Paulo Chaccur

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Reportagem

Conhece o papel dos anticorpos? Veja relação do sistema de defesa e coração

Nosso corpo está sempre em meio a um campo de batalhas. No organismo, milhões de células estão prontas a todo momento para expulsar e acabar com qualquer intruso que possa trazer alguma ameaça à saúde. Em caso de perigos à vista, esse exército entra em ação.

Os principais responsáveis por essa defesa são os anticorpos (ou imunoglobulinas), proteínas especiais produzidas naturalmente pelo sistema imunológico em resposta à presença de substâncias estranhas, chamadas de antígenos.

Como funciona

Quando um antígeno entra no organismo, seja ele ingerido ou inalado, o sistema imunológico o reconhece imediatamente. Para combater esse invasor, solicita a proteção dos anticorpos, que se ligam a essas substâncias indesejadas para neutralizar ou eliminá-las.

Esses antígenos podem ser microrganismos invasores, como bactérias, vírus, fungos e parasitas, ou moléculas não pertencentes ao próprio corpo, a exemplo das toxinas e proteínas alergênicas. Para cada tipo de antígeno detectado, são produzidos anticorpos específicos. Essa diversidade e especificidade garantem que o sistema de defesa possa enfrentar uma ampla gama de agentes patogênicos.

Os anticorpos estão presentes em vários locais, entre eles a saliva, lágrima, fluido intestinal, pele, pulmões, membranas mucosas e sangue. Grandes quantidades de anticorpos estão ainda no colostro (fluido secretado pelas mamas por alguns dias após o parto) e no leite materno. É por isso que o aleitamento é tão importante para estimular a imunidade do bebê.

Portanto, os anticorpos desempenham papel crucial contra infecções e doenças. Tudo seria perfeito se não fosse um detalhe: os anticorpos, além de nos defenderem de ameaças externas, às vezes também podem atacar o próprio corpo.

Já ouviu falar em autoanticorpos?

Os autoanticorpos são um tipo específico de anticorpo que, ao invés de combaterem antígenos estranhos, direcionam sua atividade contra componentes do organismo. Em outras palavras, são anticorpos que atacam tecidos, células ou moléculas saudáveis, causando uma resposta imunológica contra eles. Quando isso acontece, provocam danos e reações inflamatórias.

A principal diferença entre anticorpos e autoanticorpos reside nos alvos que eles reconhecem e atacam.

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Ambos são produzidos pelo sistema imunológico, mas no caso dos autoanticorpos, nosso sistema de defesa erroneamente identifica componentes do corpo como um agressor externo.

São associados por essa razão as chamadas doenças autoimunes.

Entenda o que são doenças autoimunes

No passado, estudiosos acreditavam ser praticamente impossível que o organismo criasse uma resposta agressiva contra células e tecidos próprios.

Foi só por volta de 1940 que os autoanticorpos foram descobertos, abrindo caminho para pesquisas sobre o que chamamos de doenças autoimunes, ou seja, aquelas motivadas por agressão do sistema de defesa contra ele mesmo.

Vale destacar que a maioria das pessoas tem um pouco de autoanticorpos. O problema, de modo geral, ocorre quando há uma grande quantidade, o que possivelmente indica uma doença autoimune.

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Assim, os autoanticorpos são capazes de desencadear problemas, uma variedade de sintomas e complicações, dependendo dos órgãos ou sistemas envolvidos —o que inclui o coração e o sistema cardiovascular.

A relação entre as doenças autoimunes e o coração

O coração é um dos órgãos-alvo comuns das doenças autoimunes. Suas estruturas e funcionamento podem ser afetados direta ou indiretamente (quando uma doença autoimune aparece em outro local, mas gera consequências ao órgão).

No caso de doenças cardíacas autoimunes, o sistema de defesa confunde componentes cardiovasculares como possíveis ameaças e os ataca, podendo causar a inflamação do coração como um todo ou em partes dele, danos aos tecidos e disfunções do órgão.

Assim, seja qual for o cenário, é possível ocorrer distúrbios microcirculatórios, arritmias, lesões no pericárdio, endocárdio, miocárdio e disfunções valvulares.

Vejamos abaixo alguns exemplos e mais detalhes

Doença ou febre reumática: tipo de doença inflamatória que se desenvolve após uma infecção não tratada na garganta por Streptococcus pyogenes. Os anticorpos produzidos em resposta à infecção podem, por engano, atacar tecidos saudáveis, incluindo as válvulas (ou valvas) cardíacas. A evolução do quadro leva a inflamação e danos dessas estruturas, resultando em seu estreitamento (estenose) ou insuficiência.

