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Paulo Chaccur

REPORTAGEM

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A Copa do Mundo chegou: seu coração está preparado?

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

20/11/2022 04h00

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Mesmo quem não liga muito para futebol acaba de alguma forma se envolvendo com a Copa do Mundo. O campeonato, que começa hoje com a tradicional cerimônia de abertura e o duelo entre Qatar e Equador, promete mexer com as emoções dos torcedores. Para os brasileiros, a estreia é na quinta-feira (24). E o coração, como fica nessa hora?

Provavelmente você já ouviu histórias de torcedores que passaram mal e até sofreram um infarto do miocárdio enquanto assistiam a um jogo. Ao que tudo indica, o coração não resistiu às fortes emoções da partida. Mas o que acontece no funcionamento do órgão quando estamos em situações assim e como prevenir que os problemas aconteçam?

O futebol e as emoções

O futebol, que para muitos é considerado uma paixão nacional, pode ser fator desencadeante de um estado de estresse intenso. Isso porque as disputas acirradas e partidas decisivas, especialmente em campeonatos como um Mundial, muitas vezes geram tensão, angústia, ansiedade e nervosismo, e têm potencial para interferir e trazer consequências para a saúde cardiovascular.

Aquela bola que teima em não entrar no gol é capaz de mobilizar hormônios que agem no corpo nos preparando para situações de luta ou fuga. É como se o organismo detectasse que algo pode dar errado, deixando tudo pronto para a ação. Assim desencadeia uma série de mudanças fisiológicas. No momento em que um torcedor identifica uma situação de risco, por exemplo, de o time perder e ser desclassificado, o corpo simula esse mesmo efeito.

A partir de então, hormônios como cortisol e adrenalina passam a ser liberados de forma mais intensa, fazendo com que o coração acelere, a boca fique seca e o corpo trêmulo, a sudorese aumente e os níveis da pressão arterial subam. Essas substâncias ainda mobilizam os estoques de glicose na corrente sanguínea. E está aí a razão para que alguns diabéticos apresentem picos de glicemia temporários nesse tipo de situação.

Além disso, ao invés de priorizar os órgãos internos, o sangue é direcionado aos principais grupos musculares. O fluxo ao sistema digestivo e urinário é reduzido. Até sentimos movimentos intestinais, mas a digestão deixa de ser prioritária. Nessas horas, geralmente, nem sentimos fome ou vontade de fazer xixi.

Efeitos no coração e vasos sanguíneos

O coração começa a bombear sangue de forma mais rápida e, por isso, o ritmo dos batimentos cardíacos aumenta. Para ajudar, os vasos sanguíneos ficam mais estreitos, ou seja, ocorre a constrição das artérias. O sangue tende a se tornar mais espesso, o que aumenta ainda mais a resistência nos vasos.

Níveis elevados de hormônios do estresse também podem alterar a coagulação do sangue. Fatores que preparam o cenário para quadros de arritmias, insuficiência cardíaca, infarto ou AVC (acidente vascular cerebral) —popular derrame.

Atenção redobrada aos corações fragilizados

O alerta vale, especialmente, para aqueles que já têm algum fator de risco, predisposição, histórico de evento no coração ou alguma doença cardiovascular diagnosticada. De modo geral, embora um jogo de futebol não seja considerado perigoso, uma questão cardíaca pode ser exacerbada pelo estresse emocional provocado durante uma partida.

Em pessoas propensas às questões cardiovasculares, uma situação como essa, particularmente quando frequente, pode causar o rompimento de placas de gordura presente nas artérias e uma redução ou bloqueio do fluxo de sangue, o que tem como consequência o infarto ou AVC.

Cerveja gelada e petiscos

As mudanças na rotina durante o período dos jogos da Copa do Mundo muitas vezes também são o empurrãozinho que faltava para um problema cardíaco iminente. "Mas isso não pode acontecer em outras ocasiões?", muitos questionam. A resposta é sim e realmente acontecem, a exemplo da época das festas de final de ano.

No entanto, o campeonato mundial de futebol em países como o Brasil é, para grande parte da população, um grande acontecimento, momento em que as pessoas aproveitam para realizar encontros e reuniões para assistir aos jogos com a família e os amigos. E isso acaba sendo uma oportunidade para aquela cervejinha gelada, churrasco, petiscos e outras guloseimas. Inclusive nas partidas realizadas no período da manhã.

Ou seja, diversos excessos são cometidos em relação ao consumo de álcool e alimentação, com a inclusão em maior quantidade e frequência de gordura trans e saturada, ultraprocessados, sódio, frituras, entre outros. Muitas vezes associados com sedentarismo, obesidade, tabagismo e má qualidade do sono. O que para alguns gera sobrecarga ao coração e pode desequilibrar fatores de risco, como colesterol, diabetes e pressão arterial.

Um agravante que merece ser mencionado aqui é o fato de que muitos indivíduos, por não apresentarem qualquer sintoma, desconhecem a predisposição de problemas cardiológicos. Isso quer dizer que boa parte dos ataques cardíacos e outras complicações ocorridas durante a Copa já estavam prestes a acontecer.

Estudos pelo mundo

Pesquisas realizadas em diferentes países apontam que em dias de jogos emocionantes aumenta o número de torcedores que apresentam eventos cardiovasculares, como AVC, infarto, angina e arritmias. Uma delas, publicada no New England Journal of Medicine (2008), concluiu que "assistir a uma partida de futebol estressante mais do que duplica o risco de um evento cardiovascular agudo".

Outra, realizada durante a Copa do Mundo da Alemanha, em 2006, registrou picos de problemas relacionados ao coração durante o período dos jogos. Os autores consultaram os serviços de emergência da área de Munique e adjacências para saber quantas pessoas haviam sido atendidas com diagnósticos de infarto do miocárdio, angina, arritmia ou parada cardíaca.

No decorrer da Copa, 4.279 pacientes foram admitidos. Nos dias em que os jogos foram disputados entre equipes estrangeiras, sem a participação alemã, o número de atendimentos foi igual ao ocorrido nos períodos-controle. Já nos oito dias em que o time alemão atuou, as internações por emergência cardiovasculares aumentaram em média 2,66 vezes.

Haja coração!

O bordão de Galvão Bueno vem para nos lembrar: devemos estar atentos à saúde do coração durante as partidas do mundial. Além dos cuidados já ditos em relação aos excessos cometidos no período da Copa, é preciso estar ligado aos sinais do corpo.

Ao sentir o coração acelerar muito por um período mais longo do que o normal, acompanhado de pressão ou dor no peito, aumento do suor, boca seca, mãos frias, cansaço, dor de cabeça, paralisia ou fraqueza muscular nos braços ou pernas e mal-estar, é recomendado buscar atendimento médico imediato. Na dúvida, é sempre válido passar por uma avaliação.

Para quem já tem conhecimento ou está em tratamento de alguma condição cardíaca é fundamental manter os cuidados regulares. Sentiu que o nervosismo está forte demais? Faça uma pausa, levante-se, saia da frente da TV, tome um copo d'água. Vale reforçar: nenhum jogo é mais importante do que a saúde do seu coração!