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Paulo Chaccur

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Meta para começar o ano: o ato de perdoar faz bem ao coração

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

01/01/2023 04h00

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Quem nunca foi prejudicado por ações ou palavras de outra pessoa? Talvez alguém da família que tenha feito críticas constantes durante a juventude, um colega de trabalho que sabotou um projeto ou a traição de um parceiro. Na maioria das vezes são situações que geram feridas e sentimentos profundos e duradouros de raiva, rancor, mágoa, tristeza, amargura e até mesmo vingança.

No entanto, de acordo com um artigo publicado pela Mayo Clinic (EUA), praticar o perdão pode ajudar a mudar esse cenário e ainda beneficiar a saúde, inclusive do coração. Isso porque o ato de perdoar pode trazer de volta a paz, a esperança, o amor e a alegria.

O perdão pode levar ao caminho do bem-estar físico e emocional. A explicação está no fato de os sentimentos serem capazes de alterar o funcionamento do nosso organismo.

Aqui é importante, entretanto, fazer uma ressalva: perdoar não significa esquecer ou ainda fazer as pazes com quem causou o mal.

O poder curativo do perdão

Perdoar não se trata apenas de palavras. É um processo individual ativo, mental e sentimental. Envolve a decisão consciente de deixar ir os ressentimentos e pensamentos negativos —quer a pessoa o mereça ou não.

É uma resolução que precisa ser internalizada e trabalhada. Com isso, pode gerar um tipo de paz de espírito, uma libertação, que nos ajuda a seguir a vida em frente. O que causou a ferida é um fato que aconteceu e não poderá ser modificado. No entanto, o perdão pode diminuir o domínio que isso tem sobre nós.

Estudos indicam que o ato de perdoar traz recompensas para a saúde e o funcionamento do coração:

fortalece o sistema imunológico

proporciona sensação de relaxamento e diminui a tensão muscular

melhora os níveis de colesterol e pressão arterial

reduz a dor

contribui para o sono

melhora a autoestima

diminui os níveis de ansiedade, depressão e estresse

reduz o risco de infarto.

É possível treinar o perdão?

De acordo com um estudo realizado pela Universidade de Stanford (EUA), é sim. A pesquisa, feita em um hospital em Wisconsin, envolveu pacientes com idades entre 21 e 79 anos. Cada um dos participantes carregava uma lesão psicológica profunda e não resolvida, uma experiência dolorosa que continuava a machucar e assombrar mesmo depois de anos. Algo que os deixava irritados, frustrados e agitados cada vez que pensavam sobre isso.

Os pesquisadores pediram que descrevessem esse incidente em detalhes. Todos foram submetidos a um teste de estresse cardiovascular simultaneamente. Foi perceptível uma redução do fluxo de sangue no coração enquanto relatavam o ocorrido. Os pacientes passaram então por um breve programa de treinamento de perdão. A proposta era ajudar cada um a reconhecer e aceitar sua raiva ou dor. Dez semanas depois outro teste igual foi realizado.

Porém, dessa vez os experimentadores tiveram muito mais dificuldade para encontrar evidências de raiva nas varreduras do coração dos participantes. De alguma forma, através do perdão, a experiência de falar sobre o evento doloroso havia se tornado menos nociva. Dentre as conclusões, o estudo comprovou que a raiva pode ser tóxica e prejudicial.

Carregar sentimentos ruins pode fazer muito mal

Ou seja, lembrar-se do fato que ainda não perdoou faz o organismo reviver o evento. Esses pensamentos invasivos e repetitivos produzem uma descarga de adrenalina e cortisol, que acabam liberando marcadores nocivos ao equilíbrio interno. Se um indivíduo relembra um acontecimento, por exemplo, todos os dias, por dez anos, ele bombardeia o corpo com os hormônios por todo o período.

