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Paulo Chaccur

REPORTAGEM

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Hipocondríaco? Você pode estar colocando seu coração em risco

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

06/08/2023 04h00

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Todo mundo, em algum grau, se preocupa com a saúde. Isso é normal e, diria, até essencial. O alerta é para quando o cuidado ocorre de forma excessiva.

A hipocondria, como é popularmente conhecida, hoje é chamada, especialmente pelos profissionais da área de saúde, de "transtorno de ansiedade por doença". O termo mudou, mas o distúrbio é o mesmo.

Trata-se de um transtorno mental crônico, caracterizado pela preocupação constante e obsessiva com a própria saúde. Os hipocondríacos tendem a interpretar erroneamente questões típicas como um indício de problema, acreditando que estão seriamente doentes. Ou ainda relatam sintomas que não têm explicação para acontecerem.

Uma dor de cabeça corriqueira ou resfriado leve, por exemplo, chegam a ser considerados possíveis sinais de complicações graves. Quando há histórico na família de alguma condição, geralmente, traz ainda mais perturbação.

Há, portanto, um medo irracional, persistente e irreal de ter uma questão médica, inclusive com risco de vida, apesar de poucos ou nenhum sinal aparente —e isso mesmo após a realização de exames para confirmação.

Como característica do quadro, de modo geral, as doenças que preocupam mudam com frequência.

Algumas pessoas podem até ter de fato um problema diagnosticado, mas, devido ao transtorno, acreditam que o caso é mais grave do que realmente é.

A hipocondria não está restrita a um grupo. Pode afetar indivíduos de todas as idades e gêneros.

Ser hipocondríaco aumenta o risco de doenças?

O transtorno de ansiedade por doença pode afetar o bem-estar físico e mental, com consequências em diferentes aspectos da vida, entre eles os relacionamentos e a vida social, o desempenho no trabalho e a carreira, levar a dificuldades financeiras e até efetivamente interferir no surgimento de questões que alteram o funcionamento saudável do organismo.

Em muitos casos, o indivíduo passa grande parte do tempo falando ou em busca de informações a respeito da doença que acredita ter, chegando a tomar medidas mais drásticas para comprovar a veracidade do quadro: a automedicação, a busca incessante por profissionais para mais opiniões, a realização de novos exames e, em particular em casos mais graves, o paciente insiste para fazer procedimentos e cirurgias.

Além disso, o medo e a preocupação contínuos geram angústia e estresse crônico. Algumas pessoas ficam gravemente deprimidas. Pacientes que já têm um problema de saúde tendem a apresentar pioras significativas.

Os efeitos no coração

Muitas pesquisas realizadas no passado supunham que os hipocondríacos teriam menos probabilidade de sofrer de doenças cardiovasculares porque são conscientes quanto ao estilo de vida e se submetem periodicamente a exames. Entretanto, os resultados de estudos recentes apontam o oposto.

O fato é que quando uma pessoa está estressada ou ansiosa, o corpo reage de maneira que pode sobrecarregar o coração —sendo especialmente prejudicial em indivíduos já com alguma condição cardíaca.

Se o quadro se mantém por longos períodos ou ocorre de forma recorrente, expõe o organismo a níveis insalubres e elevados de hormônios, como cortisol e adrenalina, que são lançados na circulação e podem causar efeitos adversos no funcionamento do órgão.

A alta produção dessas substâncias acarreta, por exemplo, no aumento do ritmo da respiração e da frequência cardíaca (alterando a pressão arterial), leva ao mecanismo de vasoconstrição (diminuição do diâmetro dos vasos sanguíneos), a um desequilíbrio metabólico e uma possível resposta inflamatória.

O quadro como um todo estimula a evolução de uma aterosclerose (acúmulo de placas de gorduras nas paredes das artérias), a ocorrência de arritmias e da doença arterial coronariana, podendo desencadear um infarto do miocárdio ou AVC.

Os perigos da automedicação

Como mencionado, são grandes os riscos de um indivíduo com o transtorno de ansiedade por doença começar a tomar medicamentos sem prescrição médica. Para um hipocondríaco, muitas vezes, a automedicação é uma "solução" para uma doença que não existe.

