Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Pandemia de monkeypox já era prevista e poderia ter sido evitada
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Se você é mais uma das muitas pessoas que estão se perguntando o que diabos está acontecendo com o planeta para que ocorra uma pandemia de monkeypox (varíola de macacos) antes mesmo que a de covid-19 tenha terminado, eu tenho uma triste notícia para lhe dar: isso já era esperado.
O monkeypox é um vírus antigo, mas que só agora encontrou as condições necessárias para se disseminar de forma epidêmica e sustentada entre os seres humanos. Embora essas condições tenham sido acumuladas ao longo das últimas décadas, infelizmente não demos atenção aos seus sinais e nem nos preparamos para enfrentá-la.
Tendo como origem a região central do continente africano, o vírus monkeypox ganhou esse nome por ter sido isolado pela primeira vez em macacos doentes que haviam sido importados da África por um laboratório dinamarquês em 1958. Não faz sentido chamar essa doença de varíola dos macacos porque o macaco entrou tão por acaso nessa história como nós humanos.
O principal hospedeiro do monkeypox na verdade são os roedores africanos, como ratos e esquilos. No entanto, praticamente todos os mamíferos podem ser infectados por esse vírus.
O primeiro relato da doença em humanos foi feito em uma criança apenas em 1970. Desde então, e nas décadas seguintes, a epidemiologia do monkeypox se transformou de forma nítida e intensa.
Enquanto entre a década de 1970 e os anos 2000, os casos de monkeypox em humanos eram transmitidos a partir de animais doentes, eram pouco numerosos e se concentravam em crianças da África Central e Ocidental, a partir da virada do século se iniciou uma tendência de crescimento abrupto de casos, agora em indivíduos cada vez mais velhos e fora do continente africano.
A mudança no perfil epidemiológico dos casos de monkeypox vem sendo associada há anos por pesquisadores à interrupção da vacinação contra a varíola humana, doença causada por um vírus da mesma família que o monkeypox e cuja vacinação conferia proteção contra as duas infecções.
Depois que a varíola humana foi declarada como erradicada no final da década de 1970, a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomendou a retirada de sua vacina dos calendários de vacinação em todo o mundo. Assim, a cada nova geração que nasceu, aumentava no planeta a proporção de pessoas não vacinadas e susceptíveis ao monkeypox.
Somado a isso, o crescimento das cidades causando invasão e desmatamento das florestas, os refugiados e a fome decorrentes das guerras, e as mudanças climáticas fizeram com que inúmeras pessoas na África passassem a viver mais aglomeradas entre si e expostas a roedores. Dessa forma a transmissão inter-humanos do monkeypox se tornou a predominante.
Em fevereiro de 2022, um grupo de pesquisadores europeus e norte-americanos publicou um artigo em que fazem uma longa revisão da literatura médica que descreve essa mudança na epidemiologia do monkeypox. Quase como uma profecia, o estudo concluiu que o cenário para a rápida disseminação desse vírus já estava montado. Faltava apenas a faísca para acender o pavio.
Três meses depois da publicação desse artigo, os casos explodiram. Já temos mais de 15 mil casos confirmados em todos os continentes, dos quais 450 estão no Brasil.
Uma das reflexões que o estudo propõe é que a interrupção da vacinação contra a varíola humana talvez tenha sido uma má ideia. Afinal, a varíola (smallpox) foi erradicada, mas não os outros vírus da família pox.
A história da saúde pública, assim como a da ciência, permite arrependimentos. Poderíamos ter reiniciado a vacinação interrompida antes do início do surto mundial de monkeypox, mas não iniciamos. Priorizamos outras questões, como a covid-19.
O que não é perdoável, no entanto, é não viabilizar essa imunização para a população vulnerável depois que o surto se iniciou. Essa é a prioridade de agora.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.