Paulo Chaccur

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Opinião

Café da manhã, almoço ou jantar: existe a 'melhor refeição para a saúde'?

Existe uma recomendação antiga, amplamente divulgada por aí quando o assunto é a alimentação e a saúde, que enfatiza que o café da manhã deve ser a nossa principal refeição.

A ideia é caprichar no período da manhã, comer menos no almoço e buscar fazer jantares leves. Mas será que esse conselho ainda é válido e deve ser aplicado nos dias atuais?

Pesquisadores indicam que de fato o horário em que comemos pode afetar o funcionamento do organismo e influenciar no surgimento de quadros de obesidade, doenças cardiovasculares e distúrbios do sono. Entretanto, a questão não é tão simples e envolve uma série de fatores.

Primeiro: quantidade não é sinônimo de qualidade

Hoje já temos comprovado que, muito além de um substancioso café da manhã, o mais importante é a qualidade da composição dessa refeição (dessa e das demais, ao longo do dia).

Consumir excessivamente na rotina matinal sucos de frutas artificiais, produtos refinados e ultraprocessados, com grande quantidade de açúcar, sódio, gorduras saturadas e trans, não trará benefícios; muito pelo contrário.

Esse tipo de alimento é rico em caloria, tem baixa densidade de fibras, vitaminas, minerais e antioxidantes.

Ou seja, só nos faz ganhar peso, aumentar o risco do desenvolvimento da hipertensão, colesterol e diabetes, além de estimular o processo de deposição de gorduras nas artérias do corpo, o que pode ser determinante para o aparecimento da doença arterial coronária, inclusive com risco de infarto e até de morte.

O que considerar

Assim, estudos mais recentes apontam que o café deve conter de 15% a 25% da ingestão energética diária. Nesse sentido, em geral, a principal refeição passou a ser o almoço.

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Outro ponto que precisa ser avaliado é o perfil e as características individuais de cada um. E aqui estamos falando de estilo de vida, prática de atividades físicas, hábitos alimentares, histórico clínico, rotina, necessidades nutricionais, horários de maior fome e preferências.

Relógio interno

O corpo funciona de acordo com um relógio biológico que regula as atividades e processos fisiológicos em um ciclo de 24 horas, o chamado ritmo circadiano. As variações hormonais e do metabolismo estão relacionadas ao nosso estado de sono e despertar, assim como as sensações de fome e saciedade. Dentro desse contexto, cada pessoa possui um tipo diferente, que pode ser mais matutino, vespertino/noturno ou intermediário.

Por exemplo: indivíduos com perfil matutino sentem a necessidade de dormir mais cedo e tendem a apresentar melhor desempenho nas primeiras horas do dia. No geral, acordam prontos para o café da manhã.

Já aqueles com perfil vespertino ou noturno enfrentam dificuldades para levantar cedo e, principalmente, realizar refeições logo ao sair da cama, e seguem suas atividades noite adentro —o que pode ser prejudicial em outro aspecto fundamental à saúde, o sono.

Assim, apesar de não existir uma resposta única e definitiva sobre qual refeição é a melhor para a saúde por haver variáveis e diversos fatores individuais, é possível apontar algumas diretrizes e recomendações gerais, como veremos a seguir.

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Café da manhã

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Imagem: iStock

De acordo com uma Declaração Científica da American Heart Association (EUA), tomar café da manhã regularmente pode trazer diversos benefícios para o coração: ter o peso sob controle, reduzir os níveis de colesterol LDL (o chamado colesterol ruim) e pressão arterial, além de manter saudáveis os índices de glicose (açúcar) no sangue.

Quando amanhece, ocorre uma série de estímulos no sistema nervoso, que envia mensagens para que o corpo se prepare para iniciar mais um dia. Músculos, coração, fígado, estômago... Todo o metabolismo é ativado nesse sentido. É como se o organismo se organizasse para receber a energia proveniente dos alimentos —que se transforma em energia disponível para o pleno funcionamento do corpo em suas atividades vitais.