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Miocardite autoimune: a condição é caracterizada pela inflamação do músculo cardíaco, o miocárdio. Nesses casos, o sistema imunológico ataca as células do próprio coração, originando uma inflamação e o enfraquecimento do músculo, o que pode afetar sua capacidade de bombear sangue de forma eficaz. Entre os possíveis sintomas estão: dor no peito, palpitações, fadiga, falta de ar e insuficiência cardíaca. Algumas pessoas com miocardite autoimune, entretanto, não apresentam sinais perceptíveis da doença.

Pericardite autoimune: os autoanticorpos provocam a inflamação no revestimento externo do coração, o pericárdio, acarretando o que chamamos de pericardite autoimune. Os principais sintomas incluem dor no peito, sensação de aperto e desconforto na região.

Lúpus eritematoso sistêmico: o lúpus é uma doença autoimune crônica que gera consequências em vários órgãos, incluindo pulmões, rins e coração. Os autoanticorpos produzidos em decorrência do lúpus podem atacar o tecido cardíaco. Entram na lista das complicações: pericardite, miocardite e doença arterial coronariana. Ritmos cardíacos anormais, as arritmias, também estão entre os possíveis distúrbios do lúpus.

Diabetes tipo 1: geralmente diagnosticado na infância ou adolescência, o diabetes tipo 1 tem como característica ser genético e autoimune. Nesses casos, o sistema imunológico não reconhece as células-beta que atuam na produção de insulina e as destrói. Assim, há a perda da capacidade do pâncreas em produzir insulina. Apesar de estar entre as doenças autoimunes que afetam o coração, o grau de acometimento cardíaco depende do controle glicêmico de cada paciente.

Vasculite autoimune: alguns autoanticorpos podem ainda atacar as paredes dos vasos sanguíneos, causando inflamação e estreitamento dos vasos. Isso pode afetar o fluxo de sangue para o coração e aumentar o risco da doença arterial coronariana —e consequentemente de um infarto.

Aterosclerose acelerada ou prematura: a aterosclerose é uma doença inflamatória crônica, multifatorial, causada pelo acúmulo de gordura (lipídios) na parede interna das artérias. Gradualmente, esse acúmulo forma placas de gorduras —ateromas, que obstruem os vasos dificultando ou bloqueando a passagem do sangue. Com o tempo, isso pode resultar na doença arterial coronária, infarto ou acidente vascular cerebral. Alguns autoanticorpos contribuem para a inflamação das artérias, acelerando ou intensificando um processo de aterosclerose.

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Artrite reumatoide: embora seja principalmente uma doença que afeta as articulações, a artrite reumatoide também é associada a um risco aumentado de doenças cardiovasculares. Os anticorpos produzidos por conta da artrite reumatoide podem contribuir para a inflamação das artérias e aumentar o risco de aterosclerose e doenças cardíacas.

Como vimos, apenas a presença de autoanticorpos no organismo não é suficiente para indicar problemas.

Também importante ressaltar que nem todas as doenças autoimunes afetam o organismo —e isso inclui o coração— da mesma maneira.

O impacto dos autoanticorpos na saúde cardiovascular varia dependendo da doença e dos alvos do sistema imunológico.

Diagnóstico e tratamento

O diagnóstico de doenças autoimunes, na maioria das vezes, envolve a identificação de autoanticorpos específicos no sangue dos pacientes. Isso ajuda a confirmar a causa e monitorar a progressão da doença.

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O tratamento pode incluir ações voltadas para supressão da resposta imunológica, controle da inflamação, minimizar o risco de complicações e, quando for o caso, a gestão dos sintomas cardíacos. Reforçando que é fundamental seguir as orientações médicas, tomar medicações conforme prescrito e comparecer às consultas regulares.

Tem como prevenir?

Os estudos sobre o tema crescem a cada ano, mas ainda não existe cura para as doenças autoimunes. Para os portadores que desejam manter a boa saúde cardíaca, a abordagem é semelhante às medidas preventivas gerais recomendadas para qualquer pessoa, porém com um foco adicional na gestão da doença e da inflamação associada.

Estão entre as medidas preventivas que podem ajudar:

  • dieta equilibrada;
  • controle do peso, da pressão arterial e do colesterol;
  • atividade física regular;
  • monitoramento do estresse;
  • parar de fumar (o tabagismo é prejudicial para a saúde do coração e pode agravar as complicações cardiovasculares em pessoas com doenças autoimunes).

Manter as vacinas atualizadas também contribui para prevenção de infecções que podem desencadear respostas autoimunes e agravar quadros inflamatórios.

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Importante ainda realizar consultas e exames regulares para monitorar a saúde como um todo, além de estar atento aos sinais de do corpo, possibilitando assim identificar precocemente quaisquer problemas e iniciar o tratamento conforme necessário.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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