Por isso, é preciso estar atento aos potenciais riscos da prática (mesmo para remédios de venda livre), que incluem:

  • administração e dosagem incorretas
  • intoxicação
  • efeitos colaterais e reações adversas
  • interações medicamentosas perigosas
  • possibilidade de dependência e abuso de certas substâncias (até de uma overdose acidental)
  • diagnóstico errado
  • agravamento de quadros clínicos
  • entre outros problemas, inclusive, ameaçadores à vida

A automedicação pode levar a graves consequências, como:

  • lesões no fígado
  • insuficiência nos rins
  • sangramentos no estômago e nos intestinos
  • além de desencadear ou agravar doenças e condições que atingem o sistema cardiovascular, como arritmias, insuficiência cardíaca, miocardite, infarto e AVC

Quando o medo excessivo envolve o coração

A relação entre o excesso de preocupação com o sistema cardiovascular não para por aí. Desde o início dos anos 2000, o universo da cardiologia reconhece um tipo de ansiedade ligada ao coração, a chamada ansiedade cardíaca (AC).

Em resumo, é uma síndrome que se caracteriza pelo medo de estímulos e sensações que envolvem sintomas e manifestações cardíacas, consideradas negativas ou perigosas pelo paciente —que relatam sinais e dores recorrentes, mas sem alterações físicas que as expliquem.

Não é raro encontrar nos indivíduos acometidos pela AC comportamentos hipocondríacos que acabam gerando diagnósticos desnecessários.

Embora esse tipo de distúrbio tenha sido originalmente conceituado como um problema psicológico em pessoas sem doença física, estudos apontam que ele também pode ser uma questão relevante no tratamento de pacientes cardiopatas.

Isso porque evidências mostram que depois de receberem um diagnóstico, alguns pacientes passam a se concentrar intensamente no funcionamento do coração e ficam dominados pelo medo e preocupação com os sintomas cardíacos.

Piora no quadro

Ainda dentro desse cenário que envolve o transtorno de ansiedade por doença e o coração, indivíduos que têm uma postura negativa diante de tratamentos ou no pós-operatório cardíaco, sempre acreditando que a gravidade do seu quadro é pior do que o relatado, tendem a ter mais dificuldade de recuperação e até a sensação da dor mais evidente.

O pessimismo estimula a produção de substâncias inflamatórias na circulação, que comprometem a integridade dos vasos sanguíneos e podem alterar a pressão arterial. Isso porque o excesso de pensamentos negativos está associado com a liberação de hormônios ligados ao estresse, que como vimos acima, pode gerar uma série de consequências no funcionamento do sistema cardiovascular.

Como saber se eu sou hipocondríaco?

O medo persistente e recorrente de ter uma doença grave ou de desenvolvê-la é o principal indício do transtorno de ansiedade por doença. Por isso, é importante observar o comportamento e as reações diante dos sinais do corpo e das possíveis questões de saúde.

Alguns sinais desse cuidado extrem:

  • evitar pessoas ou lugares devido à preocupação de contrair uma doença
  • exagerar na descrição de sintomas e sua gravidade (todo sintoma é associado a uma doença grave ou rara)
  • obsessão com as funções normais do corpo (como a frequência cardíaca)
  • compartilhamento excessivo sobre o estado de saúde; autoexame, autodiagnóstico e checagem frequente de sinais vitais (pressão e temperatura, por exemplo)
  • desconforto com funções saudáveis do corpo (entre eles gases ou suor)
  • automedicação

O hipocondríaco ainda costuma agendar diversas consultas médicas em um período curto de tempo, geralmente para o mesmo problema, e buscar opiniões de diferentes especialistas —como se procurasse alguém para validar sua preocupação.

Realiza exames com frequência e pode até mesmo buscar atendimento de emergência ao sentir qualquer alteração no corpo, mesmo para questões simples e corriqueiras.

Outra característica é que, ao contrário de outros transtornos, de modo geral, os hipocondríacos dificilmente sabem identificar e percebem o distúrbio. A hipocondria é normalmente detectada por outras pessoas, mas não por quem sofre com ela —muitos até negam e acreditam fortemente que o excesso de cuidado é necessário.

O que causa o transtorno de ansiedade por doença?

Não sabe a causa exata de alguns indivíduos desenvolverem o transtorno, entretanto, há fatores que indicam uma maior predisposição ao quadro, como uma doença grave ou trauma na infância (como abuso físico e emocional ou negligência infantil); estresse extremo; histórico próprio ou familiar deste ou de outros transtornos de ansiedade.

A recomendação é, se houver indícios, buscar ajuda o quanto antes a fim de evitar que o comportamento traga riscos.

Um cardiologista sensível às questões relacionadas à ansiedade e depressão conseguirá distinguir, através de avaliação clínica e a realização de exames, os sinais do transtorno de uma efetiva questão cardíaca e poderá encaminhar e acompanhar o paciente durante o tratamento, caso necessário.

Importante reforçar que somente um profissional capacitado pode identificar e diagnosticar a condição. O tratamento pode envolver psicólogos, psiquiatras, médicos clínicos e especialistas, tudo varia de acordo com o caso e as necessidades individuais de cada um.