Rico Vasconcelos

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Opinião

Rastrear ISTs pode não ser a melhor maneira de lidar com esse problema

Se você acompanha essa coluna ou está minimamente ligado na temática da prevenção combinada das infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), o título desse texto talvez não faça nenhum sentido.

De fato, já faz muitos anos que tanto Ministério da Saúde quanto profissionais da área defendem a importância da testagem periódica para estas infecções como estratégia de saúde pública para contê-las. No entanto, recentemente algumas evidências científicas começaram a questionar se realmente esse conceito pode ser aplicado a qualquer IST.

Teoricamente, o rastreamento periódico de uma IST assintomática tem como objetivo encontrar vírus ou bactérias que até então não tinham sido diagnosticados para possibilitar o seu tratamento e, com isso, quebrar a cadeia da sua transmissão para outras pessoas.

Quando estamos falando de infecções como o HIV ou a sífilis, este racional de fato é válido e funciona muito bem. Não há nenhuma dúvida de que qualquer pessoa com vida sexual ativa, não importando se está ou não em um relacionamento, se beneficia de se testar para essas duas ISTs no mínimo uma vez por ano. Assim, poderá fazer o diagnóstico e tratamento precoces e se manter com saúde.

No entanto, a extrapolação automática desta estratégia para toda e qualquer IST, especialmente para as infecções por gonorreia e clamídia, bactérias comumente causadoras de uretrites, cervicites e proctites, parece não ter o mesmo resultado benéfico em termos de saúde pública. E ainda por cima pode ser prejudicial.

Tal questionamento pode até parecer negacionista ou anticientífico num primeiro olhar, mas foi detalhadamente apresentado em um estudo conduzido por pesquisadores europeus e publicado no final de 2023. Trata-se de uma revisão da evidência científica existente até o momento para a recomendação do rastreamento periódico para ISTs assintomáticas na Europa.

O levantamento mostrou que, quando se trata de gonorreia e clamídia, a implementação de uma rotina de testagem na população geral ou em subgrupos de maior vulnerabilidade, como os homens gays e bissexuais, ainda que ampla cobertura populacional seja atingida, não reduziu o número de novos casos dessas ISTs tampouco das suas complicações.

A explicação para esse banho de água fria parece estar relacionada ao fato de que, quando assintomáticas, essas ISTs teriam um período de maior transmissibilidade para outras pessoas apenas durante as primeiras semanas após a infecção, quando a carga bacteriana em mucosas ainda estaria mais alta.

Assim, para a estratégia de rastreamento conseguir de fato reduzir a incidência de gonorreia e clamídia em uma população, a frequência de testagem, que atualmente é de duas a três vezes por ano, teria que ser mensal, o que tornaria o plano inviável operacional e financeiramente.

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Para complicar ainda mais o cenário, o estudo também afirma que na tentativa exaustiva de testar estas ISTs em nível populacional aumentou-se significativamente a prescrição de antibióticos usados para tratamentos, o que pode ter levado inadvertidamente à seleção de bactérias multirresistentes aos antimicrobianos.

Esse fenômeno já preocupa a saúde pública há muitos anos no caso da gonorreia e, mais recentemente, se encontra em ascensão para outra bactéria causadora de ISTs chamada Mycoplasma genitalium.

Victor Passarelli (@focanainfecto), médico infectologista e pesquisador de ISTs e resistência antimicrobiana na Faculdade de Medicina da USP, resume bem a situação:

É urgente que tenhamos mais estudos randomizados e controlados para ajudar a responder quem, quando, como e até SE devemos de fato rastrear ISTs bacterianas como clamídia e gonorreia. E enquanto essas perguntas não são respondidas, talvez seja mais custo-efetivo focarmos nossos esforços e recursos para ampliar a estratégia de testar e tratar toda e qualquer pessoa sintomática - essa sim, com benefício clínico e epidemiológico inequívoco Victor Passarelli, infectologista

As recomendações brasileiras atuais do Ministério da Saúde para rastreamento de ISTs estão disponíveis no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas de ISTs de 2022. Elas variam a depender da IST, do grupo populacional e da idade. Se não viu ainda, dê uma checada no que se aplica para você.

Em resumo, o melhor agora enquanto a ciência trabalha é se manter por dentro e em dia com as recomendações de testagem para o seu caso e estar sempre atento à presença de sintomas de uma eventual IST para poder buscar atendimento de saúde e o tratamento adequado.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

2 comentários

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Paulo Bento Bandarra

Parece a estratégia de "não olhe para o céu". Quem tem uma vida promíscua é melhor mesmo que faça rastreamento todo o mês, e não espere a bomba estourar com piores consequências. Fechar os olhos não previne nada.

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Jair Rodrigues Ribeiro

Teve comportamento de risco tem que rastrear todas ISTs. Errado é esperar acontecer.

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