Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Comer com prazer ajuda a comer menos
Parece que nos últimos tempos o prazer foi retirado do cardápio. É comum acreditar que se comemos um alimento e sentimos satisfação com isso, ele não faz bem para a saúde. Esse pensamento faz muita gente consumir o que não gosta apenas porque ouviu falar que é saudável e a sentir ainda mais desejo pela comida vista como "proibida".
No entanto, a satisfação ao comer não precisa ficar de fora. Há quem ache que estou falando uma grande loucura, mas comer com prazer ajuda a comer menos!
É isso que percebo quando meus pacientes passam a ter uma melhor relação com a comida e entendem a alimentação como algo que pode ser, ao mesmo tempo, prazeroso e saudável.
Mas não afirmo isso apenas com base na experiência que tenho no meu consultório. A ciência tem mostrado isso. Abaixo apresento os resultados de duas pesquisas bem interessantes para você entender melhor o que quero dizer.
Tudo o que é proibido é mais gostoso
As pesquisadoras Roeline Kuijer e Jessica Boyce, da Universidade de Canterbury, na Nova Zelândia, realizaram um estudo que foi publicado na revista Appetite.
Elas consideraram que a alimentação é frequentemente associada a sentimentos ambivalentes de "celebração" e "prazer" por um lado, e de "culpa" e "preocupação" por outro.
Dessa forma, elas gostariam de analisar se os sentimentos de "culpa" ou a "celebração" diante de um bolo de chocolate estavam relacionados com diferenças na atitude alimentar, no controle da alimentação e até na perda de peso.
Elas observaram que os participantes guiados pela culpa ao comer o bolo não relataram atitudes mais positivas ou intenções mais fortes de ter uma alimentação saudável do que aqueles que associaram o bolo com um momento de celebração.
Na verdade, quem se sentiu culpado teve menos controle diante da comida e menos sucesso em manter ou perder o peso, tanto em um período de 3 meses, quanto por 18 meses. Ou seja, as pessoas que se sentiam mais culpadas ao pensar em bolo chocolate foram justamente as que tiveram menos sucesso em perder peso.
Outro estudo, liderado por Kelly Goldsmith, uma cientista com interesse em marketing, mostra resultados parecidos. Ela contou com a participação de 40 mulheres que foram divididas em dois grupos. Em um deles, as participantes olharam capas de revistas de saúde, enquanto no outro elas receberam publicações sem relação com vida saudável. Depois, todas as mulheres comeram uma barra de chocolate e responderam a perguntas sobre o quanto gostaram da guloseima.
Olha só! Aquelas que foram expostas a revistas de saúde relataram gostar mais do chocolate do que as outras participantes. Por quê? A pesquisadora sugere que elas foram estimuladas a se sentirem culpadas por comer algo que não é considerado saudável pelas revistas de saúde, o que aumentou o desejo pelo chocolate.
Dietas restritivas: combinação de proibição e culpa
Se você já fez dieta restritiva provavelmente é uma pessoa bem familiarizada com os resultados desses dois estudos.
Basta o seu cérebro entender que "não pode" comer chocolate, hambúrguer, pizza, etc., para aumentar o desejo por esses alimentos. Com um desejo muito forte, acabamos caindo na tentação e comendo o alimento proibido.
E depois? É acabar de comer e ser invadido por um sentimento de culpa, como se tivéssemos feito algo muito errado.
Muita gente pensa que ter um sentimento tão ruim como a culpa nos levaria a não consumir mais os alimentos que vemos como proibidos. Mas como a ciência tem mostrado e você mesmo pode perceber, a culpa nos coloca em um círculo vicioso e a tendência é que diante dessa insatisfação a gente acabe comendo em exagero.
A cultura tem um papel muito forte nisso. Em primeiro lugar, é muito difundida a ideia de que todos nós precisamos ser magros, por uma questão estética e de saúde. A gordura não é bem-vinda e além disso, a indústria da dieta nos mostra que para termos essa magreza tão desejável é preciso cortar tudo e comer o menos possível.
Informações desse tipo são muito difundidas, mas não são verdadeira e ainda nos geram uma culpa tremenda diante da comida.
Por isso, gosto de frisar que existem corpos saudáveis e belos de todas as formas e para termos saúde não é necessário comer menos, mas sim comer melhor e comer de tudo.
O que fazer? Permita-se comer!
Você pode estar se perguntando o que fazer, já que comer com culpa nos faz comer mais e dietas restritivas geram sentimento de culpa.
Eu sugiro que você se permita comer de tudo! Nem sempre essa dica é bem interpretada, justamente porque a mentalidade de dieta e a culpa ao comer ronda nossas mentes a todo momento.
É comum entender que a permissão para comer de tudo é totalmente sem critério e nos levaria a consumir mais alimentos. Mas não é bem assim. Permitir-se comer é entender que não existem alimentos bons ou ruins, permitidos ou proibidos. Todos eles podem fazer parte de uma alimentação saudável, mas é preciso perceber o que realmente você gosta e deseja comer naquele momento.
Por exemplo, pense na situação em que alguém está com vontade de comer um bolo de chocolate na sobremesa, mas decide não comer por achar que é muito calórico. Nesse caso, é bem provável que essa pessoa acabe comendo diversos outros alimentos na tentativa de "matar" sua vontade, quando poderia simplesmente ter apreciado o bolo com prazer e sem culpa.
O mesmo acontece quando fazemos uma "despedida" antes de começar uma dieta ou quando temos um "dia do lixo". Nessas situações, a culpa e a restrição alimentar nos levam a dar uma importância exagerada à alimentação e é comum consumir alimentos em excesso.
Quando nos permitimos comer de tudo também é importante ouvir nossos sinais de fome e saciedade. Ou seja, devemos comer quando estamos com fome e parar quando nos sentimos saciados. Isso também ajuda a evitar o comer emocional, que se dá quando comemos algo em busca de um conforto para as nossas emoções, o que pode ser problemático quando acontece com frequência.
Permitir-se comer com prazer e sem culpa é um ato de autocuidado que exige transformação, autoconhecimento e mudanças de hábitos. Não acontece do dia para a noite, mas respeitando seu próprio tempo e com foco no positivo é possível fazer as pazes com a comida e com o corpo!
Bon appétit!
Sophie Deram
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