um bloco de recuperação. A pessoa não deve sentir que o exercício é extremamente difícil e sugere-se trabalhar com uma percepção de esforço de 12 a 14 (intensidade moderada, sem falta de ar e pode manter uma conversa). Progrida adicionando um intervalo por dia conforme tolerado.
A fase 4 envolveria movimentos mais complexos que desafiam a coordenação, força e equilíbrio, como correr, mas com mudanças de direção, passos laterais e circuitos de exercícios de peso corporal, mas sem sentir dificuldade. Depois de completar a fase 4, as pessoas devem se sentir capazes de retornar ao seu nível de atividade de base ou até evoluir gradualmente.
O estudo ainda propõe um mínimo de 7 dias em cada fase, evitando, assim, aumento repentino de carga. Deve haver supervisão médica e o progresso deve ser monitorado, reportando qualquer incapacidade, como dificuldade de recuperação 1 hora após o exercício e no dia seguinte, falta de ar anormal, frequência cardíaca anormal, fadiga excessiva ou letargia e marcadores de doença mental.
Manter um diário da progressão do exercício, junto com a escala de Borg, qualquer mudança no humor, dados objetivos de condicionamento físico, como frequência cardíaca, podem ser úteis para monitorar o progresso.
Não se esqueça do que disse algumas vezes, os estudos são dinâmicos e, quando se trata da covid-19, ainda existe um caminho muito longo a ser percorrido. O que temos que entender é que devemos estar bem informados e sempre procurar um profissional habilitado para orientação com base nos achados.
Referências:
- Salman D,Vishnubal D., Le Feuvre P, et al. Returning to physical activity after covid-19. BMJ 2021;372:m4721 | doi: 10.1136/bmj.m4721
- Hull, J. H. Respiratory health in athletes: facing the COVID-19 challenge. www.thelancet.com/respiratory. Published online April 8, 2020 https://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30175-2.
- Peçanha, T.; et al. Social isolation during the COVID-19 pandemic can increase physical inactivity and the global burden of cardiovascular disease. Am J Physiol Heart Circ Physiol 318: H1441-H1446, 2020.
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