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Rico Vasconcelos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Mais uma vacina experimental falha na prevenção do HIV. E agora?

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

20/01/2023 04h00

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Desde que o HIV foi descoberto, na década de 1980, existem cientistas realizando pesquisas clínicas em busca de uma vacina eficaz que possa ser usada na prevenção da infecção por esse vírus. No entanto, apesar do imenso empenho e investimento, até hoje nenhuma vacina experimental obteve resultados bons o suficiente para ter sua aplicação recomendada na população. E acredite, muitas já foram testadas.

Na última semana, a comunidade científica internacional lamentou por saber que mais um ensaio clínico teve que ser interrompido porque a vacina em teste falhou na prevenção contra o HIV.

Trata-se do estudo Mosaico, um ensaio clínico que avaliava entre seres humanos o desempenho da vacina experimental que, em macacos, conseguiu o melhor resultado da história dos estudos de vacina contra o HIV. Depois de imunizados experimentalmente com a vacina em questão, os primatas tiveram uma redução de quase 70% nas infecções por HIV.

Essa vacina era aplicada em 4 doses (0, 3, 6 e 12 meses) e utilizava a tecnologia de vetor viral com adenovírus para apresentar ao sistema imune do indivíduo vacinado inúmeros fragmentos virais. Dessa forma, ela induziria o desenvolvimento de imunidade protetora contra a infecção em uma posterior exposição a esse vírus. Exatamente da mesma forma que as vacinas da Janssen e Oxford contra covid-19.

Tais resultados animadores motivaram um grupo de pesquisadores a desenvolver dois grandes ensaios clínicos para avaliar o desempenho dessa vacina em milhares de humanos. O primeiro deles, chamado de Imbokodo, incluiu mulheres cisgênero heterossexuais na África Subsaariana e o segundo, chamado de Mosaico, recrutou homens gays, bissexuais e pessoas transexuais nas Américas e Europa.

Depois de muita expectativa, os dois estudos foram interrompidos. O Imbokodo em agosto de 2021 e o Mosaico esta semana. O motivo nos dois casos foi exatamente o mesmo: quando comparados com os participantes que receberam placebo, os participantes vacinados não tiveram menor incidência de infecção por HIV.

Em português claro, a vacina não protegeu em nada contra o HIV.

O porquê do fracasso da vacina na prevenção do HIV ainda está sendo compreendido pelos pesquisadores, mas algumas conclusões já podem ser tiradas dessa história. A primeira delas é que, apesar das diversas similaridades, humanos e macacos são seres diferentes. Funcionar em um não garante que uma intervenção vai funcionar no outro.

Em segundo lugar, cada vez mais acumulamos evidências de que, devido às características mutacionais do HIV e da infecção que ele causa, o desenvolvimento de uma vacina eficaz será um desafio maior do que poderíamos imaginar.

O conhecimento científico, assim como a vida, é construído por meio de erros e acertos.

Depois dos erros, devemos rever a estratégia utilizada e avaliar se faz ou não sentido tentar mudá-la para testar a hipótese novamente. Nesse aspecto, existem outras vacinas experimentais já em fase de testes que utilizam diferentes plataformas de imunização. As mais promissoras são as que utilizam a tecnologia de RNA mensageiro, a mesma da vacina da Pfizer contra a covid-19.

Depois dos acertos, devemos aprofundar as pesquisas na mesma linha, ampliando o acesso à intervenção para uma população cada vez maior, com reavaliação contínua dos resultados nesse processo. Um exemplo de acerto na ciência da prevenção do HIV são as Profilaxias Pré e Pós-Exposição ao HIV (PrEP e PEP), hoje disponíveis no SUS (Sistema Único de Saúde) e mudando definitivamente o crescimento da epidemia de HIV/Aids.

Nos próximos dias, todos os participantes do estudo Mosaico serão informados sobre os resultados do estudo e vão saber se haviam recebido doses da vacina experimental ou de placebo.

Como parte da coordenação do Mosaico no Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital das Clínicas da FMUSP, eu agradeço a todos os participantes do estudo que voluntariamente escolheram doar um pouco de suas vidas, tempo e sangue para que mais esse tijolinho de saber fosse construído.

Sem participantes de pesquisas clínicas, jamais teríamos conseguido fazer a medicina chegar ao atual nível de desenvolvimento.