Obesidade é uma condição de saúde, e não uma responsabilidade pessoal
"É só uma questão de força de vontade". É bem comum pessoas que convivem com a obesidade ouvirem frases desse tipo, como se essa condição de saúde fosse culpa delas e como se perder peso fosse algo simples e fácil —afinal, basta "malhar e fechar a boca". Mas sabemos que não é bem assim.
A obesidade é uma condição de saúde, causada por muitos fatores (genéticos, ambientais, socioculturais, biológicos, emocionais) e nenhum deles envolve falta de força de vontade, de vergonha na cara ou de autocuidado.
Entender que a obesidade é uma condição de saúde, e não apenas uma responsabilidade pessoal poderia ajudar bastante a diminuir o preconceito e o estigma sofridos por milhões de pessoas no mundo, além de contribuir com um tratamento mais adequado, respeitoso e humanizado para as pessoas que convivem com o problema.
A boa notícia é que essa visão parece estar mudando.
Na ObesityWeek 2020, uma conferência científica internacional sobre obesidade, a pesquisa intitulada Evidence of Less Blame and More Acceptance of Obesity as a Medical Condition Among U.S. Adults (em tradução livre, evidência de menos culpa e mais aceitação da obesidade como uma condição médica entre os adultos dos EUA) sugere que os norte-americanos estão começando a entender a obesidade mais como uma condição médica e menos como uma falha pessoal.
Obesidade é uma escolha?
Os pesquisadores levaram em consideração que, apesar das instituições de saúde considerarem a obesidade como uma doença crônica complexa, é muito comum nos Estados Unidos a visão de que é uma questão de escolha e responsabilidade pessoal.
Diante desse estigma de peso que acusa as pessoas e prejudica a busca por tratamento médico, o estudo teve como objetivo detectar possíveis mudanças na opinião pública sobre a obesidade e a culpa dirigida às pessoas que convivem com essa condição.
Para esta pesquisa, o pesquisador Ted Kyle e uma equipe de especialistas contaram com um total de 7.076 adultos que responderam um questionário online (3.530 em novembro de 2017 e 3.546 em maio de 2020).
Cada entrevistado respondeu uma pergunta de múltipla escolha para descrever o tipo de problema que eles acreditam ser a obesidade: um problema pessoal causado por más escolhas; um problema comunitário causado pela má alimentação e inatividade física; um problema médico; ou nenhuma das alternativas anteriores.
Ou responderam uma escala para indicar sua concordância com as seguintes afirmações: a obesidade é culpa das pessoas com obesidade; a obesidade é um problema porque as pessoas com obesidade são responsabilizadas pela doença em vez de receberem ajuda médica necessária; eu entrevistaria uma pessoa com obesidade para uma vaga de emprego.
Menos culpa, mais apoio médico
Os resultados da pesquisa mostraram que entre 2017 e 2020 houve pouca mudança nas visões dos participantes de que a obesidade é uma questão de escolha ou responsabilidade pessoal: 35% dos entrevistados compartilhavam dessa visão em 2017, contra 34% em 2020.
No entanto, mais entrevistados em 2020 concordaram com a afirmação de que pessoas que convivem com a obesidade precisam de menos culpa e mais ajuda médica. O percentual foi de 42%, e 26% discordaram. Há três anos, apenas 30% dos americanos concordavam com essa ideia e 39% discordavam.
Os participantes também foram menos propensos a atribuir a culpa à pessoa (caindo de 31% em 2017 para 25% em 2020) e mais propensos a acreditar que a obesidade não é culpa daqueles que convivem com a doença (de 11% em 2017 para 16% em 2020).
Por fim, 66% dos entrevistados em 2020 indicaram que fariam uma entrevista de emprego com alguém com obesidade, percentual que era menor em 2017 (58%).
Necessidade de um novo olhar
Esses dados são uma boa notícia, pois quem convive com a obesidade não deve ser nem se sentir culpado.
Essa visão que responsabiliza apenas as pessoas e desconsideram que se trata de um problema multifatorial gera preconceito e estigma. Isso contribui ainda mais para agravar a obesidade, pois as pessoas acabam não buscando nem recebendo um tratamento adequado.
É preciso lidar com a obesidade como qualquer outra condição de saúde, buscando formas eficazes de preveni-la e de tratá-la que considerem o respeito aos pacientes.
Há muito o que se fazer, por isso proponho um manifesto para um novo olhar sobre a obesidade, e para isso trago oito pontos a serem considerados nessa mudança de visão e paradigma:
1. Existem corpos saudáveis de todos os tamanhos e formas
Apesar dos parâmetros existentes para orientar a conduta dos profissionais de saúde, como o Índice de Massa Corporal (IMC), é importante entender que a saúde não é tão exata e o peso não é determinante da nossa saúde. Lembre-se que magreza não é sinônimo de saúde, podem existir pessoas saudáveis de todos os tamanhos.
2. Focar na saúde, não no peso
Nosso peso é consequência de hábitos e comportamentos saudáveis e não a causa. Em vez de focar em um número na balança ou em um corpo ideal, o melhor é buscar o ganho de saúde.
3. Sem dietas restritivas
Já sabemos que dietas restritivas não dão certo. Elas alteram nosso metabolismo, geram mais desejo por comida e podem contribuir com o excesso de peso. Em vez de restrição, o melhor é transformar a relação com a comida.
4. Fazer as pazes com a comida e o corpo
O prazer precisa ser parte da alimentação, mas a culpa não. Não há porque classificar os alimentos em "bons" ou "ruins". Você pode comer de tudo, honrando suas vontades e prestando atenção aos sinais de fome e saciedade. Além disso, aceitar nosso corpo como ele é também é um ótimo exercício para ter uma vida mais saudável.
5. Participação de todos
A obesidade é multifatorial, por isso depende de esforços de muita gente: profissionais de saúde, educadores, governantes, a indústria e a sociedade, como um todo, podem participar na busca por uma mudança de paradigma e de maneiras de tratar e prevenir a obesidade, sem conflitos de interesse e com alimentos de melhor qualidade.
6. Conectar-se com o corpo
No mundo em que vivemos estamos cada vez menos atentos ao nosso corpo. Identificar as sensações corporais e as mensagens internas que o corpo envia pode contribuir para um estilo de vida mais saudável.
7. Auxiliar, e não controlar o paciente
Os profissionais de saúde até podem ter mais conhecimento técnico que seus pacientes, mas isso não quer dizer que sabem de tudo. Por isso, eles devem adotar uma postura de apoio, definindo junto com o paciente o que ele deseja mudar, para que desenvolva autonomia e capacidade de autocuidado.
8. Valorizar o ato de cozinhar
Cozinhar leva tempo, por isso cozinhamos cada vez menos hoje em dia. Mas resgatar essa prática pode contribuir com um maior consumo de alimentos in natura e proporcionar mais habilidades e autonomia às pessoas.
Bon appétit!
Sophie Deram
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