Topo

Paulo Chaccur

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quais danos o uso de drogas pode causar ao coração?

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

11/09/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Inicialmente, as drogas podem até desencadear efeitos subjetivamente positivos. E aqui empregamos a palavra "drogas" para nos referir a qualquer composto que possa causar mudanças no estado neurológico ou bioquímico de um indivíduo, sejam elas naturais ou sintéticas, lícitas ou ilícitas.

O álcool, por exemplo, é muitas vezes associado a uma vida social ativa e animada, desviando a atenção dos potenciais riscos de seu consumo. O problema é que o uso dessas substâncias é base para a formação do hábito e da dependência fisiológica ou psicológica, especialmente, em alguns casos, pelo consumo excessivo ou compulsivo.

As consequências envolvem algumas circunstâncias, tais como o tipo da droga, predisposições do usuário, contexto em que essa pessoa fez uso, frequência, duração ou extensão do uso e se outras substâncias são utilizadas simultaneamente. Mas o fato é: o uso de drogas faz mal à saúde e afeta direta e indiretamente o coração. Os danos estão relacionados ao mau funcionamento ou deterioração do órgão e/ou dos vasos sanguíneos, causando uma série de questões cardiovasculares, com impactos consideráveis na saúde geral e na longevidade.

O que acontece com o coração

No sistema cardiovascular, o uso, principalmente quando abusivo e prolongado, pode levar a distúrbios e danos aos tecidos do coração e dos vasos sanguíneos. O resultado é uma possível redução da capacidade inerente do órgão em desempenhar suas funções normais, que incluem o bombeamento regular e consistente do sangue, fundamental para fornecer nutrientes e oxigênio a todas as partes do corpo —situação capaz de gerar uma insuficiência cardíaca, com falência estrutural e funcional do coração.

A hepatite C (infecção viral que pode ser contraída por agulhas contaminadas) é outra consequência comum do abuso de algumas drogas. A doença tem repercussão no sistema hepático (fígado), mas também pode estar associada a certos tipos de cardiomiopatia ou miocardiopatia (doença do músculo cardíaco, o miocárdio). Não podemos deixar de falar ainda das questões emocionais e comportamentais, que podem desencadear outros problemas, como depressão e crises de ansiedade, e transformar o cenário numa bola de neve.

Os entorpecentes provocam o enfraquecimento da musculatura cardíaca (também abrindo precedentes para as cardiomiopatias), a cardiomegalia (nome dado ao aumento do coração), arritmias (entre elas a fibrilação atrial), aumento da pressão arterial e obstruções nas artérias que irrigam o órgão, condições que podem chegar a quadros graves que incluem infartos do miocárdio, AVC (acidentes vasculares cerebrais) e até a morte.

De que drogas estamos falando?

De modo geral, todas! As drogas podem ser classificadas, entre outros critérios, a partir dos efeitos que causam no organismo, em especial no sistema nervoso central (SNC), cujo órgão principal é o cérebro. Esses efeitos podem ser estimulantes, depressores ou perturbadores. Vejamos abaixo alguns detalhes mais específicos sobre cada uma delas:

1. Drogas depressoras

São substâncias tidas como depressoras aquelas que diminuem a atividade do sistema nervoso central, deixando o indivíduo mais devagar, desligado e alheio. Tendem a reduzir a tensão emocional, atenção, concentração, memória e a capacidade intelectual. Podem produzir sonolência, embriaguez e até coma. Essas drogas também geram alterações nos batimentos cardíacos, além desencadear outros problemas, como dificuldade para respirar, fadiga, inchaços nas pernas e pés e, em situações extremas, até uma parada cardíaca.

Entram aqui drogas injetáveis, ingeríveis ou inaláveis. São exemplos de depressores: álcool, ansiolíticos, antidepressivos, soníferos, sedativos, morfina, heroína e inalantes/solventes (colas, tintas e removedores).

2. Drogas perturbadoras

Perturbadoras ou drogas alucinógenas são aquelas cujos efeitos são relativos à distorção das atividades cerebrais. Elas alteram a percepção de espaço e tempo, pensamentos, dos sentidos e provocam até alucinações e delírios. Maconha, haxixe, ecstasy, cogumelos, LSD, medicamentos anticolinérgicos são tidos como substâncias perturbadoras.

Em geral, causam sensação de euforia, prazer e bem-estar, mas também podem provocar ansiedade, tristeza, tensão e medo. Esse tipo de droga prejudica, normalmente, as funções cognitivas —como percepção, atenção, memória, linguagem e aprendizagem, a coordenação motora e, com o uso contínuo, pode gerar quadros de ansiedade, depressão, síndrome do pânico, entre outros distúrbios psiquiátricos, assim como consequências para o coração e os vasos sanguíneos desencadeadas a partir desses quadros.

