Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Ninguém disse que seria fácil ser saudável, mas, sim, necessário
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Preciso ser sincera com vocês: definitivamente não é fácil. Não é fácil depois de um dia corrido de trabalho e estressante você sentar para organizar sua rotina do outro dia.
Não é fácil acordar às 5 da manhã para treinar, porque às 7 você sairá para o trabalho. Também não é fácil fazer uma escolha oportuna e consciente, no meio de um turbilhão de decisões e "pepinos" em um lanche da manhã.
Não é fácil chegar no almoço morrendo de fome e decidir comer a salada antes do prato principal e ainda recusar uma sobremesa. Não é fácil ir até a mesa do colega ou subir as escadas até o andar de cima para tirar uma dúvida, já que temos o WhatsApp.
Não é fácil chegar em casa depois de tudo isso, exausto e, ao invés de escolher um x-salada, optar por uma refeição mais saudável. Não é fácil, ninguém disse que seria fácil, mas é extremamente necessário.
Não é fácil escolher: "sim, vou me cuidar, vou ser saudável". Em um dos textos anteriores disse que para vocês terem uma ideia, de acordo com estimativas publicadas pelo The Wall Street Journal, tomamos em média 35 mil decisões por dia e nessas estão desde as escolhas mais simples até as mais complexas.
Entendeu o porquê é tão difícil tomar uma decisão? Pelo simples fato de você não tomar uma decisão e, sim, milhares. Não é fácil tomar decisões, ter que escolher e decidir conscientemente pelo caminho mais árduo, porém mais oportuno.
Mas por que é necessário tomarmos decisões como estas?
- "Não é fácil depois de um dia corrido de trabalho e estressante, você sentar para organizar sua rotina do outro dia." Mas é extremamente gratificante deixar a sua rotina organizada e, com certeza, com o hábito implementado, o dia estressante se tornará um dia muito mais leve.
- "Não é fácil acordar às 5 da manhã para treinar, porque às 7 você sairá para o trabalho." Mas te deixará muito disposto para suas tomadas de decisão e seu corpo agradecerá.
- "Não é fácil fazer uma escolha oportuna e consciente, no meio de um turbilhão de decisões e 'pepinos' em um lanche da manhã." Mas é totalmente prazeroso ter feito a escolha certa.
- "Não é fácil chegar no almoço morrendo de fome e decidir comer a salada antes do prato principal e ainda recusar uma sobremesa." Mas dá um alívio tão grande perceber que o ímpeto da vontade foi rompida e conseguiu fazer uma melhor escolha que te saciou e nutriu de forma totalmente positiva.
- "Não é fácil ir até a mesa do colega ou subir as escadas até o andar de cima para tirar uma dúvida, já que temos o WhatsApp." Mas você ficará tão feliz depois que perceber que, além de ter cumprido sua rotina de treino, conseguiu manter um dia mais ativo.
- "Não é fácil chegar em casa depois de tudo isso, exausto e, ao invés de escolher um x-salada, optar por uma refeição mais saudável." Mas depois te dará um alívio de pensar que está dormindo bem mais leve e com a missão cumprida.
Fácil, não é, mas é extremamente gratificante. Muitas vezes vejo levantarem questões sobre pessoas que postam fotos treinando, felizes com suas conquistas, enfim, imagine como não foi fácil para aquela pessoa abrir mão de tantas escolhas e tomar decisões que fizeram com que ela chegasse ao seu objetivo?
Imagine como essa mesma pessoa está orgulhosa das suas conquistas, de todos os desafios e de todos obstáculos que encontrou no meio desse percurso? É gratificante pensar: "sim, consegui e fiz tudo isso por mim, pela minha saúde!"
Sabemos que a maioria das pessoas não consegue se comprometer com um estilo de vida saudável a longo prazo. Todos nós —especialmente a nova geração— estamos cada dia mais conscientes da importância de levar um estilo de vida saudável regularmente (a consciência é muito diferente da escolha, pois hoje muitos são mais conscientes, porém continuam optando pelo caminho não saudável).
No entanto, simplesmente não conseguimos. Podemos nos envolver em uma variedade de projetos de curto prazo, como ficar em um spa durante uma semana ou realizar dietas severas por um mês. No entanto, os benefícios que essas atividades de curto prazo geram são rapidamente perdidos à medida que somos arrastados de volta aos nossos "maus" hábitos no longo prazo.