No entanto, para que isso ocorra de maneira saudável é importante fazer boas escolhas, buscando incluir uma variedade de alimentos, ricos em fibras, vitaminas e outros nutrientes essenciais, como proteínas magras, grãos e cerais integrais, frutas e vegetais.

Almoço

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Boa parte dos nutricionistas recomenda atualmente que o almoço seja a principal refeição do dia, concentrando a maior quantidade de ingestão de calorias. Isso porque é no meio do dia, em geral, o momento em que estamos mais ativos, produzindo e gastando mais energia, no pico do nosso metabolismo. A ideia então é comer mais no momento em que gastamos mais.

O almoço pode ser tido como uma oportunidade para recarregar as energias. No entanto, mais uma vez: é importante ter atenção e cautela com aquilo que entra na refeição.

Um prato de comida precisa ser colorido e balanceado, com uma boa combinação de carboidratos saudáveis, legumes, vegetais e proteínas (de origem animal, como carne, frango, peixe ou ovos, ou de origem vegetal, incluindo feijão, ervilha, grão-de-bico, lentilha, soja e tofu).

Jantar

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Alguns estudos apontam que indivíduos que concentram a parte maior da ingestão calórica do dia no jantar têm mais predisposição ao ganho de peso e obesidade, alterações nas taxas de insulina (controle da glicose) no sangue, aumento do colesterol e triglicérides.

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Isso porque, como tendência, conforme o dia vai chegando ao fim, o organismo começa a preparar para entrar em estado de repouso e compensação de energia.

E isso é estimulado, especialmente, pela melatonina, hormônio ligado ao ciclo circadiano que tem sua produção iniciada após escurecer, por volta de 20h. Seus efeitos afetam o metabolismo (que sofre alterações para entrar em jejum), o sistema cardiovascular (que reduz a pressão arterial) e a temperatura corpórea, entre outras mudanças. O nível máximo é atingido quando estamos dormindo, em sono profundo.

Assim, para aqueles que estão acostumados ou por conta da rotina precisam comer após as 20h, a orientação é que busquem opções mais leves (uma vez que o metabolismo tende a desacelerar), dando prioridade aos alimentos de fácil digestão (como verduras e legumes), laticínios e carnes magras, evitando, principalmente, refeições pesadas, ricas em gordura e carboidratos simples.

Quem consome frequentemente uma grande quantidade de alimentos próximo da hora de dormir, além de uma digestão mais lenta, eleva também a probabilidade de problemas digestivos, refluxo e distúrbios do sono.

E pouco sono profundo ou fragmentado pode acarretar no aumento da pressão, amplificando o trabalho do coração e a possibilidade de aparecimento da doença coronária. Noites mal dormidas geram ainda cansaço, estresse e irritabilidade, estimulando a liberação de cortisol (hormônio relacionado ao estresse).

Ter o hábito de pular refeições pode ser prejudicial?

Indivíduos que não fazem uma refeição equilibrada ao começar o dia ou não comem nada antes de sair de casa pela manhã têm mais riscos de ter problemas no coração. Foi o que concluiu uma pesquisa publicada no Journal of the American College of Cardiology (EUA). O problema maior é o que essa pessoa ingere quando a fome bate —e aqui podemos estender os mesmos riscos e consequências para quem pula o almoço ou jantar de forma corriqueira.

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De modo geral, quem deixa de tomar o café da manhã acaba optando por alimentos processados, cheios de gordura e açúcares depois. Conforme indica o estudo, não se alimentar bem ao iniciar o dia dobra os riscos de desenvolver arteriosclerose, condição caracterizada pelo aumento da espessura da parede das artérias e que, em alguns casos, leva ao infarto.

