Paulo Chaccur

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Reportagem

Endometriose pode acometer quase qualquer órgão do corpo, inclusive coração

As mulheres enfrentam eventos únicos e importantes durante sua trajetória, como a chegada da menstruação e da menopausa, marcos que de alguma forma interferem na saúde em diferentes momentos e circunstâncias. Dentro desse cenário está a endometriose, doença relacionada justamente ao ciclo menstrual.

De acordo com o Ministério da Saúde, uma em cada dez brasileiras sofre com a endometriose. Silenciosa e dolorosa na maioria dos casos, ela pode provocar sérias dificuldades e consequências na vida de uma mulher se não for devidamente diagnosticada e tratada. O que poucas sabem é que é possível até que a saúde do coração fique em risco.

O que é endometriose?

A endometriose é uma condição inflamatória crônica que acomete pessoas do sexo feminino, particularmente durante seu período reprodutivo, desde a adolescência (menarca) até a transição para a menopausa.

Em resumo, o útero é revestido internamente por um tecido chamado de endométrio.

Normalmente, a cada ciclo menstrual um novo endométrio é desenvolvido para receber um óvulo fertilizado. Quando isso não ocorre, ele é expelido. Ou seja, a menstruação consiste na eliminação periódica desses fragmentos.

Em mulheres com a doença, os tecidos endometriais não são eliminados como deveriam.

Assim, se esses tecidos não seguem o processo natural acabam caindo nos ovários, na cavidade abdominal ou ainda em outros órgãos, onde voltam a se multiplicar.

Nesses casos, à medida que o ciclo menstrual segue seu ritmo, o acúmulo de tecido anormal fora do útero pode causar inflamações, sangramentos, cicatrizes e cistos, levando a uma série de sintomas e possíveis problemas.

As causas da doença incluem: menstruação retrógrada (disfunção que provoca o fluxo inverso/refluxo menstrual —ao invés de o sangue escoar totalmente pelo canal vaginal, parte dele reflui pelas tubas uterinas); o transporte de tecidos endometriais pelo sistema sanguíneo ou linfático; a fixação de células endometriais nas paredes do abdome ou em outras áreas após uma cirurgia (como uma cesariana), predisposição genética, entre outros.

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Áreas mais atingidas

Na maioria das vezes, a endometriose atinge órgãos reprodutivos ou ao redor deles, na pelve ou abdome. Os locais mais comuns incluem os ovários, como vimos, mas também as trompas de falópio, superfície externa do útero, revestimento da cavidade pélvica e os ligamentos que sustentam o útero.

No entanto, diferente do que muitos acreditam, a endometriose não está limitada apenas a essa região. Em casos mais raros, a doença afeta também órgãos distantes, como bexiga, estômago e intestino. Até o coração pode entrar nessa lista.

A endometriose e a saúde cardiovascular

Pesquisas apontam que as mulheres que têm endometriose apresentam um risco maior de desenvolver questões cardiovasculares em longo prazo quando comparadas com aquelas sem a condição.

As estatísticas revelam que a probabilidade cresce para quem tem menos de 40 anos. Os estudos apontam algumas diferentes possibilidades para essa ligação:

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1. Endometriose pericárdica

Mesmo não sendo uma situação frequente, é possível que as células endometriais cheguem ao pericárdio, membrana que reveste o coração, gerando o que chamamos de endometriose pericárdica. Essa forma rara de endometriose pode ocorrer quando as células se deslocam através da corrente sanguínea ou linfática. Ao atingir a membrana pericárdica, o tecido endometrial então por ali se fixa e se prolifera.

A condição pode levar a inflamações (a exemplo da pericardite, isto é, a inflamação do pericárdio), dor torácica, desconforto e sensação de pressão no peito, febre, dificuldade respiratória (por compressão dos pulmões) e até afetar o funcionamento normal do coração.

2. Inflamações

Alguns estudos sugerem ainda uma possível relação entre a inflamação crônica causada pela endometriose pelo corpo com um potencial aumento do risco da formação e acúmulo de placas de gordura nas paredes dos vasos sanguíneos (aterosclerose), o que pode levar a eventos cardiovasculares, como a doença arterial coronária.