A incapacidade de manter um estilo de vida saudável nos faz sentir frustrados e, claro, insalubres. Então, qual seria a saída? Por que é tão difícil manter um estilo de vida saudável a longo prazo e o que você deve fazer para melhorar suas chances de sucesso e tomar uma boa decisão?
O primeiro passo é entender o problema mais profundamente, se perguntando: "Quais são os principais obstáculos para a busca de um estilo de vida saudável?" e "quais são os pilares para um estilo de vida saudável? Como eles estão interligados?" Se entendermos o problema e seus componentes mais profundamente, estaremos um passo mais perto de encontrar uma solução.
Pesquisas mostram que, em 85% dos casos nos EUA e na Europa, os principais obstáculos em busca de um estilo de vida saudável se encontram entre:
- Falta de consciência. Os humanos tendem a descontar muito no futuro, o que significa que as coisas que temos agora são mais valiosas para nós do que as coisas que teremos em alguns anos. Por esse motivo, podemos não pesar corretamente os custos e as consequências de escolher hábitos não saudáveis.
- Falta de tempo. Trabalhamos muitas horas por dia, temos horários agitados, longos deslocamentos, pouco tempo e espaço mental e não conseguimos alocar tempo suficiente para atividades e escolhas necessárias para um estilo de vida saudável. A neurociência explica por que é tão difícil fazer as escolhas corretas --ou neste caso "saudáveis"-- sob estresse ou restrição de tempo. Sob estresse, nossos cérebros tendem a ser reflexivos. Quando somos reflexivos, tendemos a voltar aos velhos hábitos que são os caminhos "padrão" estabelecidos em nossos cérebros.
- Falta de autocontrole, incentivos e imposição. Optamos deliberadamente pelo prazer de curto prazo, principalmente por causa de uma condição de estresse que podemos ter, na maioria das vezes inconscientemente, ou por causa da personalidade/propensão. A razão subjacente para esses comportamentos é principalmente o estresse, como as descobertas da neurociência de fato sugerem que, em geral, o estresse estimula o comportamento de hábito em humanos, portanto, lidar em primeiro lugar com o estresse é provavelmente aconselhável quando você deseja fazer mudanças duradouras. Felizmente, seu cérebro pode mudar ao longo da vida e diminuir o estresse pode ajudar seu cérebro a se tornar menos vulnerável ao hábito.
- Experiência desagradável. Podemos não gostar de todas as partes da experiência. Não gostamos de correr, então apenas procrastinamos os esportes, não gastamos tempo pensando ou procurando outro esporte que possamos gostar mais. Podemos detestar a ideia de exames de sangue, então apenas adiamos os exames médicos.
Vamos entender agora, cientificamente, qual o poder de tomar essas decisões?
Um estilo de vida saudável é uma espécie de quebra-cabeça, composto por diferentes peças. Uma vez que estamos mais conscientes da existência e do peso dessas peças, e quais são as peças que pessoalmente achamos mais desafiadoras, fica mais fácil agir.
Os 5 pilares de um estilo de vida saudável podem ser sintetizados como nutrição, exercício físico (e atividades de vida diária), saúde mental e níveis de estresse, qualidade de sono e, por fim, cuidados com o corpo em geral.
A tradição japonesa aborda todos esses aspectos. De fato, não é à toa que a população japonesa é a que tem a maior expectativa de vida. Especificamente, há uma aldeia, no norte da província de Okinawa, que atende pelo nome de "aldeia dos centenários". Lá, um em cada quatro habitantes vive mais de 100 anos. Isso claramente não pode ser uma coincidência. Embora o clima e a genética certamente possam ajudar, a medicina antienvelhecimento revelou que 2/3 da probabilidade de viver mais de 100 anos vem de hábitos saudáveis.
Pensando nisso, vamos imaginar as situações que trouxe aqui no início de texto e as escolhas.
Então, se você resolvesse não treinar mais, porque não tem tempo. Você sabia que um estudo com 35.932 participantes mostrou que o grupo de pessoas mais ativas teve 66% menos probabilidade de morrer? Agora imagine você ter pegado aquele WhatsApp ao invés de ter subido as escadas para falar com seu colega todos os dias?
O mesmo estudo mostrou que pequenos incrementos de atividade foram suficientes para produzir um risco reduzido de mortalidade. O grupo de pessoas que realizou cerca de 60 minutos por dia de atividade leve teve um risco de morte 34% menor do que aquele que quase não realizou atividades.
