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Paola Machado

REPORTAGEM

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Quem dorme pouco come mal: sono interfere nas suas escolhas alimentares

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

24/10/2022 04h00

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Um estudo de 2021, intitulado "Losing sleep by staying up late leads adolescents to consume more carbohydrates and a higher glycemic load" (tradução "Perder o sono por ficar acordado até tarde leva adolescentes a consumir mais carboidratos e maior carga glicêmica") publicado pela revista Sleep por Duraccio e colaboradores, mostrou que o sono influencia a quantidade, o conteúdo de macronutrientes, os tipos de alimentos e o horário dos alimentos consumidos.

Isto é, adolescentes que dormiam menos do que a quantidade recomendada de sono eram mais propensos do que aqueles que dormiam mais a consumir alimentos que aumentam o açúcar no sangue, aumentando o risco de excesso de peso, obesidade e diabetes tipo 2.

O estudo foi realizado com 93 adolescentes comparando dois grupos, sendo um com cinco noites de sono mais curto (cerca de 6,5 horas de sono) a cinco noites de sono saudável ou dentro do recomendado (cerca de 9,5 horas de sono).

Os adolescentes completaram três diários alimentares em que registraram os tipos, a quantidade e o momento da ingestão de alimentos, assim estudaram a ingestão calórica, conteúdo de macronutrientes, tipos de alimentos e cargas glicêmicas que ingeriam regularmente.

Os resultados foram calculados ao longo dos dias avaliando o diário alimentar dentro das condições estabelecidas, como quilocalorias, gramas de carboidratos, gordura, proteína e açúcares adicionados, carga glicêmica de alimentos e porções de tipos específicos de alimentos (bebidas de baixa caloria, bebidas açucaradas, frutas/vegetais, carnes/proteínas, salgadinhos processados, fast food, grãos e doces/sobremesas).

No "sono curto", os adolescentes ingeriram mais gramas de carboidratos e açúcares adicionados, alimentos com maior carga glicêmica e porções de bebidas doces, consumindo menos porções de frutas/legumes em comparação com o "sono saudável". Além disso, as diferenças no consumo de quilocalorias, gordura e carboidratos surgiram após as 21h.

Vale reforçar que ambos os grupos ingeriram aproximadamente a mesma quantidade de calorias. Contudo, aqueles que dormiram menos simplesmente escolheram alimentos com mais adição de açúcares e carboidratos.

Os pesquisadores levantaram a hipótese que os adolescentes com "sono curto" ficam mais cansados e, consequentemente, acabam procurando por fontes de energia mais rápida para mantê-los dispostos até que possam dormir novamente, assim optam por fontes mais calóricas.

De acordo com o Clinical Guide to Pediatric Sleep, os adolescentes precisam de mais horas de sono. A quantidade média de sono que os adolescentes têm é de cerca de 7 horas, mas estudos mostram que a maioria dos adolescentes precisa de pelo menos 9 horas de sono.

Para crianças em idade escolar, de seis a 13 anos, recomenda-se de 9 a 11 horas de sono por dia; e para adolescentes, entre 14 e 17 anos, o ideal são de 8 a 10 horas de sono diariamente. No entanto, segundo um estudo publicado pelo periódico científico Nature Human Behavior, 93,5% dos jovens não chegam nem a sete horas de sono por dia.

A privação do sono afetará muitos aspectos do funcionamento de um adolescente, incluindo humor, comportamento, atenção, tomada de decisão e desempenho nas atividades do dia a dia —incluindo na escola.

Como o estudo recente sugere, maus hábitos alimentares também podem fazer parte dessa lista, causando um efeito cascata adicional. Um estudo que analisou a prevalência da ingestão de açúcar adicionado de adolescentes no Brasil descobriu que aqueles que consumiam mais açúcar também tinham pior qualidade geral da dieta e passavam mais tempo em dispositivos eletrônicos.

E esses achados não são só para adolescentes e podem ser aplicados nos adultos. Pessoas que trabalham por turnos, com rotinas irregulares, podem ter o sono e a dieta comprometidos, além, é claro, de não conseguirem conciliar com hábitos de rotina de treino.

Essas pessoas tendem a consumir alimentos de conveniência, como guloseimas açucaradas e escolhas ricas em carboidratos para manter a energia e essa prática não apenas adiciona calorias. De acordo com um estudo da Science Advances, desregular o ritmo circadiano, que ocorre ao ficar acordado a noite toda, também pode levar à intolerância à glicose.

Nesse estudo, aqueles que se abstiveram de comer durante os turnos tinham níveis de glicose mais bem regulados, uma indicação de que comer à noite pode ter um efeito significativo no seu metabolismo.

Os mesmos problemas de menos sono e escolhas alimentares também podem afetar os trabalhadores que não trabalham em turnos, foi o que mostrou um outro estudo da Sleep Health, que descobriu que a duração mais curta do sono tem sido associada ao aumento do apetite e à obesidade em geral.

Os participantes que dormiam 5 ou menos horas por noite tiveram um consumo 21% maior de bebidas açucaradas durante o dia. No geral, dormir pouco pode aumentar os desejos de açúcar e, ao mesmo tempo, o aumento do consumo de açúcar pode afetar negativamente o sono, tornando-se um ciclo sem fim.

Esses achados experimentais sugerem que o sono insuficiente afeta padrões alimentares que podem aumentar o risco de obesidade e desfechos cardiometabólicos. Uma das melhores maneiras de evitar que isso ocorra em sua vida é garantir que você desenvolva uma rotina de sono saudável.

Inclusive, com a proximidade das épocas mais quentes do ano, seus cuidados com a rotina de sono precisam aumentar. Os dias com maior tempo de luz solar, as temperaturas elevadas e a vida social mais agitada desse período tendem a interferir na quantidade de tempo que você dorme.

Um levantamento de dados de usuários do Polar Flow (aplicativo que monitora sono, treinos e atividades físicas do dia a dia) apontou que, em média, as pessoas dormiram 15 minutos a menos por noite nos primeiros meses de verão no hemisfério norte. Isso representa oito horas a menos de sono por mês, o que pode impactar seu humor, concentração e alimentação. Portanto, adote bons hábitos para uma higiene do sono.

Referências:

Mildell JA. A Clinical Guide to Pediatric Sleep. Indicação: https://www.amazon.com.br/Clinical-Pediatric-Diagnosis-Management-Problems/dp/1451193009

VivaBem. Veja quantas horas de sono você precisa, de acordo com a faixa etária. Disponível em: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2022/03/01/veja-quantas-horas-de-sono-voce-precisa-de-acordo-com-a-faixa-etaria.htm

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