Paulo Chaccur

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Opinião

Desnutrição e saúde cardíaca: os efeitos da falta de nutrientes para corpo

Segundo estimativas da ONU (Organização das Nações Unidas), praticamente um terço dos brasileiros enfrenta dificuldades para se alimentar adequadamente. São cerca de 70 milhões de pessoas que não têm acesso regular à comida ou convivem com a despensa vazia.

Os dados são do relatório The State of Food Security and Nutrition in the World 2023, apresentado em meados deste ano na sede da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura). O levantamento aponta que a prevalência de insegurança alimentar grave no Brasil inclusive vem crescendo: passou de 1,9% da população entre 2014 e 2016 para 9,9% de 2020 a 2022. E por que esses números preocupam?

Os perigos da desnutrição

Um quadro de desnutrição ou subnutrição se desenvolve, sobretudo, pela baixa ingestão de alimentos por longos intervalos de tempo. Nesses casos, o organismo não recebe a quantidade de vitaminas, minerais e outros nutrientes necessários para o crescimento, desenvolvimento, manutenção, proteção e funcionamento saudável de todos os órgãos e sistemas do corpo.

Cenário que compromete a saúde física e mental, favorecendo, entre outras questões, a perda de massa muscular, alterações no metabolismo e nas funções gastrointestinais, o surgimento de doenças crônicas (como o diabetes), depressão e ansiedade, complicações cardiovasculares e neurológicas, problemas imunológicos (associados a infecções frequentes e maior dificuldade na recuperação de enfermidades) e, em situações mais graves (principalmente de subnutrição crônica ou recorrente), até a morte.

Problemas para o coração

A desnutrição gera vários efeitos negativos para o sistema cardiovascular, isso tanto na infância quanto na idade adulta. O fato é que, assim como todo o corpo, o coração precisa de energia para seguir trabalhando.

Esse combustível é conquistado especialmente nos alimentos, que são quebrados em glicose e circulam através da corrente sanguínea —função inclusive de responsabilidade do órgão. Ao ter o fornecimento de comida ou das exigências nutricionais mínimas diárias limitadas ou insuficientes, o organismo percebe e reage, resultando em uma série de consequências e o aumento do risco de danos e doenças cardiovasculares.

Alterações prejudiciais

A desnutrição pode levar a desequilíbrios nos níveis de eletrólitos, como sódio, potássio, cálcio e magnésio. Os eletrólitos são minerais que possuem carga elétrica e desempenham papel fundamental no equilíbrio dos líquidos e na função dos tecidos, incluindo os nervos e músculos. Quando há falta de potássio, por exemplo, é possível ocorrer fraqueza muscular, cãibras e alterações no ritmo cardíaco.

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Também crescem os riscos de uma anemia por deficiência de ferro. A anemia reduz a capacidade do sangue de transportar oxigênio: quando há problemas na oxigenação, o coração precisa trabalhar mais depressa para suprir essa necessidade e garantir o fornecimento a todas as células do corpo. Ou seja, passa a ser mais exigido e pode sofrer uma sobrecarga.

Além disso, casos de desnutrição grave causam o enfraquecimento do músculo cardíaco (miocárdio), o que pode resultar em insuficiência cardíaca, ou seja, o órgão não consegue bombear sangue de forma eficaz. A condição ainda contribui para o surgimento de quadros de inflamação crônica (outro fator de risco para questões cardíacas), hipertensão, arritmias, aterosclerose (acúmulo de placas nas artérias), doença arterial coronariana, entre outras adversidades.

Alimentação de qualidade: macronutrientes e micronutrientes

Os nutrientes são substâncias químicas, como vimos, essenciais para o funcionamento das células, dos tecidos e dos diferentes órgãos e sistemas. Como nosso corpo não consegue sintetizá-los por conta própria, eles precisam ser fornecidos por fontes externas, como os alimentos. São divididos em dois tipos:

Macronutrientes: representados por proteínas, carboidratos e gorduras. São eles os principais responsáveis por fornecer energia para o organismo e apoiar os diferentes processos metabólicos. Por isso, precisamos de macronutrientes em grandes quantidades.