Além do mais, de acordo com o NHS, há evidências crescentes de que ficar muito tempo sentado pode trazer riscos à sua saúde. Ficar muito tempo sentado retarda o metabolismo, o que afeta a capacidade do corpo de regular a glicemia, a pressão e a gordura corporal.
No Reino Unido, os adultos chegam a ficar cerca de 9 horas por dia sentados —o que agora com o home-office não é nada assustador, já que passamos o dia sentados. Por isso, o relatório das Diretrizes de Atividade Física do Reino Unido recomenda quebrar longos períodos de tempo sentado com alguma atividade (pode ser até uma caminhada até a mesa do colega) por apenas 1 a 2 minutos. Apesar de não haver evidências suficientes para definir um limite de tempo para quanto tempo as pessoas devem ficar sentadas por dia, o importante é tentar estar ativo.
Uma grande revisão de estudos publicados em 2015 nos Annals of Internal Medicine descobriu que, mesmo após o ajuste da atividade física, ficar sentado por longos períodos foi associado a piores resultados de saúde, incluindo doenças cardíacas, diabetes tipo 2 e câncer. O comportamento sedentário também pode aumentar o risco de morte, seja por doenças cardíacas ou outros problemas médicos.
Mesmo se você estiver fazendo 30 minutos por dia de atividade física, importa o que você faz nas outras 23 horas do dia. Por isso, importa, sim, o seu treino, mas importa ser ativo na vida!
Agora, se você decide frequentemente comer um fast-food no seu jantar, alimentos não saudáveis no seu almoço e outras refeições, o que pode acontecer? Alimentos ultraprocessados têm sido repetidamente vinculados a resultados adversos à saúde.
Dois novos estudos da França e da Espanha, publicados no British Medical Journal, mostraram que o consumo de junk food de forma frequente tem sido associado ao aumento de doenças cardíacas e morte precoce.
O projeto espanhol da Seguimiento Universidad de Navarra, uma coorte de voluntários universitários da Universidade de Navarra, rastreou dados alimentares de quase 20 mil participantes ao longo de 15 anos usando um questionário alimentar de 136 itens.
Os pesquisadores descobriram que aqueles que consumiam mais de quatro porções por dia de alimentos ultraprocessados tinham um risco 62% maior de mortalidade precoce e cada porção adicional de alimentos ultraprocessados, após quatro porções, aumentou as taxas de mortalidade em 18%.
O estudo francês da NutriNet-Santé, que contou com voluntários que usaram o aplicativo de rastreamento de alimentos NutriNet, também mostrou resultados negativos para os consumidores frequentes de alimentos ultraprocessados.
Acompanhando o consumo de quase 100 mil pessoas de mais de 3.000 itens, os pesquisadores descobriram um aumento de 12% nas doenças cardiovasculares, 11% nas doenças neurovasculares, que podem resultar em derrames, e 13% nas doenças coronárias.
Pode não ser tão fácil no início, mas é melhor não ser fácil, estabelecer um bom hábito e ser gratificante; do que parecer que está tudo bem, estabelecer maus hábitos e ser frustrante.
Referências:
- NSH. Why we should sit less. Disponível em: https://www.nhs.uk/live-well/exercise/why-sitting-too-much-is-bad-for-us/
- Johns Hopkins. Sitting Disease: How a Sedentary Lifestyle Affects Heart Health. Disponível em: https://www.hopkinsmedicine.org/health/wellness-and-prevention/sitting-disease-how-a-sedentary-lifestyle-affects-heart-health
- NIHR. Adults who are more active live longer. Disponível em: https://evidence.nihr.ac.uk/alert/adults-who-are-more-active-live-longer/
- Srour B, Fezeu L K, Kesse-Guyot E, Allès B, Méjean C, Andrianasolo R M et al. Ultra-processed food intake and risk of cardiovascular disease: prospective cohort study (NutriNet-Santé) BMJ 2019; 365 :l1451 doi:10.1136/bmj.l1451
- Rico-Campà A, MartÃnez-González M A, Alvarez-Alvarez I, Mendonça R d D, de la Fuente-Arrillaga C, Gómez-Donoso C et al. Association between consumption of ultra-processed foods and all cause mortality: SUN prospective cohort study BMJ 2019; 365 :l1949 doi:10.1136/bmj.l1949
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