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Paulo Chaccur

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Diabetes gestacional: quais são os riscos para mãe e para o bebê?

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Colunista do UOL

25/04/2021 04h00

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A gestação traz uma série de transformações para a vida de uma mulher. Nesta fase, o corpo feminino passa por adaptações em órgãos e no metabolismo para garantir o desenvolvimento do feto. Durante os nove meses da gravidez ocorrem uma série de alterações hormonais.

Ao longo deste período, o organismo da mãe tende a aumentar, por exemplo, a produção de insulina, hormônio responsável por controlar a quantidade de glicose (açúcar) no sangue. E é exatamente aqui que está a causa do que chamamos de diabetes gestacional.

Uma batalha entre mãe e filho

Para ilustrar a situação que gera a doença, podemos dizer que o processo funciona como uma queda de braços entre o corpo da mãe e o do bebê: de um lado o organismo da criança exige uma demanda alta de açúcar para garantir seu desenvolvimento. Do outro, o corpo da mãe responde com insulina, na tentativa de controlar o excesso da substância no organismo. Cada um buscando garantir aquilo que precisa.

O responsável pela regulação da insulina é o pâncreas. Em condições normais, quando o nível de glicose no sangue fica alto, células especiais liberam insulina para equilibrar sua quantidade e, desta forma, permitir que o açúcar disponível seja usado de acordo com as exigências do momento —a glicose pode ser utilizada como combustível para as atividades do corpo ou fica armazenada como reserva, em forma de gordura. Esse controle mantém em níveis normais a taxa de glicemia no sangue.

No entanto, na gestação outros hormônios são liberados pela placenta e acabam atrapalhando o processo. Eles forçam o pâncreas materno a trabalhar ainda mais para manter os níveis da substância em ordem.

O problema é que muitas vezes todo esse esforço não é suficiente e sobra açúcar na corrente sanguínea (o que chamamos de hiperglicemia). É daí que surge o diabetes gestacional.

Mas eu nunca tive diabetes antes!

Mesmo sem nunca ter apresentado qualquer problema ou tendência ao diabetes é possível que a mulher veja suas taxas de açúcar subirem para além do normal durante a gravidez —a OMS (Organização Mundial de Saúde) considera glicemia elevada e alerta de diabetes gestacional taxas acima de 92 mg/l de glicose no sangue quando analisado em jejum.

A doença geralmente surge após a 20ª semana de gravidez. A partir desse período, a placenta começa a liberar hormônios que têm efeito contrário ao da insulina. Se não for devidamente diagnosticada, monitorada e tratada, o diabetes gestacional pode trazer complicações à saúde da mãe e do bebê, como o ganho de peso excessivo (para ambos), aumento no líquido amniótico, malformações fetais e parto prematuro.

Seus desdobramentos servem ainda como precursores de risco para doenças que afetam o coração, entre elas a obesidade, hipertensão, eclâmpsia e diabetes depois da gravidez ou do nascimento.

Coração e o diabetes

Diabetes x coração, doença cardiovascular - iStock - iStock
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Segundo a American Heart Association, o diabetes gestacional pode aumentar o risco de doenças cardíacas. De acordo com pesquisas publicadas recentemente na principal revista da entidade, a Circulation, mulheres com histórico de diabetes durante a gravidez têm o dobro de chance de desenvolver cálcio nas artérias, forte preditor de doença arterial coronária —mesmo ao atingir níveis adequados da glicemia após a gravidez.

A complicação na gestação também favorece o surgimento do pré-diabetes ou do diabetes tipo 2 (quando o corpo não consegue utilizar adequadamente a insulina que produz). Com taxas elevadas de glicose no sangue, várias alterações que interferem no sistema cardiovascular podem acontecer.

Para começar, o nível de colesterol aumenta, formando um número maior de placas de gordura nas artérias coronárias, o que pode gerar obstrução. Além disso, a quantidade excessiva de glicose no sangue favorece a produção de coágulos, que também podem bloquear as coronárias —artérias responsáveis por irrigar o coração.

O problema é que para manter-se em pleno funcionamento, o músculo cardíaco necessita de uma demanda constante de sangue. A obstrução (parcial ou total) das artérias coronárias tem como consequência complicações ou o surgimento de fatores de risco ou doenças cardíacas, como insuficiência cardíaca, hipertensão arterial, aneurisma da aorta e infarto do miocárdio.