Micronutrientes: necessários em quantidades menores, eles incluem as vitaminas e os minerais, com papel vital em várias funções, como a produção de enzimas, hormônios e outras substâncias, reparo de células e tecidos danificados, sistema imunológico e a manutenção dos ossos. Vale reforçar, entretanto, que apesar de precisarmos de uma parcela menor de micronutrientes em comparação aos macronutrientes, isso não os torna menos importantes.

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Quando a qualidade da comida não é suficiente

Importante esclarecer que a desnutrição também ocorre em pessoas supernutridas.

O que isso quer dizer? Que quantidade nem sempre representa qualidade. Nesses casos, a desnutrição surge devido a desequilíbrios na dieta que provocam deficiências ou excessos de certos nutrientes, e não necessariamente por falta de comida.

Uma má nutrição pode ainda ser motivada quando nutrientes essenciais são excretados de forma mais rápida do que sua reposição. E aqui, no geral, o quadro vem acompanhado de sobrepeso, obesidade e doenças não transmissíveis relacionadas à alimentação, entre elas o diabetes tipo 2.

Grande parte dos quadros de supernutrição acomete indivíduos que comem em excesso, especialmente produtos industrializados e ultraprocessados, não se exercitam o suficiente ou tomam artificialmente vitaminas e outros substitutos. O risco de supernutrição aumenta quando se está mais de 20% acima do peso ou se consome uma dieta rica em gordura e sal.

Portanto, a desnutrição pode ser provocada tanto pela redução da ingestão alimentar (geralmente associada à pobreza ou falta de acesso à alimentação de qualidade) como por doenças que provocam reduções na sensação de apetite e problemas na absorção de macro e/ou micronutrientes, ou ainda na alteração das necessidades pessoais (indivíduos com aumento ou perdas excessivas e/ou específicas de nutrientes).

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Quais são os sinais?

Os sintomas variam de acordo com a substância insuficiente, a gravidade do quadro e a duração da falta de nutrientes. A anemia ferropriva (por deficiência de ferro) é a carência nutricional mais comum.

Em todos os casos, é possível identificar os sinais ainda na infância, especialmente com o retardo do crescimento físico —baixo peso e estatura se comparado a outras crianças da mesma faixa etária.

Outros sinais de desnutrição incluem: perda de peso não intencional, falta de força, fraqueza e fadiga generalizada, diminuição da massa muscular, má cicatrização, pele seca e pálida, queda de cabelo, unhas quebradiças, edemas, problemas na função cognitiva (concentração e memória), sonolência extrema, depressão, ansiedade, irritabilidade, problemas gastrointestinais, falta de ar e dificuldade para recuperar o fôlego, dor ou desconforto no peito, batimento cardíaco anormal, dores de cabeça, tontura, baixa imunidade e alterações hormonais.

Um alerta: o aumento de casos entre as crianças

Embora uma nutrição saudável seja necessária em qualquer idade, nos primeiros anos de vida ela é essencial. Isso porque a desnutrição infantil pode ter efeito cascata, com consequências ao longo da vida. E é possível que esse comprometimento tenha início ainda na gestação.

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Grande parte dos especialistas consideram os primeiros mil dias de vida —período que vai do início da gravidez até os 2 anos— como a fase mais importante para o desenvolvimento físico e mental do ser humano. Quando isso não ocorre, a lista de possíveis problemas é extensa, como vimos acima.

Dados preocupantes

De acordo com um levantamento da Sociedade Brasileira de Pediatria, de janeiro de 2012 a novembro de 2022, foram registradas quase 400 mil hospitalizações de crianças motivadas pela desnutrição, somente na rede pública. A proporção de crianças menores de 5 anos internadas mais do que dobrou em relação ao total de casos. Em 2012 eram 8%, e alcançaram 18% em 2022.

Segundo o Ministério da Saúde, em 2022, o país registrou 2.754 internações de bebês menores de um ano por desnutrição, sequelas da desnutrição e deficiências nutricionais. Os dados do ano passado acompanham o cenário negativo já apresentado em 2021 —que foi de 2.979 hospitalizações com o mesmo diagnóstico, o índice mais elevado dos últimos 13 anos.

O fato é que a desnutrição não afeta apenas a saúde da criança, mas também inibe seu desenvolvimento. Crianças com desnutrição podem ter repercussões irreversíveis, além de a condição estar associada também à maior mortalidade. Portanto, trata-se de uma questão de saúde pública, um problema que interfere não só na nossa realidade hoje, mas na sociedade futuramente.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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