3. Drogas estimulantes ou aceleradoras

São drogas que têm como principal efeito a aceleração da atividade do SNC, com aumento do estado de vigília e dos níveis de adrenalina no organismo. Deixam o indivíduo "ligado" ou "elétrico". Essas substâncias imitam ou cooperam com os neurotransmissores estimulantes do corpo, como epinefrina e dopamina. Inibem as sensações de fome, cansaço e sono e, em contrapartida, geram estado de excitação, disposição e resistência. Provocam a aceleração da atividade cardiovascular.

Ao fim de seus efeitos, comumente, causam o inverso: cansaço, indisposição e quadros depressivos e de ansiedade, especialmente com a sobrecarga em que expõem o organismo. Podemos incluir nesse grupo: anfetaminas, cocaína e crack —drogas que provocam, por exemplo, aumento acentuado da frequência cardíaca e a contração excessiva dos vasos do coração, exigindo trabalho extra do órgão no bombeamento do sangue. Vale destacar que entram aqui também a cafeína e a nicotina (presente no cigarro).

E o que falar das drogas liberadas e consumidas sem restrição?

O álcool e o cigarro, embora legais e —de certa forma— estimulados dentro do convívio social, estão ligados à alta prevalência de doenças e complicações para a saúde, incluindo as questões que estamos destacando, as cardiovasculares. Bebidas alcoólicas, consumidas em larga escala em todo o mundo, podem desencadear grande parte dos problemas (se não todos) relatados acima. Além disso, seu consumo favorece o ganho de peso e a obesidade, o risco de desenvolver diabetes, o aumento da pressão arterial e dos níveis de triglicérides (que, combinado com o colesterol, estimula o depósito de gordura na parede das artérias).

Os energéticos também fazem parte dessa lista. Isso porque reúnem substâncias que estimulam o metabolismo e colaboram para aumentar a disposição física e mental. A cafeína, presente em alta concentração nesse tipo de bebida, é um psicoestimulante, ou seja, age no sistema nervoso central. Nesse caso, o maior problema está no excesso de consumo.

Devido ao seu poder estimulante, promove a liberação de hormônios de excitação, como a adrenalina e noradrenalina, que também favorecem o aumento da pressão, dos batimentos e promovem a vasoconstrição. Por isso, as principais complicações cardiovasculares decorrentes do uso dos energéticos são os picos hipertensivos, irritação do miocárdio e as arritmias. Em longo prazo, uma possível sobrecarga no coração e um maior risco de ataque cardíaco.

Vale mencionar, por fim, os esteroides anabolizantes, classe de drogas que imitam hormônios e outras moléculas reguladoras do corpo, que passaram a ser utilizados por pessoas interessadas em esculpir seus corpos e aumentar a massa muscular. Na pressa de chegar ao efeito desejado, muitos utilizam doses muito altas que interferem no equilíbrio hormonal e podem causar diversos problemas, que vão do aumento do nível de colesterol até um infarto.

E as misturas?

Como já deve ser possível concluir, outra grande preocupação é a combinação dessas substâncias, ampliando os riscos de efeitos adversos e até fatais. E isso pode incluir uma combinação aparentemente normal: energético e bebida alcoólica. O álcool e os energéticos por si só aceleram os batimentos e fazem subir a pressão. Juntos seus efeitos são potencializados e a mistura pode se tornar uma bomba no sistema cardiovascular.

Ou seja, se uma droga traz riscos, o consumo simultâneo de múltiplas substâncias pode causar uma sobrecarga ainda mais significativa ao coração e levar à overdose, causa da morte recente de Taylor Hawkins, o baterista da banda Foo Fighters —no corpo do músico foram encontradas pelo menos 10 substâncias diferentes.

"Não há quantidade de álcool que faça bem para o coração"

A frase acima foi mencionada no novo guia da Federação Mundial do Coração (WHF, a sigla em inglês), declaração que gerou críticas de pesquisadores que defendem que quantidades moderadas de álcool podem até proteger o coração. Os críticos questionaram dizendo que a afirmação ignora estudos e evidências científicas disponíveis que mostram benefícios em algumas condições cardíacas quando acontece o consumo moderado de certas bebidas.

Porém, segundo a entidade, não há quantidade de álcool boa e segura para a saúde do coração. A ingestão, seja ela qual for, pode levar à perda de uma vida saudável e aumentar o risco de vários problemas cardiovasculares. Além disso, a WHF afirma que qualquer potencial efeito cardioprotetor é superado pelos riscos e danos documentados.

É importante ficar atento

Vale reforçar, por fim, que, no caso do coração, se o indivíduo já tem alguma condição, fator de risco ou suscetibilidade para doenças cardiovasculares, os eventos adversos podem ser mais sérios e rápidos. Como vimos, as drogas de modo geral trazem diversos e múltiplos danos à saúde física e mental. Algumas de forma instantânea e outras em longo prazo ou com o uso frequente e descontrolado.

Muitas pessoas perdem famílias, amigos, empregos, relacionamentos, finanças e muito mais devido às drogas. O uso ou o envolvimento com qualquer tipo de substância assim, essencialmente quando se torna um vício, merece atenção, cuidados e a busca por tratamentos.