3. A produção de estrogênio

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Outras pesquisas, juntamente com o que já se sabe sobre a menopausa, sugerem uma conexão entre a endometriose, as alterações nos níveis de estrogênio (que ocorrem naturalmente ou por conta de métodos de tratamento da doença que alteram o equilíbrio hormonal) e as doenças cardíacas.

Quando ocorre a parada definitiva da menstruação, a mulher perde a proteção do estrogênio —o hormônio ajuda a regular o ciclo menstrual, tem efeitos benéficos sobre o coração e os vasos sanguíneos, além de equilibrar outros processos no corpo feminino. A partir dessa fase, há uma tendência do aumento do colesterol e fica mais difícil controlar a glicemia (nível de açúcar no sangue). A mulher passa então a ficar mais suscetível ao risco das doenças cardiovasculares.

Em alguns quadros de endometriose, para eliminar a dor intensa e a inflamação, é preciso regular o fluxo de hormônios no corpo ou ainda a opção terapêutica necessária é a remoção do útero, ovários e trompas.

Por consequência, a mulher ainda jovem e em idade fértil, acaba enfrentando uma menopausa precoce —e todas as mudanças hormonais que isso acarreta, entre elas a redução da produção natural de estrogênio.

Risco maior de um AVC

Pacientes com endometriose apresentam risco aumentado de doença cardiovascular (como a doença coronariana), de acordo com um levantamento que envolveu quase 280 mil pessoas do sexo feminino (com idades entre 16 e 50 anos), no Reino Unido.

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Outro estudo recente, publicado na revista Stroke, da American Heart Association, sugere que mulheres com histórico de endometriose podem ter maior probabilidade de sofrer um AVC do que aquelas sem histórico da doença inflamatória crônica.

Segundo a pesquisa, o risco ocorre devido, pelo menos em parte, procedimentos para tratar a doença, como remoção dos ovários e útero ou terapia hormonal pós-menopausa.

Principais sintomas

Os sintomas da endometriose podem variar, mas frequentemente incluem:

  • cólicas menstruais excessivas (forte dor pélvica antes e durante a menstruação)
  • fluxo menstrual anormal ou intenso
  • sangramentos irregulares entre os períodos menstruais
  • dor durante a relação sexual, ao urinar ou evacuar
  • diarreia ou constipação durante o período menstrual
  • cansaço extremo

A experiência de cada pessoa com endometriose é única. Algumas mulheres podem apresentar parte desses sintomas, todos ou nenhum deles. Quem tem endometriose também tem probabilidade maior de infertilidade ou dificuldade em engravidar.

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Diagnóstico e tratamento

De modo geral, o diagnóstico da doença envolve uma combinação da avaliação de histórico de saúde, exames clínicos e de imagem e, em alguns casos, confirmação através de procedimentos cirúrgicos.

No caso da endometriose pericárdica, a descoberta geralmente é ser mais desafiadora, uma vez que os sintomas podem ser confundidos com outras condições cardíacas. Nesses casos, é recomendado o acompanhamento por uma equipe multidisciplinar.

As opções de tratamento podem incluir medicamentos para controlar a dor e a inflamação, terapia hormonal para suprimir o crescimento do tecido endometrial e, em casos mais graves, cirurgias para remover o tecido afetado. Tudo é individualizado e dependerá do quadro de cada paciente.

Como vimos, há muitos indícios da correlação entre a endometriose e os riscos acentuados para o coração. Por isso, apesar de novas pesquisas serem necessárias, é importante que as mulheres diagnosticadas com endometriose sejam aconselhadas a passar por uma avaliação cardiológica, além de tomar medidas preventivas para reduzir os possíveis riscos cardiovasculares adicionais.

Devemos ter em mente que a saúde do coração é influenciada por diversos fatores, incluindo genética, estilo de vida, dieta, prática de exercícios, entre outros.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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