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Paola Machado

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bebidas esportivas servem para atingir a cota de água que devemos tomar?

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Colunista de VivaBem

05/10/2022 04h00

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A correta ingestão de líquidos antes, durante e depois do treino é algo que costuma preocupar os atletas, pois muitos sabem que a desidratação pode prejudicar a performance e até a saúde —assim como o processo de hiponatremia, gerado pelo excesso de hidratação. Por causa disso, além de água, muitos praticantes de atividades físicas costumam tomar bebidas esportivas (os isotônicos são as mais comuns) durante os treinos. Mas será que as bebidas esportivas "contam"?

Em 1965, Dwayne Douglas, assistente técnico de futebol da Gator, questionou o especialista em doenças renais Robert Cade sobre por que os jogadores perdiam tanto peso durante os treinos e jogos, se urinavam tão pouco. Cade rapidamente deduziu que os jogadores estavam suando tanto que não tinham mais fluidos para urinar —mas foram as questões subjacentes que o intrigaram mais.

Ao pesquisar os efeitos do calor no corpo humano, Cade e seus colegas começaram a perceber que todo aquele suor estava levando consigo a energia, a força e a resistência dos jogadores. Os pesquisadores especularam que os eletrólitos (principalmente sódio e potássio) que os jogadores perdiam no suor estavam perturbando o equilíbrio químico do corpo.

No início de setembro de 1965, Cade e seus colegas começaram a coletar amostras de 10 jogadores de futebol americano calouros, na Universidade da Flórida. Os resultados foram de abrir os olhos para a época. Os eletrólitos dos jogadores estavam completamente desequilibrados, a glicemia estava baixa e o volume total de sangue também. A solução foi dar-lhes água com sal para substituir o sal que estavam perdendo no suor. Além disso, adicionaram açúcar para manter a glicemia. Dessa forma, obtiveram resultados promissores.

Essa pesquisa com atletas mostrou muito sobre o que precisávamos saber. Mas sabemos que a ingestão de líquidos suficientes todos os dias é essencial para qualquer pessoa, praticante ou não de atividade física, sendo vital para a saúde geral e contribuindo para as funções corporais básicas, incluindo regulação da temperatura, eliminação de resíduos, contribuição para as articulações do nosso corpo etc.

Quanto tomar de água?

Embora as recomendações variem dependendo da idade, do nível de atividade e de outros fatores (temos cálculos para saber a quantidade exata), as recomendações para mulheres são cerca de 2,7 litros de líquido por dia e os homens cerca de 3,7 litros por dia.

A alimentação fornece aproximadamente 20% de água, o que significa que as mulheres devem beber cerca de 2,2 litros de água por dia e os homens devem beber 3,0 litros.

Elas servem para alcançar a cota diária de hidratação?

Sim, pois elas têm água. Mas, pensando em saúde, não faz sentido trocar a água por essas bebidas.

Bebidas esportivas contêm eletrólitos: minerais como sódio, cálcio e potássio, que ajudam as células a manter o equilíbrio de fluidos no organismo. Você perde essas substâncias na transpiração, sendo que a água pura não as repõe.

A restauração de eletrólitos não desencadeia necessariamente em uma melhor hidratação e não há evidências conclusivas de que as pessoas percam eletrólitos suficientes por meio de atividades regulares ou mesmo exercícios moderados a vigorosos para afetar os níveis de hidratação.

Além disso, algumas bebidas esportivas tendem a conter outros compostos além da água e eletrólitos, como corantes alimentares e conservantes —por isso é importante ler os rótulos e procurar por produtos que não contenham esses ingredientes. Um estudo que comparou os efeitos hidratantes de três bebidas esportivas comercialmente disponíveis com água concluiu que nenhuma hidratava o corpo mais rapidamente do que a água comum.

As bebidas esportivas com açúcar (carboidratos) têm eletrólitos adicionados, mas o pequeno benefício deles não supera os efeitos negativos do consumo de açúcar e dos aditivos químicos na composição.

A American Heart Association (AHA) recomenda limitar o açúcar adicionado o máximo possível e ingerir menos de 25 g por dia para mulheres e 36 g ou menos por dia para homens, sendo que as bebidas esportivas podem contribuir com 3% do açúcar adicionado. Assim, embora as bebidas esportivas possam ser contabilizadas na ingestão diária de líquidos, elas não são recomendadas como uma bebida obrigatória.