Caso o mesmo processo ocorra em outras artérias do corpo, o resultado pode ser um acidente vascular cerebral ou a doença vascular periférica.

Fatores de risco

Como dito, qualquer mulher pode ter diabetes gestacional, mas a complicação é mais comum naquelas que estão acima do peso (sobrepeso ou obesidade) ou ganhando muitos quilos na gestação, são mais velhas, têm ovários policísticos, hipertensão arterial, triglicérides e colesterol altos, estão em uma gestação múltipla (gêmeos), tiveram gravidez prévia com a doença ou de bebês grandes (mais de 4 kg) ou ainda têm histórico familiar de diabetes ou diabetes gestacional.

Mulheres que apresentavam, antes da gravidez, certa resistência à insulina também podem desenvolver o diabetes gestacional. As que já tinham o diagnóstico de diabetes tipo 2 precisam de um acompanhamento mais próximo, pois existe a probabilidade de piora no quadro.

E o que acontece com a criança?

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Os filhos de mães com diabetes gestacional podem apresentar complicações quando ainda estão dentro do útero ou após o nascimento. Além do aumento nos níveis de insulina no corpo da mulher, é possível que o mesmo aconteça com o feto, que passa a receber muita glicose por meio da placenta, o chamado hiperinsulinismo.

O pâncreas do bebê acaba assim sobrecarregado. Apesar de todo seu esforço, não consegue liberar hormônio suficiente para transformar glicose em energia.

As sobras de açúcar então viram gordura e a criança passa a ganhar peso além da conta. Isso porque a insulina é uma substância anabólica, ou seja, promove o crescimento e hipertrofia.

Seu excesso promove crescimento exagerado do corpo e dos órgãos, aumento da gordura corporal e da distância entre os ombros do feto. São casos de bebês macrossômicos (quando a criança nasce pesando 4 kg ou mais), o que pode dificultar o parto.

O quadro aumenta também o risco de queda dos níveis de açúcar na circulação do bebê ao nascer, a chamada hipoglicemia do recém-nascido. Isso pode ser explicado porque, durante a gestação, o feto permanece em um ambiente com taxas elevadas de açúcar. Seu pâncreas produz então muita insulina.

Logo após o parto, quando deixa de receber tanto açúcar da mãe e seus níveis de insulina ainda continuam altos, ocorre uma queda brusca na glicose. A hipoglicemia no bebê é muito grave e pode levar a complicações, inclusive a morte.

Fetos de mães com diabetes na gestação têm ainda maior propensão a nascerem antes do tempo. Bebês prematuros apresentam maior probabilidade de problemas no sistema cardiovascular e respiratório logo após o nascimento e maior risco de desenvolvimento de pressão alta, obesidade, diabetes tipo 2 e doenças do coração na vida adulta.

Pesquisa publicada no Canadian Medical Association Journal (setembro/2020) indica que filhos de mulheres que tiveram diabetes gestacional têm de duas a três vezes mais chances de desenvolver doenças cardiovasculares nos primeiros 35 anos de vida.

O que fazer então?

A boa notícia é que o controle rigoroso da glicemia durante a gestação diminui ou evita riscos de complicações para a mãe e para o filho, inclusive das consequências no pós-parto. O tratamento é feito normalmente com monitoramento do peso, alimentação saudável e exercícios físicos regulares.

Quando não é possível administrar a doença dessa forma, o uso de medicamentos e insulina pode ser necessário. Tudo vai depender da resposta da mulher ao tratamento e da gravidade do caso.

O diabetes gestacional praticamente não tem sintomas. Algumas pacientes relatam sede constante, vontade frequente de urinar e cansaço. Por isso, é fundamental a realização do exame de glicose no pré-natal, além de avaliações periódicas da curva glicêmica. Após o diagnóstico será preciso o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar durante toda a gestação.

Para a vida de uma futura mamãe que já convive com o diabetes, os cuidados não serão muito diferentes. Contudo, as precauções devem ser ainda mais rigorosas para minimizar possíveis complicações, especialmente em relação taxa de glicose no sangue.

É importante que essas gestações sejam planejadas a fim de ter o diabetes sob controle antes da gravidez.

Aquelas que enfrentaram o diabetes gestacional, depois do parto, devem manter a rotina de acompanhamento, além dos check-ups para avaliação da glicemia e demais precauções com a saúde.

Vale ressaltar ainda que o aleitamento materno pode reduzir a possibilidade do desenvolvimento de diabetes permanente no futuro.