Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Jejum intermitente pode elevar risco de diabetes, alerta estudo brasileiro
Não é de hoje que o ser humano jejua. Essa prática está associada a diversas religiões milenares, como o cristianismo, o judaísmo e a religião muçulmana, que pratica o Ramadã. Nos últimos anos, porém, o jejum, especificamente o jejum intermitente, ganhou popularidade e tem sido uma estratégia muito utilizada para a perda de peso.
Como o nome sugere, essa estratégia consiste em abster-se de comida por um período e depois voltar a alimentar-se livremente. Os protocolos mais comuns adotados consistem em jejuar diariamente por 16 horas (pulando as refeições do início do dia ou da noite), ou por 24 horas, intercalando com dias normais de alimentação, ou seja, come-se dia sim e dia não.
No entanto, as evidências sobre a eficácia desse método são contraditórias. Alguns estudos mostram que, em curto prazo, o jejum intermitente realmente provoca perda de peso, mas em longo prazo não se mostra sustentável. Além disso, há uma falta de conhecimento e de debate sobre seus potenciais efeitos sobre a saúde humana, que vão além do peso.
Diante disso, a pesquisadora Ana Bonassa e colaboradores desenvolveram uma tese na USP, cujos resultados foram apresentados no Congresso Europeu de Endocrinologia, em 2018, e posteriormente publicados na revista Nutrients, em 2020. O objetivo do estudo foi avaliar o efeito de 12 semanas de jejum intermitente na glicose e nas células pancreáticas de ratas de laboratório.
Jejum intermitente pode levar à perda de peso, mas também à resistência à insulina
As ratas estudadas tinham 30 dias de vida e foram separadas aleatoriamente em dois grupos: o controle, com acesso livre a uma ração padrão para roedores, e o grupo do jejum intermitente. Neste último, os animais foram submetidos a um jejum de 24 horas intercalado com acesso livre à ração.
Durante todo o período do estudo, o peso corporal e a ingestão de alimentos foram registrados. Na última semana foram realizados testes de intolerância à glicose e de resistência à insulina.
Para quem quer saber se jejum intermitente emagrece, o estudo verificou que sim. Após três meses, as ratas do grupo experimental apresentaram menor ganho de peso e consumiram menos ração, 35% menos que o grupo controle ao se considerar a ingestão total média, ou seja, os dias de jejum e os dias de alimentação livre.
No entanto, considerando apenas a ingestão média, o consumo em relação ao controle é 31% maior, indicando consumo excessivo de ração nos períodos de alimentação livre.
De qualquer forma, vale lembrar que mesmo com acesso livre à ração, esses animais estavam em um ambiente controlado, com uma alimentação balanceada. Essa situação, provavelmente, não condiz com a vida real dos seres humanos.
Apesar dessa perda de peso no grupo que realizou jejum intermitente, e que era esperada pelos pesquisadores, a quantidade de tecido adiposo do abdômen dos animais aumentou e eles cresceram menos.
No entanto, o mais interessante é que esse é o primeiro estudo a mostrar que, apesar da perda de peso, dietas de jejum intermitente podem realmente danificar o pâncreas e afetar a função da insulina, aumentando o risco de desenvolver diabetes tipo 2. Os pesquisadores observaram que as células do pâncreas (órgão que libera o hormônio insulina) apresentaram danos, níveis aumentados de radicais livres e marcadores de resistência à insulina.
Entenda melhor a relação entre resistência à insulina e jejum intermitente
Para entender melhor a ligação entre a resistência à insulina, o risco de desenvolver diabetes e o jejum intermitente vou apresentar melhor os resultados da pesquisa.
Entre os marcadores utilizados para avaliar essa questão, foram realizados o teste de intolerância à glicose e coletada a hemoglobina glicada, capaz de identificar altos níveis de glicose no sangue em períodos de longo prazo. Em ambos os grupos os resultados não mostraram diferenças significativas.
No entanto, as concentrações de insulina foram medidas em jejum e após 15, 30, 90 e 120 minutos de administração oral de uma solução de glicose. Com esse teste, percebeu-se que o jejum intermitente aumentou muito as concentrações de insulina.
Além disso, as análises do pâncreas mostraram uma diminuição de 28,6% no tamanho das células pancreáticas dos animais submetidos ao jejum intermitente. O peso do pâncreas também mostrou uma redução significativa de cerca de 26% nesse mesmo grupo, o que pode ser prejudicial para a função endócrina desse órgão.
A insulina, produzida pelo pâncreas, regula os níveis de glicose no sangue. Se seus níveis estão muito baixos ou se o organismo se tornar resistente aos seus efeitos, temos um quadro de diabetes tipo 2, cujos efeitos a longo prazo podem trazer danos a diversos órgãos e que precisa ser tratado por uma equipe multiprofissional.
Jejum intermitente é dieta restritiva
A conclusão desse estudo mostra que o jejum intermitente foi eficaz na perda de peso de animais durante o período de três meses. No entanto, essa estratégia provocou resistência à insulina, condição que pode aumentar o risco de desenvolver diabetes tipo 2.
Devemos ser bastante cautelosos quando comparamos os efeitos em humanos, porém essa pesquisa é uma ferramenta importante para avaliar os potenciais prejuízos que o jejum intermitente pode provocar e indica a necessidade de estudos posteriores, a serem realizados com humanos, em longo prazo e com uma quantidade significativa de participantes.
Além disso, cabe lembrar que o jejum intermitente é uma dieta restritiva. Algumas pessoas até se opõem a essa afirmação, já que uma dieta implica em alimentos a serem consumidos ou não, enquanto o jejum busca a interrupção da alimentação por determinados períodos. De qualquer forma, o jejum leva à restrição alimentar e isso tem diversas consequências para a saúde do corpo humano.
Vale lembrar que somos programados para ganhar e não para perder peso. Quando o organismo percebe que estamos passando por uma privação, seja voluntária ou não, o cérebro interpreta que o corpo está em perigo, levando-nos a buscar mecanismos biológicos e adaptativos para sobreviver, como a diminuição do metabolismo.
Por isso, é bom sempre lembrar que peso não é sinônimo de saúde. Em vez de estratégias que prometem uma perda de peso rápido, como o jejum intermitente, e cujas consequências ainda não estão totalmente descritas, minha sugestão é que você tenha uma alimentação saudável, coma de tudo e esteja em paz com a comida e com o corpo!
Bon appétit!
Sophie Deram
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