Entre os possíveis danos e riscos associados ao hábito, estão hipoglicemia (níveis baixos de açúcar no sangue), aumento do peso e da tendência à obesidade, maior resistência à insulina (quadro que pode provocar o descontrole permanente da glicose e o diabetes), aumento da pressão e má nutrição (falta de nutrientes essenciais, como vitaminas, minerais e fibras).

E o tal do jejum intermitente?

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Imagem: Getty Images

De uns anos pra cá, a prática do jejum intermitente ganhou mais adeptos, especialmente entre aqueles que desejam perder peso rápido. Esse tipo de plano alimentar sugere alternar períodos de jejum com o de consumo de alimentos.

A ideia é forçar o corpo a utilizar suas reservas como principal fonte de energia, tendo como foco a diminuição da massa gorda.

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Normalmente, durante o jejum intermitente apenas água e bebidas não calóricas podem ser ingeridas. No entanto, de modo geral, não há uma orientação específica sobre o que comer ao terminar o tempo determinado. Para muitos adeptos, o jejum intermitente, portanto, se resume apenas a quando comer e não ao o que consumir. E aí novamente está o perigo.

Quando o jejum intermitente é feito na busca de eliminar quilos extras, especialmente sem recomendações de um especialista, além de todos os possíveis problemas já elencados acima por quem pula refeições, outro grande risco é o famoso vai e vem na balança, o chamado efeito sanfona. Somada a frustração em ver os quilos voltarem, é preciso ainda estar atento às complicações que isso pode trazer à saúde, inclusive do coração.

Riscos ao coração

Existem muitas evidências sobre impactos positivos do jejum intermitente na saúde cardiovascular. Diversos estudos sugerem que a prática pode ter benefícios, influenciando na melhora da sensibilidade à insulina, redução da pressão arterial, dos níveis de triglicerídeos e LDL, além da diminuição do peso, circunferência abdominal e inflamação no organismo. Isso quando a dieta é feita com responsabilidade, cautela e acompanhamento profissional.

Entretanto, o jejum intermitente é capaz de gerar efeitos colaterais ruins, entre deficiências e complicações, como hipoglicemia, baixa imunidade, desidratação, anemia, dor de cabeça, constipação, fome excessiva, irritabilidade, dificuldade de concentração, alterações no humor, desconforto físico, tonturas, fraqueza e fadiga.

O jejum pode ainda levar a desequilíbrios nos níveis de eletrólitos no corpo —especialmente sódio, potássio, cálcio, magnésio e cloreto—, afetando negativamente o coração. Os eletrólitos são minerais que possuem carga elétrica e desempenham papel fundamental no equilíbrio dos líquidos e na função dos tecidos, incluindo os nervos e músculos.

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Além disso, o excesso da gordura que não foi eliminada (o corpo tende a se proteger da escassez fazendo uma reserva) pode acarretar em um processo inflamatório que leva à formação de placas nas artérias e ser responsável por gerar dislipidemia (presença de níveis elevados de gorduras no sangue), hipertensão e aumento da resistência à insulina. Em qualquer uma dessas situações, cresce o risco do surgimento de uma doença arterial coronária ou cerebrovascular.

Acerte nas escolhas

As refeições saudáveis para o sistema cardiovascular são, portanto, aquelas que possuem equilíbrio no cardápio (em quantidade e qualidade) e variedade, priorizando legumes, verduras, saladas, frutas, cereais e grãos integrais, proteínas magras e gorduras saudáveis (dando preferência para as insaturadas, consumir com moderação as saturadas e evitar as gorduras trans). E isso vale para o café da manhã, almoço, lanches, jantar e ceia.

Não é apenas uma refeição que vai determinar se um organismo é saudável ou não. É preciso um conjunto de hábitos para promover benefícios.

Além disso, consultar um profissional da área ou nutricionista é importante para desenvolver um plano alimentar personalizado, que atenda às necessidades específicas e os objetivos de saúde de cada um, levando em conta preferências, quadro clínico e estilo de vida.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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