Ser ferido por alguém, particularmente que amamos e confiamos, pode causar raiva, mas nos deter a eventos ou situações dolorosas, guardar rancores e permitir que os sentimentos negativos se sobreponham aos positivos, pode gerar um constante estado de amargura, tristeza e hostilidade. Abrigar o ressentimento contra alguém é extremamente estressante.

Gera assim uma sobrecarga emocional que faz com que o indivíduo se sinta mais zangado, irritável e sem controle. Podemos dizer, portanto, que a raiva é uma forma de estresse crônico. E o estresse —particularmente os hormônios por ele estimulados— tem vários efeitos negativos sobre os sistemas de todo o corpo.

Consequências para o sistema cardiovascular

O estresse nos coloca em estado de "luta ou fuga", resultando em numerosas mudanças fisiológicas, como alterações no ritmo cardíaco, na resposta imunológica e nos processos metabólicos, elevação da pressão arterial, a vasodilatação e a diminuição do fluxo sanguíneo para o coração.

Essas mudanças aumentam a probabilidade de doenças cardíacas e fatores de risco para o sistema cardiovascular, como diabetes, hipertensão, entre outras condições. Ao sentirmos raiva de forma descontrolada e com regularidade podemos ter uma arritmia, por exemplo, que pode causar outros problemas no futuro.

Além disso, pessoas que carregam esse tipo de sentimento têm mais propensão de experimentar distúrbios do sono, crises de ansiedade, depressão severa, transtornos psicossomáticos e de estresse pós-traumático —novamente questões que podem ter efeitos devastadores em longo prazo sobre a saúde do coração.

Um artigo publicado no Journal of the American College of Cardiology (com a revisão de 44 estudos publicados anteriormente) confirma que a raiva e a hostilidade estão significativamente associadas a um risco maior do desenvolvimento de doenças cardíacas bem como o agravamento de quadros daqueles já diagnosticados com algum problema no órgão.

O perdão e o estresse

O perdão, portanto, ajuda a aliviar o estresse. Outro estudo, publicado na revista Annals of Behavioral Medicine (2016) com mais de 330 participantes de 16 a 79 anos revelou que, independentemente da idade, as pessoas capazes de perdoar experimentam uma diminuição em sua percepção do próprio estresse —diminuição essa que leva também a redução da angústia psicológica.

O ato de perdoar está associado a níveis mais baixos de pressão arterial e frequência cardíaca. De forma resumida: os sistemas nervosos simpáticos e parassimpáticos trabalham juntos. Enquanto o simpático está relacionado ao estresse crônico e a resposta de "luta e fuga", o parassimpático é a parte calmante que "desliga" a hiperexcitação de certas áreas do cérebro.

Assim, quando em estado de muito estresse, qualquer ação que possa fazer uma pessoa se acalmar —incluindo a prática do perdão— ativa o sistema nervoso parassimpático e pode beneficiar tanto a mente quanto o corpo.

Atitudes para 2023

O fato é que o coração e a mente estão intimamente ligados. Há uma enorme carga emocional e, consequentemente, física ao sermos feridos ou desapontados. Os estados negativos da mente, incluindo a raiva e estresse crônico, como vimos, podem ser destrutivos e levar ao declínio da saúde ao longo do tempo numa espiral de mal-estar e doenças.

O perdão, por outro lado, abre espaço para a construção de relações mais saudáveis. Conforme nos libertamos da raiva, do ressentimento e da hostilidade é possível aumentar a empatia e a compaixão. Chegar a um ponto no qual você é capaz de perdoar alguém —seja outra pessoa ou até você mesmo— pode ser extremamente difícil, porém necessário. Por isso, não ignore as emoções que podem sobrecarregar e prejudicar sua saúde.

Reconheça seus sentimentos e expresse-os. O mal causado não deve gerar ainda mais danos. Se a situação é muito difícil de ser superada é preciso buscar ajuda profissional. Encontrar maneiras de cuidar do seu bem-estar emocional trará qualidade de vida e benefícios para o coração. Que tal então incluir o ato de perdoar nas resoluções deste Ano-Novo?