Até há várias opções sem açúcar. Mas pesquisas indicam que os adoçantes artificiais muitas vezes usados não são necessariamente uma opção mais saudável do que o açúcar. Um pequeno estudo publicado pela revista Physiology and Behavior comparou uma bebida feita com um adoçante chamado isomaltulose, derivado do mel, com um adoçado com açúcar tradicional (sacarose).

Os resultados indicaram que a bebida adoçada com isomaltulose proporcionou melhor hidratação e levou a uma menor produção de urina em comparação com a bebida adoçada com açúcar. Uma possível razão é que a isomaltulose é digerida e absorvida mais lentamente do que um carboidrato típico, o que pode diminuir a quantidade de líquido perdido após beber uma bebida com esse adoçante. É importante notar, no entanto, que a isomaltulose ainda é um açúcar adicionado, e pesquisas são necessárias.

Vale reforçar que o açúcar serve a um propósito para quem participa de exercícios intensos que duram mais de uma hora, sendo uma fonte rápida de carboidratos para reabastecer as reservas que seu corpo usou após exercícios intensos. Para aqueles que bebem bebidas esportivas quando estão se exercitando em uma intensidade mais baixa, por menos de uma hora, ou não se exercitam, no entanto, todo esse açúcar pode ser prejudicial à saúde e ao peso.

Devemos lembrar também dos eletrólitos, pois o equilíbrio deles no corpo é essencial para a saúde e desempenho, tornando as bebidas esportivas uma opção para repor os eletrólitos perdidos pelo suor após um treino intenso. Devemos ter em mente que esses eletrólitos não aumentam a quantidade de hidratação que você receberá da bebida e é importante notar que os açúcares adicionados nas bebidas esportivas negam quaisquer benefícios à saúde oferecidos pelos eletrólitos.

*Ainda comparando bebidas esportivas com bebidas energéticas, ambas contêm açúcar como segundo ingrediente, porém as bebidas esportivas superam as bebidas energéticas quando se trata de hidratação, pois as bebidas energéticas contêm ainda mais açúcar do que as bebidas esportivas e uma quantidade razoável de cafeína, refletindo uma menor quantidade de água e, portanto, menos hidratação por xícara em bebidas energéticas.

Para maximizar as vantagens de hidratação das bebidas esportivas, é importante tomá-las apenas quando for apropriado. Embora a água seja o melhor hidratante, as bebidas esportivas podem fazer parte de um protocolo de hidratação durante e após exercícios intensos.

O ACSM observa que não há benefício de desempenho em tomar uma bebida esportiva para exercícios com duração inferior a uma hora. Eles afirmam, no entanto, que os atletas podem achar as bebidas com sabor mais palatáveis e, portanto, consumir mais líquidos em geral. Durante o exercício intenso que dura uma hora ou mais, a reposição de eletrólitos e alguns carboidratos pode ser benéfica e as bebidas esportivas podem ser um método útil para obter esses nutrientes. As bebidas esportivas não são nutricionalmente necessárias se você não estiver se exercitando, portanto, se optar por incluí-las como parte de sua rotina de hidratação, opte por aquelas com uma quantidade limitada de açúcar e aprecie-as com moderação.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Medicina Esportiva, as recomendações de hidratação incluem:

- Hidratar-se bem nas 24 horas que antecedem a atividade física.

- Iniciar o exercício bem hidratado. Para isso, é indicado, duas horas antes do exercício, ingerir de 250 ml a 500 ml de líquidos.
Beber líquidos durante a atividade física sempre que possível. Procure se hidratar a cada 15 ou 20 minutos de exercícios com um copo de água (de 150 ml a 200 ml).

- Se o tempo de atividade for longo, opte pelo consumo de isotônicos — quando necessário.

A quantidade de carboidrato que pode ser benéfica aumenta à medida que aumenta a duração do exercício. Pesquisas mostram que pequenas quantidades de carboidratos (menos de 30 gramas por hora) podem melhorar o desempenho do exercício em competições ou treinos com duração de 30 a 75 minutos.

É recomendado:

- Consumir até 30 gramas por hora de carboidratos ou cerca de 500 ml de uma bebida esportiva com 6% de carboidratos, em treinos que duram de uma a duas horas.

- Treinos com duração de duas a três horas podem se beneficiar de mais carboidratos —até 60 gramas por hora.

No entanto, essas recomendações são para atividades contínuas de alto esforço sem descanso. As mesmas diretrizes não se aplicam a certas atividades intermitentes, como musculação e o futebol com os amigos.

Vale lembrar que tudo dependerá dos seus objetivos. Procure sempre supervisão profissional.

Referências:

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