Paulo Chaccur

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Opinião

Os alimentos podem viciar? Estudos sugerem que sim; entenda o que acontece

Sabe aquele pacote de salgadinho ou guloseima que é tão irresistível que você só consegue parar de comer quando vê o fim? Estudos realizados ao longo dos últimos anos apontam que certos alimentos contêm ingredientes que estimulam o desejo intenso, a vontade de comê-los compulsivamente e dificultam assim seu controle de consumo, viciando o cérebro e o paladar.

Segundo as pesquisas, isso ocorre porque neles há componentes que deixam a comida mais saborosa e ativam áreas do cérebro ligadas ao prazer e a recompensa, desencadeando no organismo respostas semelhantes às observadas, por exemplo, com drogas e outras substâncias que causam dependência.

Como eles fazem isso?

Em resumo, esses ingredientes ativam centros de prazer no cérebro que provocam a liberação de substâncias químicas capazes de gerar a sensação de bem-estar, como a dopamina e a ocitocina.

Em indivíduos com maior predisposição ao vício, essas substâncias chegam a se sobrepor aos sinais de saciedade, o que leva a um ciclo de alimentação excessiva —abrindo precedentes para um quadro de obesidade.

Com o tempo, é possível que essas pessoas desenvolvam uma tolerância aos alimentos em que estão viciadas e passem a comer mais e mais para sentir o mesmo nível de prazer.

E, embora tenham conhecimento das consequências negativas do hábito e tenham a intenção de parar, muitas não conseguem.

Onde está o maior perigo?

As descobertas apontam que, de modo geral, essa dependência não é causada por alimentos que vêm diretamente da natureza, mas por formulações industriais.

Entre diversas etapas e técnicas de processamento, são incluídos aditivos artificiais e químicos para tornar os alimentos mais "atraentes" ao nosso paladar, alterando sabor, textura e cor —ou ainda para prolongar o prazo de validade.

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São os chamados ultraprocessados, comidas ou bebidas que reúnem alto teor de gorduras saturadas e trans, açúcar e sal.

Normalmente, eles contêm cinco ou mais ingredientes, incluindo aromatizantes, conservantes, emulsificantes, corantes e edulcorantes (adoçantes não naturais).

São nutricionalmente desequilibrados: ricos em calorias e com baixa densidade de fibras, vitaminas, minerais e antioxidantes.

Por conta de sua formulação e apresentação, os ultraprocessados tendem a substituir alimentos in natura (aqueles obtidos diretamente de plantas ou animais, sem que tenham sofrido qualquer alteração) ou processados —produtos que têm fabricação industrial, com adição de sal, açúcar ou outro ingrediente que o torne mais durável e agradável ao paladar, porém em menor quantidade se comparados aos ultraprocessados (conservas de legumes, compota de frutas, queijos e pães são alguns exemplos).

Muito além do salgadinho

As prateleiras dos supermercados estão cheias de alimentos ultraprocessados. Segundo o "Guia Alimentar para a População Brasileira", do Ministério da Saúde, entre eles estão:

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  • chocolates, biscoitos, sorvetes e guloseimas
  • bolos
  • cereais matinais
  • molhos prontos
  • sopas, macarrão e temperos instantâneos
  • salgadinhos de pacote
  • refrigerantes
  • achocolatados
  • sucos, iogurtes e bebidas lácteas adoçadas
  • queijos
  • bebidas energéticas
  • embutidos (salsichas e presunto)
  • produtos congelados e prontos para consumo (como massas, pizzas, hambúrgueres e nuggets)

Pães e produtos panificados tornam-se ultraprocessados quando, além da farinha de trigo, leveduras, água e sal, levam substâncias como gordura vegetal hidrogenada, açúcar, amido, soro de leite, emulsificantes e outros aditivos.

Os riscos

As evidências sugerem que o vício alimentar é muito mais comum do que imaginamos: levantamentos usando a Escala de Dependência Alimentar de Yale (YFAS) apontam que até 20% das pessoas apresentam essa dependência, como vimos, especialmente em razão de alimentos altamente processados. O que deve acender um sinal de alerta.

Isso porque a ingestão desses produtos está relacionada ao desenvolvimento de doenças cardíacas e fatores de risco cardiovasculares, como hipertensão, colesterol elevado, diabetes (tipo 2) e obesidade, além de estarem relacionados com inflamações sistêmicas no organismo e a efeitos negativos também sobre a saúde mental.

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Para se ter ideia, um estudo realizado no Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP aponta que, no Brasil, aproximadamente 57 mil mortes prematuras por ano —isto é, em pessoas de 30 a 69 anos— estão associadas ao consumo de alimentos ultraprocessados (a pesquisa foi feita com base no consumo nacional de alimentos de 2017-2018, com dados demográficos e de mortalidade de 2019).

Controvérsias

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Imagem: Getty Images

Há, entretanto, grupos de pesquisadores que defendem que os alimentos não são capazes de nos colocar em um estado mental alterado como fazem as drogas que causam dependência.

Também afirmam que não existe um ingrediente sozinho que possa ser apontado como viciante.

Ou seja, esse é um tema que gera debates e traz opiniões diversas, sendo necessária a realização de mais pesquisas sobre o assunto para confirmações.

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No entanto, o que devemos ter consciência é que, provocando ou não o vício, os alimentos ultraprocessados, particularmente quando consumidos em excesso, trazem riscos e aumentam os riscos de problemas para a saúde cardiovascular.

Uma alimentação de má qualidade nutricional, com alto teor de gorduras saturadas e trans, açúcares refinados e sódio, como vimos, pode ser prejudicial ao coração.

O que fazer

Os ultraprocessados são atraentes, gostosos e práticos. É comum as pessoas optarem por esse tipo de produto, principalmente por permitirem o consumo imediato ou exigirem um rápido preparo.

Entretanto, é importante priorizar sempre alimentos in natura ou minimamente processados. E aqui não estamos dizendo que eles estão proibidos, mas a recomendação é que sua presença na dieta alimentar seja esporádica e em pequenas quantidades —a menos que haja orientação de um especialista para que você elimine totalmente o consumo.

Ler o rótulo das embalagens de comidas e bebidas, observando percentuais de gordura, sal, açúcar e aditivos, pode ajudar a fazer melhores escolhas.

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Lembrando que todo investimento em uma alimentação de qualidade repercute na diminuição da gordura corporal e principalmente a visceral (aquela que envolve os órgãos vitais, como fígado, pâncreas e intestino), além de reduzir os fatores de risco para o coração mencionados acima.

O vício em comida não é um diagnóstico médico, embora esses comportamentos sejam associados a certas condições de saúde, como obesidade e transtornos alimentares.

Por isso, ao notar dificuldades no controle daquilo que consome, ter dúvidas sobre o que incluir ou retirar do cardápio ou ainda ter nos alimentos uma fuga para questões emocionais, procure ajuda.

A recomendação é consultar um profissional de saúde ou nutricionista para obter orientações personalizadas sobre sua dieta e estilo de vida.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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